"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/10/2018

Jurisprudência 2018 (84)


Herança vaga em beneficio do estado;
processo especial; fases


1. O sumário de RP 7/5/2018 (362/11.4TJPRT-A.P1) é o seguinte:

I - O processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, previsto no anterior Código de Processo Civil nos artigos 1132º a 1134º e atualmente nos artigos 938º a 940º do vigente Código de Processo Civil, tem duas fases distintas: uma fase declarativa cujo fim precípuo é o da declaração da herança vaga a favor do Estado (artigo 939º, nº 1, do Código de Processo Civil) e uma fase executiva, subsequente à fase declarativa, em que se procede à liquidação da herança (artigo 939º, nº 2, do Código de Processo Civil).

II - O requerimento do Ministério Público em representação do Estado Português em que se pretende que se processe a liquidação da herança já declarada vaga para o Estado Português, entrando o processo na fase executiva depois de ter sido julgada vaga a herança em benefício do Estado não constitui o começo de uma causa, antes constitui o prosseguimento do processo especial de liquidação de herança vaga em benefício do Estado, para a sua fase executiva e por isso não está sujeito a distribuição, correndo nos próprios autos em que foi declarada vaga a herança a favor do Estado.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"4. Fundamentos de direito
 
Deve ser autuado por apenso e remetido à distribuição requerimento para liquidação de herança declarada vaga para o Estado Português, quando, nos autos de que estes foram extraídos, foi já proferida em sede reconvencional decisão a declarar vaga para o Estado Português a herança cuja liquidação ora se peticiona?
 
O recorrente pugna pela revogação das decisões recorridas afirmando que as mesmas violam o caso julgado já formado nos autos, pois que o requerimento cuja autuação foi determinada por apenso e que se pretende seja objeto de distribuição, a pretexto de constituir o início de uma nova causa, corresponde apenas à fase executiva do processo especial de liquidação de herança em benefício do Estado.
 
Cumpre apreciar e decidir.
 
O processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, previsto no anterior Código de Processo Civil nos artigos 1132º a 1134º e atualmente nos artigos 938º a 940º do vigente Código de Processo Civil, tem duas fases distintas: uma fase declarativa cujo fim precípuo é o da declaração da herança vaga a favor do Estado (artigo 939º, nº 1, do Código de Processo Civil) e uma fase executiva, subsequente à fase declarativa, em que se procede à liquidação da herança (artigo 939º, nº 2, do Código de Processo Civil) [ Além destas duas fases, também tem na fase declarativa um “enxerto” cautelar, nos termos previstos no nº 1, do artigo 938º do Código de Processo Civil. Na jurisprudência, referem-se a estas duas fases o acórdão da Relação de Coimbra de 23 de abril de 2013, relatado pelo então Juiz Desembargador Artur Dias, no processo nº 1060/09.4TBFIG-A.C1 e o acórdão da Relação do Porto de 12 de outubro de 2017, relatado pelo Juiz Desembargador Carlos Portela, no processo nº 1117/15.2T8VNG.P1, decisões acessíveis na base de dados da DGS].

A fase executiva segue-se à fase declarativa, nos mesmos autos, apenas sendo necessário instaurar outras ações para cobrança de dívidas ativas da herança declarada vaga (artigo 939º, nº 3, do Código de Processo Civil).

A circunstância da liquidação da herança poder implicar a venda de bens (veja-se que os fundos públicos e os bens imóveis apenas são vendidos quando o produto dos outros bens não chegue para o pagamento das dívidas), não implica a necessidade de instauração de ação executiva para o efeito, devendo ter-se em atenção que por força do disposto no nº 2, do artigo 549º do Código de Processo Civil, essa diligência se processa neste processo especial pelas formas estabelecidas para o processo de execução, sendo os credores da herança citados nos termos previstos no nº 1, do artigo 940º, do Código de Processo Civil, incumbindo ao oficial de justiça a prática dos atos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução.

Nos termos do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 206º do Código de Processo Civil, estão sujeitos a distribuição na primeira instância os atos processuais que importem começo de causa, salvo se esta depender de outra já distribuída.

O requerimento oferecido pelo Ministério Público em 07 de fevereiro de 2008 é um ato processual que importa o começo de uma causa?

É ostensivo que não tem essa natureza, visando apenas o prosseguimento da pretensão reconvencional admitida nos autos e julgada procedente, pretendendo que se processe a liquidação da herança já declarada vaga para o Estado Português, entrando o processo na fase executiva depois de ter sido julgada procedente a pretensão reconvencional na fase declarativa.

Neste contexto processual, trata-se da continuação do processo especial de liquidação de herança vaga a favor do Estado, cuja cumulação com o processo experimental foi admitida ao ser admitida a reconvenção deduzida pelo Estado.

Neste momento, há que respeitar o caso julgado formado e dar seguimento, nos próprios autos, ao requerimento do Estado Português no sentido de se proceder à liquidação dos bens da herança declarada vaga a favor do Estado.

Por isso, ao contrário do que se decidiu no despacho proferido em 19 de fevereiro de 2018, a instância não está finda, já que ainda não se atingiu o desiderato último do processo especial de liquidação de herança vaga a favor do Estado, devendo a liquidação requerida pelo Ministério Público prosseguir nos próprios autos, tal como previsto no nº 2, do artigo 939º, do Código de Processo Civil.

Assim, devem ser revogados os despachos proferidos em 19 e 22 de fevereiro de 2018, devendo o expediente que foi mandado autuar por apenso ser incorporado no processo a que pertence (processo nº 362/11.4TJPRT), ficando sem efeito a ordem de distribuição indevidamente determinada, porque não está em causa um papel que dê início a uma causa.

Sem custas, atenta a isenção do recorrente e a inexistência de oposição (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil e 4º, nº 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais) [Sobre a problemática das custas no processo especial de liquidação de herança vaga em benefício do Estado veja-se o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 29 de março de 2007, com o nº convencional PGRP00002864, relatado pelo Sr. Procurador-Geral-Adjunto Fernando Bento, acessível na base de dados da DGSI].
 
[MTS, MPILU, 29.9.2018]