"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/12/2015

Jurisprudência (252)


Exploração florestal; responsabilidade civil; 
alegações de recurso; conclusões das alegações


1. O sumário de RP 5/11/2015 (598/10.5T2AND.P1) é o seguinte: 

I - Se na data em que foi feita a plantação dos eucaliptos num determinado prédio este se integrava numa área de terrenos todos eles afectos à exploração de floresta e mato, essa plantação podia ser feita até à linha divisória e não passa a ser ilegal quando o proprietário confinante decide alterar a utilização do seu terreno para a construção urbana.

II - O DL n.º 96/2013, que aprovou o regime jurídico das acções de arborização e rearborização com espécies florestais, revogou o DL n.º 28.039, de 1937, que até aí proibia a plantação de eucaliptos a menos de 30 metros de distância dos prédios urbanos, não existindo actualmente na nossa ordem jurídica norma legal contendo essa proibição ou proibição similar.

III - O dono das árvores cujas raízes penetram no subsolo do prédio vizinho causando danos ao respectivo proprietário, só incorre em responsabilidade pelos danos a partir do momento em que a sua actuação se torna ilícita e culposa, o que apenas sucede se e quando for avisado pelo proprietário lesado da acção das raízes e por este interpelado para as arrancar e remover.
 

2. Sob o ponto de vista processual, o mais interessante é o que consta da "nota prévia" que se encontra na fundamentação do acórdão: 

"Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do novo Código de Processo Civil, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.

A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e de precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.

Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o artigo 641.º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (artigo 639.º, n.º 3).

Ora, no caso, como infelizmente se vai tornando norma, verifica-se que o recorrente redigiu as suas alegações, dividindo-as em parágrafos numerados com letras do alfabeto, depois escreveu a expressão “em conclusão” e a seguir repetiu na íntegra, sem qualquer síntese, redução ou expurgo, as alegações, com a única diferença de estas virem numeradas com numeração romana.

Do ponto de vista substancial, o recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, limitou-se a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal (conforme a criatividade, esta prática surge nos processos dissimulada de várias formas, designadamente usando diferentes numerações para as ditas “alegações” e as supostas “conclusões”, uma ordinal e a outra cardinal, uma numérica e a outra alfabética, por vezes as “alegações“ não são sequer numeradas e a numeração só aparece nas supostas “conclusões”).

Por conseguinte, do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve a mera desatenção ou até lapso informático, deve aplicar-se por maioria de razão às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a repetir o texto das alegações, não podendo deixar de saber que não está a formular, como devia, quaisquer conclusões.

Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar o recorrente a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, que isso representaria apenas mais uma perda de tempo e de forma a não permitir que esta falha seja vista como um obstáculo inesperado ao conhecimento efectivo do recurso (prejudicando a própria parte que é quem tem o direito a que as suas razões de discordância da decisão sejam apreciadas, para o que espera que essas razões sejam, ao menos, expostas pelo seu mandatário como determina a lei processual, sob pena de irrelevância da intervenção deste) decidimos, no entanto, prosseguir sem mais com a análise dos fundamentos do recurso, deixando, no entanto, perfeitamente ressalvada a possibilidade de passar a decidir diferentemente em casos futuros."

MTS