1. Suponha-se que, num processo executivo, é penhorado um depósito bancário no valor de € 726,17, que o executado possui numa determinada instituição financeira. A questão a resolver consiste em saber se o depósito bancário penhorado está sujeito a alguma regra de impenhorabilidade, quanto à totalidade ou a uma parte do seu valor.
Dispõe o art. 738.º, n.º 5, do nCPC que, na penhora de saldos bancários, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional; no entanto, quando a dívida exequenda respeite à obrigação de alimentos, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo (cf. art. 738.º, n.º 4, do nCPC, e art. 7.º da Portaria n.º 286-A/2014, de 31/12).
Por sua vez, estabelece o art. 739.º do nCPC que é impenhorável o depósito bancário resultante da satisfação de crédito impenhorável, nos mesmos termos em que o era o crédito originariamente existente.
Da harmonização entre estes preceitos legais resulta o regime jurídico a seguir enunciado, que depende, por um lado, da natureza do crédito penhorado e, por outro, da natureza da obrigação exequenda.
2. Se o valor do saldo bancário for inferior ou igual à retribuição mínima mensal (atualmente fixada em € 505,00), o valor desse saldo é totalmente impenhorável, a não ser que a dívida exequenda respeite a uma obrigação de alimentos, caso em que apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo (atualmente fixada em € 201,53). Na hipótese de o depósito bancário ser de valor superior àquela retribuição mínima, vale o regime aplicável para o crédito em que se traduz o valor pecuniário do saldo penhorado.
Ou seja, quando o valor do depósito bancário não for superior ao salário mínimo nacional, o saldo existente na conta bancária não pode ser penhorado, salvo por uma dívida de alimentos; quando aquele valor for superior, é necessário indagar qual a natureza das quantias depositadas: se estas quantias corresponderem a um crédito em relação ao qual vigora um regime restritivo de penhorabilidade, há que entender que é este o regime aplicável.
Constituem exemplos de créditos nestas condições os rendimentos periódicos e as prestações de qualquer natureza que asseguram a subsistência do executado (cf. art. 738.º, n.º 1, do nCPC) e o crédito de alimentos (cf. art. 2008.º, n.º 1, do CCiv).
Se não for claro no caso concreto que o saldo bancário penhorado tenha a natureza de algum destes créditos, não é de equacionar a aplicação da regra de impenhorabilidade de 2/3 prevista no n.º 1 do art. 738.º do nCPC, aplicável quando os valores penhorados são rendimentos periódicos e outras prestações destinadas a assegurar a subsistência do executado, e tão-pouco é aplicável o princípio de absoluta impenhorabilidade, aplicável quando o valor penhorado diga respeito ao cumprimento da obrigação de alimentos devidos ao executado.
3. Também pode ser equacionada uma outra questão: saber se o regime que resulta do n.º 5 do art. 738.º e do art. 739.º do nCPC é alterado pela circunstância de o executado possuir outro rendimento.
A resposta depende da opção que se tomar quanto à necessidade de acautelar, em qualquer circunstância ou apenas em determinadas condições, o limiar mínimo de subsistência que o legislador reconhece como correspondendo ao valor do salário mínimo nacional.
A nossa resposta não pode deixar de ser no sentido de que a defesa do mínimo de subsistência humana é valida para qualquer executado. Não obstante, o valor da dívida e a natureza dos rendimentos auferidos pelo executado podem condicionar a decisão do caso concreto, dependendo das especificidades provadas (nomeadamente as condições socioeconómicas e familiares do executado). O que significa que a circunstância de um executado auferir outro rendimento, para além do depósito bancário penhorado, apenas implica a aplicação automática do regime previsto no art. 738.º, nºs 1 e 3 do nCPC quando o valor do saldo bancário seja superior à retribuição mínima mensal, uma vez que é este o regime em vigor para a penhora dos rendimentos periódicos e outras prestações destinadas a assegurar a subsistência do executado (cf. art. 738.º, nº 3, do nCPC). Só não será assim quando o depósito bancário penhorado diga respeito à satisfação de um crédito de alimentos (cf. art. 2008.º do CCiv), hipótese em que o depósito é totalmente impenhorável (art. 2008.º, n.º 1, do CCiv).
4. Significa isto que, no mínimo, o agente de execução tem de respeitar a regra de impenhorabilidade prevista no n.º 5 do art. 738.º do nCPC, ou seja, não pode penhorar o valor correspondente ao salário mínimo nacional. Mas, no caso concreto, é possível que esse agente possa penhorar mais do que essa quantia ou menos do que esse montante.
J. H. Delgado de Carvalho