1. Num recente acórdão (RE 25/1/2018 (349/17.3T8ORM-A.E1)), afirma-se que, "se alguma das partes depois da apresentação da reconvenção interpuser qualquer recurso, o valor da ação para efeitos do regime de recurso, passa a ser também o equivalente à soma a que alude o artº 299º n.º 2 do CPC". O afirmado apoia-se na autoridade de Alberto dos Reis, que, a propósito da dedução pelo réu de um pedido cujo valor se soma ao do pedido do autor, escreveu o seguinte: "Se alguma das partes quiser, depois da contestação, interpor qualquer recurso, o valor da acção, para efeito do regime do recurso, passa a ser também o equivalente à soma ordenada no artigo 313.º" (correspondente, em parte, ao actual art. 299.º, n.º 2 e 3, CPC) (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil III (1946), 655). Pese a indiscutível autoridade de Alberto dos Reis, é muito duvidoso que assim deva ser.
No entanto, antes de procurar demonstrar as razões da discordância com esta orientação, importa enfrentar um problema suscitado pelo direito positivo. O art. 299.º, n.º 2, CPC determina que a cumulação dos valores dos pedidos só se verifica quando os pedidos sejam distintos "nos termos do disposto no n.º 3 do art. 530.º". Este preceito determina, na parte que agora releva, que "não se considera distinto o pedido [...] quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos". A questão que se coloca é a seguinte: o que significa este preceito?
A interpretação mais razoável é a que distingue duas situações:
-- O valor do contracrédito alegado pelo réu é igual ou inferior ao valor do crédito invocado pelo autor; nesta hipótese, o réu só pode pretender obter a "mera compensação de créditos", pelo que o valor do contracrédito não se soma ao valor do crédito;
-- O valor do contracrédito invocado pelo réu é superior ao valor do crédito alegado pelo autor; neste caso, o réu pretende obter quer a compensação de créditos, quer a condenação do autor a pagar o excesso do valor do contracrédito, pelo que não se pode dizer que o réu quer obter apenas a "mera compensação de créditos"; isto implica que ao valor do crédito do autor se deve somar o excesso do contracrédito do réu sobre esse crédito do autor; por exemplo: o autor alega um crédito no valor de € 25.000 e o réu um contracrédito no valor de € 35.000; o valor da causa resulta da soma de € 25.000 com € 10.000, ou seja, esse valor corresponde ao valor do maior dos créditos alegados pelas partes (€ 35.000).
2. Adquirida a medida em que se verifica a cumulação do crédito do autor com o contracrédito do réu, importa agora analisar as consequências para a interposição de um recurso ordinário pelo autor ou pelo réu.
Suponha-se que o réu invoca, para compensação com o crédito do autor no valor de € 20.000, um contracrédito no valor € 40.000. Admita-se que o tribunal não reconhece o crédito do autor (no valor de € 20.000). Pergunta-se: é pela razão de a acção ter um valor de € 40.000 que deve ser admissível o recurso para o STJ, com o fundamento de que o valor da causa excede a alçada da Relação?
Supõe-se que se impõe uma resposta negativa. Não é certamente pela circunstância de o valor da causa ser o do crédito de valor mais elevado que se passa a admitir a interposição do recurso para o STJ quanto àquele cujo valor não excede a alçada da Relação.
Admita-se ainda, no exemplo referido, que o tribunal considerou improcedente o pedido do autor (no valor de € 20.000) e procedente o pedido reconvencional do réu (no valor de € 40.000) e o autor pretende recorrer de ambas as decisões. Também nesta situação se mantém a solução acima defendida, dado que o autor não procura impugnar uma decisão com um valor unitário de € 40.000, mas uma decisão que apreciou dois pedidos autónomos, um com um valor são € 20.000 e outro com um valor de € 40.000.
3. Num plano mais geral, importa concluir que, havendo uma cumulação de pedidos (seja por iniciativa do autor, seja por iniciativa do autor e do réu), a regra é a da autonomia de cada um deles para efeitos da interposição de recurso ordinário, não havendo nenhuma transferência do valor de um dos pedidos para o outro pedido para determinar a admissibilidade desse recurso.
A regra é, pois, a seguinte: só há cumulação de pedidos entre pedidos distintos e autónomos entre si; por isso, cada pedido cumulado vale per se para efeitos da aferição da admissibilidade da interposição de recurso ordinário da decisão que aprecia cada um deles.
MTS
No entanto, antes de procurar demonstrar as razões da discordância com esta orientação, importa enfrentar um problema suscitado pelo direito positivo. O art. 299.º, n.º 2, CPC determina que a cumulação dos valores dos pedidos só se verifica quando os pedidos sejam distintos "nos termos do disposto no n.º 3 do art. 530.º". Este preceito determina, na parte que agora releva, que "não se considera distinto o pedido [...] quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos". A questão que se coloca é a seguinte: o que significa este preceito?
A interpretação mais razoável é a que distingue duas situações:
-- O valor do contracrédito alegado pelo réu é igual ou inferior ao valor do crédito invocado pelo autor; nesta hipótese, o réu só pode pretender obter a "mera compensação de créditos", pelo que o valor do contracrédito não se soma ao valor do crédito;
-- O valor do contracrédito invocado pelo réu é superior ao valor do crédito alegado pelo autor; neste caso, o réu pretende obter quer a compensação de créditos, quer a condenação do autor a pagar o excesso do valor do contracrédito, pelo que não se pode dizer que o réu quer obter apenas a "mera compensação de créditos"; isto implica que ao valor do crédito do autor se deve somar o excesso do contracrédito do réu sobre esse crédito do autor; por exemplo: o autor alega um crédito no valor de € 25.000 e o réu um contracrédito no valor de € 35.000; o valor da causa resulta da soma de € 25.000 com € 10.000, ou seja, esse valor corresponde ao valor do maior dos créditos alegados pelas partes (€ 35.000).
2. Adquirida a medida em que se verifica a cumulação do crédito do autor com o contracrédito do réu, importa agora analisar as consequências para a interposição de um recurso ordinário pelo autor ou pelo réu.
Suponha-se que o réu invoca, para compensação com o crédito do autor no valor de € 20.000, um contracrédito no valor € 40.000. Admita-se que o tribunal não reconhece o crédito do autor (no valor de € 20.000). Pergunta-se: é pela razão de a acção ter um valor de € 40.000 que deve ser admissível o recurso para o STJ, com o fundamento de que o valor da causa excede a alçada da Relação?
Supõe-se que se impõe uma resposta negativa. Não é certamente pela circunstância de o valor da causa ser o do crédito de valor mais elevado que se passa a admitir a interposição do recurso para o STJ quanto àquele cujo valor não excede a alçada da Relação.
Admita-se ainda, no exemplo referido, que o tribunal considerou improcedente o pedido do autor (no valor de € 20.000) e procedente o pedido reconvencional do réu (no valor de € 40.000) e o autor pretende recorrer de ambas as decisões. Também nesta situação se mantém a solução acima defendida, dado que o autor não procura impugnar uma decisão com um valor unitário de € 40.000, mas uma decisão que apreciou dois pedidos autónomos, um com um valor são € 20.000 e outro com um valor de € 40.000.
Aliás, seria estranho que, não havendo nenhum ónus de deduzir o pedido reconvencional, um contracrédito de valor superior à alçada a Relação tornasse admissível a interposição de recurso de uma decisão respeitante a um crédito que não excede essa alçada.
Como é evidente o referido também vale para o réu. Suponha-se que o tribunal condenou o réu quanto ao pedido formulado pelo autor (no valor de € 20.000) e não reconheceu o contracrédito alegado por esse demandado (no valor de € 40.000). Esta parte não pode pretender interpor recurso para o STJ da decisão de procedência quanto ao crédito do autor com o argumento de que o valor do contracrédito e, portanto, o valor da causa excede a alçada da Relação.
Como é claro, o que se disse acima vale, mutatis mutandis, para a interposição de um recurso de apelação, havendo apenas, naturalmente, que considerar a alçada do tribunal de 1.ª instância.
3. Num plano mais geral, importa concluir que, havendo uma cumulação de pedidos (seja por iniciativa do autor, seja por iniciativa do autor e do réu), a regra é a da autonomia de cada um deles para efeitos da interposição de recurso ordinário, não havendo nenhuma transferência do valor de um dos pedidos para o outro pedido para determinar a admissibilidade desse recurso.
A regra é, pois, a seguinte: só há cumulação de pedidos entre pedidos distintos e autónomos entre si; por isso, cada pedido cumulado vale per se para efeitos da aferição da admissibilidade da interposição de recurso ordinário da decisão que aprecia cada um deles.
MTS