"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/12/2015

Uma duplicação (naturalmente inútil) no CPC


1. O CPC contém duas disposições quase iguais:

-- O art. 751.º, n.º 7 (no âmbito da forma ordinária para pagamento de quantia certa), estabelece o seguinte: "O executado que se oponha à execução pode, no ato da oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução";

-- O art. 856.º, n.º 5 (no âmbito da forma sumária para pagamento de quantia certa), dispõe o seguinte: "O executado que se oponha à execução pode, na oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução".

Estando afastado, pelas razões que, para além de tudo o mais, abaixo serão explicitadas, que "na oposição" queira dizer algo de diferente de "no acto da oposição", esta duplicação de regimes não pode deixar de constituir uma anomalia legislativa. Como se sabe, à forma sumária da execução para pagamento de quantia certa são subsidiariamente aplicáveis as disposições do processo ordinário (art. 551.º, n.º 3), pelo que bastaria a regulamentação da matéria no processo ordinário para pagamento de quantia certa para que a mesma fosse aplicável ao respectivo processo sumário.

2. Para se perceber por que motivo a pequena diferença na redacção dos preceitos não pode ter nenhum significado há que ter presente o disposto no  art. 753.º, n.º 3. Na parte que agora interessa, este preceito impõe que seja comunicado ao executado que pode substituir a penhora por uma caução, mas só permite, através da remissão realizada para o art. 751.º, n.º 4, al. a), que essa substituição seja requerida no prazo da oposição à penhora. 

Relativamente à forma ordinária da execução para pagamento de quantia certa, isto significa que a substituição da penhora por caução não tem de ser requerida no "acto de oposição", isto é, na petição de embargos de executado. Nessa forma de processo, as diligências prévias à penhora só ocorrem, em regra, depois de decorrido o prazo de oposição, depois da apresentação de oposição sem efeito suspensivo ou ainda depois de a oposição ter sido julgada improcedente (cf. art. 748.º, n.º 1, al. b) a d)). Portanto, na oposição à execução ou não pode mesmo ser requerida a substituição por caução, porque a penhora ainda nem sequer se realizou, ou pode ser requerida essa substituição "na oposição" mas fora do "acto de oposição", porque a penhora foi entretanto realizada após a entrega da petição de embargos (algo que pode suceder com frequência sempre que a dedução da oposição não tenha efeito suspensivo da execução).

O regime é distinto na forma sumária da execução para pagamento de quantia certa, bem como na forma ordinária desta execução quando tenha sido dispensada a citação previa do executado (cf. art. 727.º), dado que, nestes regimes processuais, o prazo para oposição à penhora coincide com o prazo para a oposição à execução (art. 856.º, n.º 3, e 727.º, n.º 4). Portanto, nestes casos, atendendo a que a substituição tem de ser requerida no prazo de oposição à penhora (art. 753.º, n.º 3, e 751.º, n.º 4, al. a))a substituição da penhora por caução só pode ser requerida "no acto de oposição", ou seja, na petição inicial dos embargos de executado (que também pode servir como acto de oposição à penhora). 

Sendo assim, se se quisesse estabelecer alguma diferença entre "no acto de oposição" e "na oposição", então haveria que concluir que, considerando a forma do processo a que cada uma destas expressões se refere, as mesmas estariam trocadas: a primeira ("no acto de oposição") consta do regime da forma ordinária, mas é mais adequada para a execução sumária; a segunda ("na oposição") consta do regime da forma sumária, mas é mais apropriada para a execução ordinária. O melhor é mesmo concluir, sem demasiado apego ao sentido literal, que aquelas expressões devem ser interpretadas com o sentido que cada uma delas deve ter no enquadramento da respectiva forma de processo.

MTS