"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/12/2015

Jurisprudência (251)


Execução; competência funcional; 
agente de execução; deserção da instância


1. O sumário de RE 19/11/2015 (84/13.1TBFAL.E1) é o seguinte:

Não havendo atribuição da competência para o efeito, quer ao juiz do processo, quer à secretaria, cabe ao agente de execução, nos termos do art.º 719º, n.º 1, do NCPC, decidir, em primeira linha,da deserção da instância do processo executivo.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 

"Nos termos do art.º 281º, n.º 5, do NCPC, “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

Não se nos afigurando que, no processo executivo, a deserção da instância opere automaticamente, uma vez que se mostra necessário apreciar da negligência das partes na falta de impulso processual (em sentido contrário Lebre de Freitas, NCPC Anotado, Vol. I, 3.ª edição, em nota ao art.º 281º), importa determinar a competência para decidir da deserção da instância. 

Pese embora a pouca clareza do texto do preceito quanto à competência para determinar a deserção da instância, entendemos que, sem prejuízo do disposto no art.º 723º, n.º 1, alíneas c) e d), do NCPC, e não havendo atribuição da competência para o efeito, quer ao juiz do processo, quer à secretaria, cabe ao Agente de Execução, nos termos do art.º 719º, n.º 1, do NCPC, decidir, em primeira linha, da deserção da instância do processo executivo (vide neste sentido Ac. do TRG de 15/05/2014, proferido no Proc. 5523/13.9TBBRG.G1 e o nosso Ac. proferido no Processo 1169.05.3TBBJA).

Assim sendo, e não se estando perante uma situação enquadrável nas alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 723º do NCPC, não tem o Sr. Juiz a quo competência para determinar a deserção da instância."

3. Como decorre da regra de competência residual estabelecida no art. 719.º, n.º 1, nCPC, o agente de execução tem competência para efectuar todas as diligências do processo executivo que não sejam da competência da secretaria (cf. art. 719.º, n.º 3 e 4, CPC), nem do juiz (cf. art. 723,º CPC). No âmbito desta competência residual cabe a decisão sobre a deserção da instância, dado que a lei não atribui a competência para a decisão sobre aquela deserção nem ao juiz, nem à secretaria. A decisão do agente de execução é naturalmente reclamável para o juiz de execução (art. 723.º, n.º 1, al. c), nCPC).

 A favor desta orientação pode argumentar-se com o próprio teor literal do art. 281.º, n.º 5, CPC. O preceito é claro em estabelecer que a instância executiva se considera deserta "indenpendentemente de qualquer decisão judicial", o que demonstra que não é necessária nenhuma decisão do juiz de execução para que a instância se extinga por deserção. Em todo o caso, algum órgão tem de declarar a instância extinta e de comunicar essa extinção às partes, aos credores reclamantes e ao tribunal (cf. art. 849.º, n.º 2 e 3, CPC), pois que a extinção não ocorre sem essa declaração e não é eficaz sem essa comunicação. Esse órgão só pode ser o agente de execução. 

O decidido pela RE tem ainda relevância (significativa) numa outra perspectiva. Ao entender que a competência para decidir sobre a deserção da instância pertence ao agente de execução, e não ao juiz de execução, e ao revogar a decisão do juiz a quo que tinha declarada a instância executiva deserta, a RE mostra que não há nenhuma relação hierárquica entre o juiz e o agente de execução, no sentido de se poder afirmar que o que o agente de execução pode fazer o juiz de execução também pode realizar. A reclamação para o juiz de execução dos actos e das decisões do agente de execução nada tem a ver com uma relação hierárquica entre estes órgãos da execução.

Como o acórdão da RE correctamente mostra, só este entendimento é admissível. Apesar de ser possível reclamar para o juiz de execução das decisões e dos actos do agente de execução (cf. art. 723.º, n.º 1, al. c), CPC), cada um destes órgãos da execução tem uma competência funcional própria. Se é evidente que  o agente de execução não pode invadir a esfera de competência do juiz de execução (se isso suceder em actos de carácter jurisdicional, a consequência não pode deixar de ser mesmo a inexistência do acto ou da decisão daquele agente), também é claro que o juiz de execução não pode praticar, sob pena de nulidade, actos que pertencem à competência do agente de execução .

MTS