Reg. 2201/2003 – Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação – Âmbito de aplicação – Litispendência
1. TJ 4/10/20118 (C‑478/17, IQ/JP) decidiu o seguinte:
O artigo 15.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação, como a que está em causa no processo principal, em que os dois tribunais em questão são competentes quanto ao mérito por força dos artigos 12.° ou 8.° deste regulamento, respetivamente.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"27 A título preliminar, importa salientar que a situação em causa no processo principal se caracteriza pelo facto de ambos os tribunais, o romeno e o do Reino Unido, serem competentes nos termos do Regulamento n.° 2201/2003.
28 Com efeito, decorre do processo submetido ao Tribunal de Justiça que os tribunais romenos verificaram a sua competência e se declararam competentes ao abrigo do artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, lido em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento, enquanto a competência em matéria de responsabilidade parental do tribunal do Reino Unido, onde o processo foi instaurado em segundo lugar, resulta do artigo 8.° do Regulamento n.° 2201/2003, dado que os três menores têm residência habitual no Reino Unido, onde residem com a mãe desde 2012.
29 Consequentemente, como salientou o advogado‑geral no n.° 47 das suas conclusões, para responder às questões submetidas, há que examinar se o artigo 15.° do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma situação em que os tribunais dos dois Estados‑Membros em causa são competentes para apreciar o mérito da causa ao abrigo dos artigos 8.° e 12.° deste regulamento.
30 A este respeito, há que recordar que o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 prevê que os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito de um processo podem transferir o processo, ou uma parte específica do mesmo, para um tribunal de outro Estado‑Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se este último tribunal se encontrar mais bem colocado para conhecer desse processo ou dessa parte do mesmo, e se tal servir o superior interesse da criança.
31 Este artigo 15.°, que figura na secção 2 do capítulo II do Regulamento n.° 2201/2003 que estabelece um conjunto de regras de competência nos processos de responsabilidade parental, prevê uma regra de competência específica e derrogatória da regra de competência geral que designa os tribunais do lugar de residência habitual da criança como tribunais competentes para conhecer do mérito do processo, enunciada no artigo 8.° do referido regulamento (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.° 29).
32 Assim, o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 permite a transferência de determinado processo para um tribunal de um Estado‑Membro diferente do do tribunal normalmente competente, entendendo‑se, como resulta do considerando 13 deste regulamento, que essa transferência deve obedecer a condições específicas, por um lado, e que só pode ocorrer a título excecional, por outro (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.° 47).
33 Daqui decorre que o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 permite que o tribunal normalmente competente para decidir em matéria de responsabilidade parental, quer seja por força da regra geral prevista no artigo 8.°, n.° 1, deste regulamento, quer seja por extensão da competência com base no artigo 12.° do referido regulamento, transfira a sua competência, sobre toda ou sobre uma parte específica do processo que lhe foi submetido, para um tribunal normalmente incompetente na matéria, mas que, na situação concreta, deve ser considerado «mais bem colocado» para apreciar esse processo.
34 Para determinar o tribunal mais bem colocado para conhecer de um determinado processo, há que, nomeadamente, designar o tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança em causa tenha uma «ligação particular» (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.° 50).
35 De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para estabelecer a existência dessa ligação num determinado processo, há que recorrer aos elementos taxativamente enumerados no artigo 15.°, n.° 3, alíneas a) a e), do Regulamento n.° 2201/2003. Daqui resulta que estão desde logo excluídos do mecanismo de transferência os processos nos quais esses elementos não estão presentes (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.° 51).
36 Ora, há que observar que a situação em causa no processo principal, em que os menores residiram e ainda residem de forma habitual no Reino Unido, Estado‑Membro com o qual importa estabelecer a existência de uma ligação particular, não se equipara a nenhum dos elementos enumerados nessa disposição.
37 Em especial, o elemento enunciado no artigo 15.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003, segundo o qual «a criança [tenha] tido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro», refere‑se necessariamente a uma situação em que o menor residiu, mas já não reside, habitualmente no Estado‑Membro com o qual importa estabelecer a existência de uma ligação particular.
38 Além disso, todos os elementos enumerados no artigo 15.°, n.° 3, deste regulamento atestam – se não expressamente, pelo menos em substância – uma proximidade entre o menor em causa no processo e um Estado‑Membro diferente do do tribunal competente para dele conhecer com base no artigo 8.°, n.° 1, ou no artigo 12.° deste regulamento (v., por analogia, Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.° 52).
39 Daqui resulta que o tribunal de outro Estado‑Membro com o qual o menor em causa tem uma ligação particular que se encontra mais bem colocado para conhecer do processo, referido no artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, não pode ser o tribunal normalmente competente para conhecer do mérito da causa com base nos artigos 8.° ou 12.° deste regulamento.
40 Resulta das considerações anteriores que o artigo 15.° do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação em que os tribunais dos dois Estados‑Membros são competentes quanto ao mérito por força dos artigos 8.° ou 12.° do referido regulamento.
41 Uma interpretação contrária seria, desde logo, desconforme com a vontade do legislador da União, recordada no n.° 32 do presente acórdão, claramente expressa no considerando 13 do Regulamento n.° 2201/2003 e na própria letra do artigo 15.° deste regulamento, de conferir ao mecanismo de transferência previsto nesta disposição caráter excecional.
42 Em seguida, cabe recordar que, nos seus capítulos II e III, o Regulamento n.° 2201/2003 estabelece, designadamente, as regras que regulam a competência, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, sendo que essas regras se destinam a garantir a segurança jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2016, Mikołajczyk, C‑294/15, EU:C:2016:772, n.° 33 e jurisprudência referida).
43 Ora, interpretar o artigo 15.° do Regulamento n.° 2201/2003 no sentido de que autoriza a transferência de um processo quando as condições de aplicação desta disposição não estão reunidas violaria as regras de repartição de competências estabelecidas no referido regulamento e, por conseguinte, o objetivo de segurança jurídica prosseguido pelo legislador da União.
44 Por último, tal interpretação levaria, numa situação como a que está em causa no processo principal, a esvaziar de sentido o artigo 19.°, n.° 2, do referido regulamento, que visa resolver, em matéria de responsabilidade parental, situações em que os tribunais situados em diferentes Estados‑Membros são competentes.
45 Com efeito, esta disposição prevê que, quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação a uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
46 No caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que as condições de aplicação da referida disposição estão reunidas. Consequentemente, cabe à High Court of Justice (England & Wales), Family Division (family court), Birmingham [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção de Família (Tribunal de Família), Birmingham], onde o processo foi instaurado em segundo lugar, suspender oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do órgão jurisdicional de reenvio, onde o processo foi instaurado em primeiro lugar.
47 A este respeito, como referido no n.° 28 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio verificou a sua competência e declarou‑se competente com base no artigo 12.° do Regulamento n.° 2201/2003. Não obstante, incumbe ainda a esse órgão jurisdicional verificar se a sua competência não cessou em aplicação do n.° 2 deste artigo.
48 Uma vez que, como salientado no n.° 40 do presente acórdão, o artigo 15.° do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal, não há que responder às questões relativas à interpretação das condições de aplicação do referido artigo.
49 Atendendo às considerações expostas, há que considerar que o artigo 15.° do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação, como a que está em causa no processo principal, em que os dois tribunais em questão são competentes quanto ao mérito por força dos artigos 12.° e 8.° deste regulamento, respetivamente.