1. A execução para pagamento de quantia certa comporta duas formas de processo: a ordinária e a sumária (cf. art. 550,º, n.º 1, CPC). A principal diferença entre estas formas de processo reside no momento da citação do executado: no processo ordinário, que tem por base títulos executivos menos seguros (como, por exemplo, um documento autêntico ou autenticado), a citação do executado é anterior à penhora (cf. art. 724.º, n.º 6, e 748.º, n.º 1, al. b) a d), CPC); no processo sumário, que tem por base títulos mais seguros (como as decisões judiciais), a citação do executado é posterior à penhora (cf. art. 856.º, n.º 1, CPC).
Não interessa agora procurar qualificar o regime que o legislador acabou para construir para as decisões que são executadas nos próprios autos (como sucede com a generalidade das decisões proferidas em matéria civil e comercial): essas decisões seguem a forma ordinária (dado que não lhes é aplicável a forma sumária (art. 550.º, n.º 2, al. a) a contrario, CPC)), mas possuem a "tramitação prevista para a forma sumária" (art. 626.º, n.º 2, CPC). "Ornitorrinco legal" é a expressão que ocorre para descrever este estranho regime.
2. No processo ordinário, o art. 727.º CPC permite que o exequente obtenha a dispensa prévia do executado em duas situações:
-- Quando alegue e prove factos que justificam o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito (n.º 1), ou seja, quando se justifique o efeito surpresa da pendência da execução;
-- Quando se verifique especial dificuldade em efectuar a citação do executado, designadamente porque este citando se encontra em parte incerta (n.º 2).
É sobre este regime que se pretende deixar três breves notas.
3. a) Uma primeira nota respeita ao âmbito de aplicação do regime de dispensa da citação prévia do executado. Como é claro, só faz sentido aplicar este regime à forma ordinária do processo de execução para pagamento de quantia certa, dado que, como se referiu, na forma sumária a citação do executado é sempre posterior à penhora.
No entanto, a dispensa da citação prévia do executado com fundamento no receio de perda da garantia patrimonial nem sempre é admissível quando a execução para pagamento de quantia certa deva seguir a forma ordinária. Na verdade, deve ser seguida a forma ordinária sempre que:
-- Haja que tornar a obrigação exequenda certa e exigível (art. 550.º, n.º 3, al. a), CPC);
-- A obrigação exequenda careça de ser liquidada na fase executiva e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético (art. 550.º, n.º 3, al. b), CPC);
-- Havendo título executivo diverso de sentença apenas contra um dos cônjuges, o exequente alegue a comunicabilidade da dívida no requerimento executivo (art. 550.º, n.º 3, al. c), CPC);
-- A execução seja movida apenas contra devedor subsidiário que não haja renunciado ao benefício da excussão prévia (art. 550.º, n.º 3, al. d), CPC).
Em todas estas situações, a forma de processo é a ordinária, mas em nenhuma delas pode ser dispensada a citação prévia do executado com base no receio de perda da garantia patrimonial. É fácil justificar por que assim tem de ser: a exclusão da forma sumária nas referidas situações destina-se precisamente a permitir a citação do executado antes da penhora.
b) Uma segunda nota respeita à medida da prova que é necessária (ou suficiente) para a demonstração do receio da perda da garantia patrimonial. O lugar paralelo que se encontra em sede de procedimentos cautelares (cf. art. 365.º, n.º 1, e 368.º, n.º 1, CPC) poderia levar imediatamente à conclusão de que se trata de uma mera justificação, ou seja, de uma medida da prova que se basta com a formação da convicção da plausibilidade ou verosimilhança daquele receio.
Sem negar que possa haver alguma proximidade entre a prova que é suficiente no procedimento cautelar e a prova que deve ser suficiente na dispensa da citação prévia do executado, o principal argumento a favor da suficiência de uma mera justificação é, no entanto, o seguinte: dado que, pela natureza das coisas, a decisão do juiz de execução é uma decisão tomada sem contraditório do executado (ou seja, é uma decisão ex parte), a prova oferecida pelo exequente nunca pode fornecer mais do que a plausibilidade ou a verosimilhança do receio da perda da garantia patrimonial. Para que o juiz pudesse formar uma convicção sobre esse receio (e não sobre a sua plausibilidade ou verosimilhança) seria necessário que pudesse ponderar os argumentos eventualmente aduzidos pelo executado.
c) A terceira nota respeita à relação entre a dispensa da citação prévia do executado e a prescrição do crédito exequendo. Numa primeira aproximação ao problema, poder-se-ia defender que, estando em risco a prescrição do crédito exequendo se o executado não for rapidamente citado (para se obter, através dessa citação, a interrupção da prescrição: cf. art. 323.º, n.º 1, CC), o exequente que, nessa situação, pede a dispensa da citação prévia do executado aceita o risco de prescrição do seu crédito. Esta conclusão não é, no entanto, a única que pode ser defendida.
O que está em causa é saber se o risco de prescrição deve ser entendido como retirando ao exequente a faculdade (estratégica) de requerer a dispensa da citação prévia do executado. Noutros termos, o que importa saber é se esta estratégia deve ser sacrificada pela necessidade de evitar o risco de prescrição do crédito exequendo.
Não parece que assim tenha de se entender. Há uma forma de compatibilizar o interesse do exequente em não ver o seu crédito prescrito com o interesse desse mesmo credor em obter a dispensa da citação prévia do executado. Essa forma é a seguinte: o que deve contar para a interrupção da prescrição não é, neste caso, o momento da citação do executado, mas o momento em que, na expressão da lei, o exequente realiza o acto que exprime a intenção de exercer o seu direito (art. 323.º, n.º 1, CC). Neste contexto, o acto que exprime essa intenção é a formulação do pedido de dispensa da citação prévia do executado, pelo que é nesse momento que se deve considerar interrompida a prescrição. Importa acrescentar, todavia, que, para protecção do executado, esta interrupção fica condicionada à efectiva concessão da dispensa da citação prévia desta parte pelo juiz de execução.
Um outro modo de chegar à mesma conclusão seria entender que, no caso em análise, a interrupção da prescrição ocorre com a decisão do juiz de execução sobre o pedido de dispensa da citação prévia, mas que a interrupção retroage ao momento da formulação desse pedido. A preferência pela solução acima enunciada radica apenas no seu maior apoio no texto do art. 323.º, n.º 1, CC. O que é importante é concluir que o exequente não tem de escolher entre evitar a prescrição do crédito exequendo e requerer a dispensa da citação prévia do executado.
MTS
Sem negar que possa haver alguma proximidade entre a prova que é suficiente no procedimento cautelar e a prova que deve ser suficiente na dispensa da citação prévia do executado, o principal argumento a favor da suficiência de uma mera justificação é, no entanto, o seguinte: dado que, pela natureza das coisas, a decisão do juiz de execução é uma decisão tomada sem contraditório do executado (ou seja, é uma decisão ex parte), a prova oferecida pelo exequente nunca pode fornecer mais do que a plausibilidade ou a verosimilhança do receio da perda da garantia patrimonial. Para que o juiz pudesse formar uma convicção sobre esse receio (e não sobre a sua plausibilidade ou verosimilhança) seria necessário que pudesse ponderar os argumentos eventualmente aduzidos pelo executado.
c) A terceira nota respeita à relação entre a dispensa da citação prévia do executado e a prescrição do crédito exequendo. Numa primeira aproximação ao problema, poder-se-ia defender que, estando em risco a prescrição do crédito exequendo se o executado não for rapidamente citado (para se obter, através dessa citação, a interrupção da prescrição: cf. art. 323.º, n.º 1, CC), o exequente que, nessa situação, pede a dispensa da citação prévia do executado aceita o risco de prescrição do seu crédito. Esta conclusão não é, no entanto, a única que pode ser defendida.
O que está em causa é saber se o risco de prescrição deve ser entendido como retirando ao exequente a faculdade (estratégica) de requerer a dispensa da citação prévia do executado. Noutros termos, o que importa saber é se esta estratégia deve ser sacrificada pela necessidade de evitar o risco de prescrição do crédito exequendo.
Não parece que assim tenha de se entender. Há uma forma de compatibilizar o interesse do exequente em não ver o seu crédito prescrito com o interesse desse mesmo credor em obter a dispensa da citação prévia do executado. Essa forma é a seguinte: o que deve contar para a interrupção da prescrição não é, neste caso, o momento da citação do executado, mas o momento em que, na expressão da lei, o exequente realiza o acto que exprime a intenção de exercer o seu direito (art. 323.º, n.º 1, CC). Neste contexto, o acto que exprime essa intenção é a formulação do pedido de dispensa da citação prévia do executado, pelo que é nesse momento que se deve considerar interrompida a prescrição. Importa acrescentar, todavia, que, para protecção do executado, esta interrupção fica condicionada à efectiva concessão da dispensa da citação prévia desta parte pelo juiz de execução.
Um outro modo de chegar à mesma conclusão seria entender que, no caso em análise, a interrupção da prescrição ocorre com a decisão do juiz de execução sobre o pedido de dispensa da citação prévia, mas que a interrupção retroage ao momento da formulação desse pedido. A preferência pela solução acima enunciada radica apenas no seu maior apoio no texto do art. 323.º, n.º 1, CC. O que é importante é concluir que o exequente não tem de escolher entre evitar a prescrição do crédito exequendo e requerer a dispensa da citação prévia do executado.
MTS