Arresto; justo receio;
substanciação
1. O sumário de RL 22/3/2018 (662/18.2T8ALM-2) é o seguinte:
I.– Tendo o requerente alegado que: os requeridos lhe devem perto de 78.000€, tendo deixado de pagar rendas desde Junho de 2010; o contrato de arrendamento do locado onde está o negócio dos requeridos foi resolvido (mas a dívida irá continuar a aumentar enquanto permanecerem no local, a título de indemnização); o locado está instalado num centro comercial com cada vez menos clientes e por isso com cada vez menos volume de negócios, o que implica menos rendimentos para os requeridos; apenas lhes conhece um imóvel, que se sabe, face ao registo predial, estar onerado com 3 hipotecas para garantia de empréstimos de valor total muito superior ao do imóvel, e o recheio desse imóvel e do locado, tudo bens facilmente alienáveis (embora provavelmente com um valor reduzido face à oneração com as hipotecas), sendo o produto da venda facilmente ocultável; está justificado o receio de perda da garantia patrimonial do crédito do requerente representado pelos bens indicados, o que basta, se provado sumariamente, para permitir o arresto dos mesmos.
II.– A entender-se que deste requerimento de arresto não constavam factos concretos para justificar o receio, o mesmo devia ser alvo de despacho de aperfeiçoamento e não de indeferimento liminar.
I.– Tendo o requerente alegado que: os requeridos lhe devem perto de 78.000€, tendo deixado de pagar rendas desde Junho de 2010; o contrato de arrendamento do locado onde está o negócio dos requeridos foi resolvido (mas a dívida irá continuar a aumentar enquanto permanecerem no local, a título de indemnização); o locado está instalado num centro comercial com cada vez menos clientes e por isso com cada vez menos volume de negócios, o que implica menos rendimentos para os requeridos; apenas lhes conhece um imóvel, que se sabe, face ao registo predial, estar onerado com 3 hipotecas para garantia de empréstimos de valor total muito superior ao do imóvel, e o recheio desse imóvel e do locado, tudo bens facilmente alienáveis (embora provavelmente com um valor reduzido face à oneração com as hipotecas), sendo o produto da venda facilmente ocultável; está justificado o receio de perda da garantia patrimonial do crédito do requerente representado pelos bens indicados, o que basta, se provado sumariamente, para permitir o arresto dos mesmos.
II.– A entender-se que deste requerimento de arresto não constavam factos concretos para justificar o receio, o mesmo devia ser alvo de despacho de aperfeiçoamento e não de indeferimento liminar.
2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte:
"Dispõe o artigo 391/1 do CPC, com a epígrafe ‘Fundamentos’ que: “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.” Ou seja, como o art. 392/1 do CPC esclarece: “O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado […]”.
Seja como for, e como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º. 3ª edição, Almedina, Julho de 2017, pág. 144. “afastada a enunciação legal dos respectivos fundamentos, qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio, é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora: pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas) ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); mas pode igualmente tratar-se do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentado fazê-lo […]) ou os transfira para o estrangeiro […], ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito […].”
Vejam-se também os vários casos jurisprudenciais referidos por Marco Gonçalves, para além da referência que faz ao “risco concreto de insolvência do devedor” (Providências cautelares, 2015, Almedina, pag. 233 a 235, especialmente parte final do texto da pág. 234):
– Ac. do STJ de 11/12/1973, 064881, também publicado no BMJ 232/110: A acentuada desproporção entre o crédito exigido pelo arrestante e o valor do património conhecido ao arrestado, bastante inferior aqueloutro, juntamente com a circunstância de o património do devedor ser facilmente ocultável, constitui suficiente receio de perda da garantia patrimonial […].
– Ac. do STJ de 13/02/1996, proc. 088265: Se o requerido não tem capitais, nem bens próprios que permitam superar ou controlar as dificuldades económicas porque está a passar, e se, além disso, abandonou a actividade agrícola, sua única fonte de rendimento, justifica-se, assim, que o requerente tenha sério receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito. Perante um devedor que se encontra na situação do requerido, qualquer credor medianamente cauteloso e prudente teria sério receio de não receber os créditos que sobre ele tivesse.
– Ac. do TRL de, 15/11/2011, proc. 1707/10.0TVLSB-B.L1-7: Tendo a requerida vários credores, um volume de negócios cada vez mais reduzido e não lhe sendo conhecidos outros bens para além da conta bancária, fica suficientemente indiciado o perigo de perda da garantia patrimonial.
– Ac. do TRE de 27/11/2013, proc. 2180/09.0TBEVR.E1: o montante elevado do crédito, a falta de liquidez dos requeridos, a oneração parcial do património destes, com hipotecas para garantia de valores também elevados, a inactividade de um deles e o não pagamento, por parte deste, de uma dívida de montante muito inferior ao crédito constituem, uma vez provados, causa idónea para provocar justificado receio de perda da garantia patrimonial.
Note-se que em todos estes casos, não está em causa nenhum comportamento concreto do devedor, referido em factos que tivessem sido alegados pelo requerente, mas sim a situação do mesmo, que serve, sem mais, para a procedência do arresto.
Ora, no caso, o requerente alega que: os seus locatários lhe devem perto de 78.000€, tendo deixado de pagar rendas desde Junho de 2010; o contrato de arrendamento do locado onde está o negócio dos requeridos foi resolvido (mas a dívida irá continuar a aumentar enquanto permanecerem no local, a título de indemnização); o locado está instalado num centro comercial com cada vez menos clientes e por isso com cada vez menos volume de negócios, o que implica menos rendimentos para os requeridos; apenas lhes conhece um imóvel, que se sabe, face ao registo predial, estar onerado com 3 hipotecas para garantia de empréstimos de valor total muito superior ao do imóvel, e o recheio desse imóvel e do locado, tudo bens facilmente alienáveis (embora provavelmente com um valor reduzido face à oneração com as hipotecas), sendo o produto da venda facilmente ocultável. Tudo isto justificaria naturalmente o receio de qualquer outro credor, colocado na mesma posição do requerente, de perder a garantia patrimonial do seu crédito representado pelos bens indicados, o que basta, se tal se provar sumariamente, para permitir o arresto dos mesmos.
É certo, entretanto, que o requerente também alegou que os requeridos poderão “atento o montante da dívida e a probabilidade séria do seu reconhecimento judicial, alienar os seus bens, prejudicando assim a satisfação do crédito” e que esta alegação, como diz o despacho recorrido, está completamente desapoiada de quaisquer factos concretos.
3. O acórdão contém o seguinte voto de vencido:
"Vencido, por concordar com os fundamentos expressos na decisão recorrida para indeferir liminarmente o requerimento inicial, na medida em que, quanto ao receio de perda de garantia patrimonial do crédito em questão, não vem aí alegado qualquer facto, nem tal resulta ainda que indirectamente dos factos alegados, a partir de onde se possa concluir que existe o receio em questão.
Assim sendo, não estando alegados factos bastantes de onde resulte o receio da lesão do direito de crédito do requerente, e não competindo ao tribunal trazer para o processo tais factos não alegados (a não alegação é situação processual distinta da alegação deficiente ou imprecisa, única que justifica o aperfeiçoamento), tal como o procedimento cautelar se apresenta, nunca poderá o requerente obter qualquer garantia patrimonial do seu crédito, desde logo porque não se verifica qualquer receio de perda de garantia patrimonial do crédito invocado. O que equivale a afirmar que não se mostram reunidos os pressupostos de que depende a concessão da providência requerida, motivo pelo qual se há-de considerar a mesma manifestamente improcedente."
Com efeito, para que se possa considerar a existência de receio da perda da garantia patrimonial, correspondente ao perigo de verificação de prejuízo grave para o património do requerente do procedimento cautelar de arresto, caso se aguarde por decisão a proferir na acção definitiva, torna-se necessário que sejam alegados factos de onde possa resultar qualquer atitude do requerido no sentido de dissipar ou ocultar o património respectivo, para que não possa responder pelas suas dívidas.
Mas a factualidade alegada no requerimento inicial não aponta nesse sentido. É que, da simples afirmação da existência de património dos requeridos que se afigura ser insuficiente para a satisfação do crédito do requerente, a par da ausência de actividade negocial no imóvel arrendado, não se pode afirmar a existência de um circunstancialismo relacionado com a existência de actos voluntários de dissipação ou ocultação do património dos requeridos, desde logo porque não vem alegada qualquer conduta dos mesmos que conduza a afirmar que, em relação ao património indicado, fizeram ou estão em vias de fazer o mesmo desaparecer, para assim ficarem impossibilitados de responder perante o requerente pela obrigação pecuniária no valor de € 77.817,13 (já incluindo juros).
E a singela circunstância de vir afirmado que, no lapso de tempo que durará uma acção de despejo, os requeridos poderão alienar o património imobiliário que lhes é conhecido, não permitirá nunca concluir que tal corresponde a uma actuação tendente à dissipação ou ocultação do seu património, com o fim de impedir a satisfação do crédito do requerente, já que daí apenas decorre uma conjectura e não a alegação de factos susceptíveis de preencher o conceito de actuação dissipadora ou ocultadora de património.
Ou seja, a alegação do requerente não permite, por si só, chegar à conclusão de que se está perante actos de dissipação ou ocultação do património dos requeridos, com o intuito de frustrar a satisfação do crédito do requerente, desde logo porque não alega o mesmo os factos concretos que permitam chegar a essa conclusão, nem qualquer outro facto que corresponda a uma actuação concreta dos requeridos tendente à dissipação ou ocultação de património, mas apenas a própria conclusão conjecturada.
E estando-se em sede de procedimento cautelar, a manifesta improcedência da pretensão da requerente conduz ao indeferimento liminar do requerimento inicial, de acordo com o disposto nos art.º 226º, n.º 4, al. b), e 590º, nº 1, ambos do Novo Código de Processo Civil, não havendo lugar à aplicação do disposto no nº 4 deste último preceito legal, por não se estar perante qualquer insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização de matéria de facto (não) alegada."
4. [Comentário] Não cabe, como é evidente, tomar posição quanto à orientação divergente entre a maioria que fez vencimento no acórdão e o Desembargador que ficou vencido. Importa apenas chamar a atenção para que se tratava apenas de saber se, antes do exercício do contraditório pelo arrestado, se considera que, em face das alegações do requerente, há motivos para decretar o arresto. Portanto, não se está perante uma decisão definitiva, mas antes perante uma decisão provisória que pode vir a ser revogada depois do exercício do contraditório pelo arrestado.
Certo é que, não resultando o justo receio de perda da garantia patrimonial dos factos alegados pelo requerente, não se pode dizer, sem mais, que se justifica o convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, pois que não se trata da omissão de um facto complementar ou concretizador, mas antes da falta de um facto constitutivo. O referido convite só é pensável na hipótese de haver alguma inconcludência nos factos constitutivos alegados.
MTS