Processo penal; indemnização por prisão preventiva ilegal ou injustificada;
caducidade da acção
1. O sumário de RL 5/11/2015 (1617-10.0TBSXL.L1-6) é o seguinte:
- O prazo de um ano, previsto no art.º 226.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, conta-se a partir da decisão definitiva do processo penal de quem formula o pedido de indemnização e não a partir da decisão definitiva quanto a todos os arguidos envolvidos no mesmo processo penal.
- O fundamento subjacente ao início da contagem do prazo naqueles termos radica no facto de, a partir de então, a decisão quanto ao requerente do pedido de indemnização ser inalterável, tendo o mesmo todos os elementos necessários para peticionar o ressarcimento dos danos que tenha sofrido, por prisão preventiva ilegal ou injustificada, sendo assim indiferente e irrelevante, que haja uma decisão final quanto aos demais arguidos.
- No caso de um arguido ser absolvido, em 1ª instância, dos crimes de que foi acusado, não tendo o Ministério Público recorrido dessa absolvição, tal decisão transitou em julgado, formando-se assim caso julgado quanto a tal arguido, sendo essa decisão insusceptivel de ser alterada, por efeito de recursos interpostos pelos co-arguidos.
2. A fundamentação do acórdão contém a seguinte passagem:
"Preceitua o art.º 226.º, n.º 1, do CPP que «o pedido de indemnização não pode, em caso algum, ser proposto depois de decorrido um ano sobre o momento em que o detido ou preso foi libertado ou foi definitivamente decidido o processo penal respectivo» (sublinhado nosso).
A divergência, entre a decisão recorrida e o recurso interposto pelo A., radica na interpretação deste dispositivo legal, no segmento sublinhado, porquanto, segundo o A., o acórdão de 1.ª instância que o absolveu não pode considerar-se decisão definitiva, só podendo qualificar-se como tal o acórdão de 30.01.2008, do Tribunal Constitucional, proferido na sequência de recursos interpostos por co-arguidos.
Não cremos assistir razão ao A. porquanto a norma em causa não pode deixar de ser interpretada sistemática, em conjugação com as pertinentes normas sobre a possibilidade de recurso e o trânsito em julgado.
Desde logo, interpretando literalmente o que se estatui no art.º 226.º, n.º 1, citado é que o prazo de um ano se conta, no que ao caso interessa, a partir do momento em que «foi definitivamente decidido o processo penal respectivo». Ou seja, a partir da decisão definitiva do processo penal de quem formula o pedido de indemnização, e não a partir da decisão definitiva quanto a todos os arguidos do processo penal aí envolvidos.
Com efeito, parece linear que o fundamento subjacente ao início da contagem do prazo naquele momento radica no facto de, a partir de então, a decisão quanto ao requerente do pedido de indemnização ser inalterável e, consequentemente, o mesmo ter todos os elementos necessários para peticionar o ressarcimento dos danos que tenha sofrido, por prisão preventiva ilegal ou injustificada, sendo assim indiferente e irrelevante, que haja uma decisão final quanto aos demais arguidos. Como se refere no Ac. do STJ de 11.02.2010, supra citado, «o n.º 1 do artigo 226.º do Código de Processo Penal revela inequivocamente que a lei aceita que o prazo reputado de suficiente para a propositura da acção só corra desde a altura em que o lesado dispõe de uma decisão estável sobre os dados relevantes para a apreciação da causa de pedir que pretende invocar na acção de indemnização».
Ora, decorre das disposições conjugadas dos art.ºs 401.º, n.º 1, als a) e b), 402.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 403.º, n.ºs 1 e 2, al. e), todos do CPP, que no caso de um arguido ser absolvido, em 1.ª instância, dos crimes de que foi acusado, não só tal arguido não tem legitimidade para recorrer da decisão penal que o absolveu da acusação crime como, no caso de o Ministério Público não ter recorrido dessa absolvição, a decisão quanto a tal arguido é definitiva e insusceptivel de ser alterada, por força do caso julgado que se formou. Com efeito, nesse caso, os recursos interpostos pelos co-arguidos, mesmo no caso de comparticipação criminosa, ainda que tivessem como consequência a eventual anulação do processado e a eventual necessidade de repetição, total ou parcial, do julgamento, não teriam a virtualidade de alterar o caso julgado formado quanto ao arguido absolvido. Mesmo «o dever que o nº 3 do artigo 403º impõe ao tribunal de “retirar da procedência” de um recurso interposto apenas de parte da decisão, quando aplicado ao caso de comparticipação criminosa (al. e) do n.º 2), não tem a virtualidade de permitir que uma decisão absolutória transitada em julgado em relação a um dos arguidos possa afinal a vir ser afectada pela apreciação de um recurso interposto por outro», como bem se salienta no Ac. do STJ de 11.02.2010, supra citado.
Não é assim verdade, ao contrário do alegado pelo apelante – mas não demonstrado e não apoiado em qualquer doutrina ou jurisprudência – que «bastava que fosse invocada e considerada procedente alguma nulidade, para poder fazer retroceder o processo, correndo sempre riscos o ora Recorrente, de ver a decisão que o absolveu ser afectada». Com efeito, tais recursos, em que fosse invocada e julgada procedente alguma nulidade, com a eventual consequência de repetição de actos processuais, apenas poderiam aproveitar (e não prejudicar) o co-arguido comparticipante condenado (quanto ao absolvido era irrelevante), ainda que não recorrente (cfr. art.º 402,º, n.º 2, al. a), e 403.º, n.º 3, ambos do CPP).
Esta interpretação, do art.º 226.º do CPP, não «viola os ditames constitucionalmente consagrados, nomeadamente o art. 32.º CRP», ao contrário do que pretexta o apelante, em afirmação muita taxativa, mas sem desenvolvimento de argumentação, a que se possa contrapor argumento diverso. Por isso mesmo se dirá que, pelo contrário, a interpretação que o ora apelante propugna, no sentido de que a decisão de 1.ª instância que o absolveu e da qual não foi interposto recurso pelo Mº Pº, não teria transitado em julgado e seria susceptível de ser afectada pelos recursos interpostos pelos co-arguidos, essa sim é que seria violadora das garantias de defesa, consagradas no processo criminal, nos termos do art.º 32.º da Constituição. Como certamente o ali arguido – aqui A. – não deixaria de clamar se a questão se tivesse colocado no processo criminal.
Também não tem fundamento a alegação, do apelante, de que viu assim coarctado o direito ao recurso, porquanto o ali arguido – aqui A. -, tendo sido absolvido, não tinha legitimidade para recorrer, por não ter qualquer interesse legítimo em ver alterada a decisão. Igualmente não viu coarctado o direito a interpor a presente acção, nem restringido o conteúdo deste direito, pois o que ocorreu na verdade é que o A. não interpôs a acção, no tempo devido, ou seja, em tempo oportuno e não por qualquer restrição do direito.
Com efeito, considerando a factualidade provada, nomeadamente que o ora A. foi absolvido, em 1ª instância, dos crimes de que foi acusado e que o Mº Pº não interpôs recurso dessa decisão, temos por certo que aquela decisão transitou em julgado 30 dias após o seu depósito, ou seja, em 07.06.2006, pelo que, como bem se decidiu na sentença recorrida, é manifestamente intempestiva esta acção interposta pelo A. em 26.01.2009.
Nem se invoque, como o apelante faz, que não foi notificado do acórdão que o absolveu, a sua advogada também não, só teve conhecimento do acórdão ao compulsar os autos em 27.06.2008 e que o acórdão não pode ter assim transitado em julgado.
Com efeito, independentemente das alegadas vissicitudes de notificação do acórdão, não vem alegado nem provado que o arguido não tenha estado representado por nenhum advogado (seja o constituído seja defensor oficioso nomeado na falta daquele), no processo penal em que foi proferida e notificada a decisão absolutória quanto a si, nem vem alegado e provado que foi aí invocada nulidade decorrente dessa falta de representação por advogado e notificação do acórdão e que tal nulidade foi aí reconhecida, com todos os efeitos pertinentes. Assim, contando-se o prazo para a interposição do recurso, no caso de sentença ou acórdão, a partir do “respectivo depósito na secretaria” (cfr. art.º 411.º, n.º 1, do CPP), e tendo este ocorrido em 23.05.2006, temos como certo que a interposição do recurso só poderia ocorrer até 07.06.2006.
Em conclusão e em resumo, é negativa a resposta à questão supra equacionada, improcedendo assim as conclusões das alegações do apelante, não tendo sido violadas as disposições legais aí citadas, pelo que se impõe confirmar a sentença recorrida, julgando improcedente a apelação."
MTS
A divergência, entre a decisão recorrida e o recurso interposto pelo A., radica na interpretação deste dispositivo legal, no segmento sublinhado, porquanto, segundo o A., o acórdão de 1.ª instância que o absolveu não pode considerar-se decisão definitiva, só podendo qualificar-se como tal o acórdão de 30.01.2008, do Tribunal Constitucional, proferido na sequência de recursos interpostos por co-arguidos.
Não cremos assistir razão ao A. porquanto a norma em causa não pode deixar de ser interpretada sistemática, em conjugação com as pertinentes normas sobre a possibilidade de recurso e o trânsito em julgado.
Desde logo, interpretando literalmente o que se estatui no art.º 226.º, n.º 1, citado é que o prazo de um ano se conta, no que ao caso interessa, a partir do momento em que «foi definitivamente decidido o processo penal respectivo». Ou seja, a partir da decisão definitiva do processo penal de quem formula o pedido de indemnização, e não a partir da decisão definitiva quanto a todos os arguidos do processo penal aí envolvidos.
Com efeito, parece linear que o fundamento subjacente ao início da contagem do prazo naquele momento radica no facto de, a partir de então, a decisão quanto ao requerente do pedido de indemnização ser inalterável e, consequentemente, o mesmo ter todos os elementos necessários para peticionar o ressarcimento dos danos que tenha sofrido, por prisão preventiva ilegal ou injustificada, sendo assim indiferente e irrelevante, que haja uma decisão final quanto aos demais arguidos. Como se refere no Ac. do STJ de 11.02.2010, supra citado, «o n.º 1 do artigo 226.º do Código de Processo Penal revela inequivocamente que a lei aceita que o prazo reputado de suficiente para a propositura da acção só corra desde a altura em que o lesado dispõe de uma decisão estável sobre os dados relevantes para a apreciação da causa de pedir que pretende invocar na acção de indemnização».
Ora, decorre das disposições conjugadas dos art.ºs 401.º, n.º 1, als a) e b), 402.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 403.º, n.ºs 1 e 2, al. e), todos do CPP, que no caso de um arguido ser absolvido, em 1.ª instância, dos crimes de que foi acusado, não só tal arguido não tem legitimidade para recorrer da decisão penal que o absolveu da acusação crime como, no caso de o Ministério Público não ter recorrido dessa absolvição, a decisão quanto a tal arguido é definitiva e insusceptivel de ser alterada, por força do caso julgado que se formou. Com efeito, nesse caso, os recursos interpostos pelos co-arguidos, mesmo no caso de comparticipação criminosa, ainda que tivessem como consequência a eventual anulação do processado e a eventual necessidade de repetição, total ou parcial, do julgamento, não teriam a virtualidade de alterar o caso julgado formado quanto ao arguido absolvido. Mesmo «o dever que o nº 3 do artigo 403º impõe ao tribunal de “retirar da procedência” de um recurso interposto apenas de parte da decisão, quando aplicado ao caso de comparticipação criminosa (al. e) do n.º 2), não tem a virtualidade de permitir que uma decisão absolutória transitada em julgado em relação a um dos arguidos possa afinal a vir ser afectada pela apreciação de um recurso interposto por outro», como bem se salienta no Ac. do STJ de 11.02.2010, supra citado.
Não é assim verdade, ao contrário do alegado pelo apelante – mas não demonstrado e não apoiado em qualquer doutrina ou jurisprudência – que «bastava que fosse invocada e considerada procedente alguma nulidade, para poder fazer retroceder o processo, correndo sempre riscos o ora Recorrente, de ver a decisão que o absolveu ser afectada». Com efeito, tais recursos, em que fosse invocada e julgada procedente alguma nulidade, com a eventual consequência de repetição de actos processuais, apenas poderiam aproveitar (e não prejudicar) o co-arguido comparticipante condenado (quanto ao absolvido era irrelevante), ainda que não recorrente (cfr. art.º 402,º, n.º 2, al. a), e 403.º, n.º 3, ambos do CPP).
Esta interpretação, do art.º 226.º do CPP, não «viola os ditames constitucionalmente consagrados, nomeadamente o art. 32.º CRP», ao contrário do que pretexta o apelante, em afirmação muita taxativa, mas sem desenvolvimento de argumentação, a que se possa contrapor argumento diverso. Por isso mesmo se dirá que, pelo contrário, a interpretação que o ora apelante propugna, no sentido de que a decisão de 1.ª instância que o absolveu e da qual não foi interposto recurso pelo Mº Pº, não teria transitado em julgado e seria susceptível de ser afectada pelos recursos interpostos pelos co-arguidos, essa sim é que seria violadora das garantias de defesa, consagradas no processo criminal, nos termos do art.º 32.º da Constituição. Como certamente o ali arguido – aqui A. – não deixaria de clamar se a questão se tivesse colocado no processo criminal.
Também não tem fundamento a alegação, do apelante, de que viu assim coarctado o direito ao recurso, porquanto o ali arguido – aqui A. -, tendo sido absolvido, não tinha legitimidade para recorrer, por não ter qualquer interesse legítimo em ver alterada a decisão. Igualmente não viu coarctado o direito a interpor a presente acção, nem restringido o conteúdo deste direito, pois o que ocorreu na verdade é que o A. não interpôs a acção, no tempo devido, ou seja, em tempo oportuno e não por qualquer restrição do direito.
Com efeito, considerando a factualidade provada, nomeadamente que o ora A. foi absolvido, em 1ª instância, dos crimes de que foi acusado e que o Mº Pº não interpôs recurso dessa decisão, temos por certo que aquela decisão transitou em julgado 30 dias após o seu depósito, ou seja, em 07.06.2006, pelo que, como bem se decidiu na sentença recorrida, é manifestamente intempestiva esta acção interposta pelo A. em 26.01.2009.
Nem se invoque, como o apelante faz, que não foi notificado do acórdão que o absolveu, a sua advogada também não, só teve conhecimento do acórdão ao compulsar os autos em 27.06.2008 e que o acórdão não pode ter assim transitado em julgado.
Com efeito, independentemente das alegadas vissicitudes de notificação do acórdão, não vem alegado nem provado que o arguido não tenha estado representado por nenhum advogado (seja o constituído seja defensor oficioso nomeado na falta daquele), no processo penal em que foi proferida e notificada a decisão absolutória quanto a si, nem vem alegado e provado que foi aí invocada nulidade decorrente dessa falta de representação por advogado e notificação do acórdão e que tal nulidade foi aí reconhecida, com todos os efeitos pertinentes. Assim, contando-se o prazo para a interposição do recurso, no caso de sentença ou acórdão, a partir do “respectivo depósito na secretaria” (cfr. art.º 411.º, n.º 1, do CPP), e tendo este ocorrido em 23.05.2006, temos como certo que a interposição do recurso só poderia ocorrer até 07.06.2006.
Em conclusão e em resumo, é negativa a resposta à questão supra equacionada, improcedendo assim as conclusões das alegações do apelante, não tendo sido violadas as disposições legais aí citadas, pelo que se impõe confirmar a sentença recorrida, julgando improcedente a apelação."
MTS