Meio de prova; apelação autónoma;
revogação da decisão; efeitos
I. O sumário de RG 17/5/2018 (710/15.8T8VRL.G2) é o seguinte:
1 - A ratio da admissibilidade da apelação autónoma e imediata das decisões sobre os meios de prova, para lá do obviar a atrasos processuais, está na conveniência de evitar a prática de atos inúteis, atenuando-se os riscos de futura inutilização do processado;
2 - Sendo revogada a decisão que rejeitou um meio de prova, tem de se produzir o meio de prova prejudicado pela rejeição e as diligências e os trâmites processuais não podem deixar de ficar sujeitos às vicissitudes do decidido;
3 - Assim, a procedência do recurso de apelação do despacho que rejeita um meio de prova implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência, entre eles a sentença final proferida (nº 2, do artigo 195º, Código de Processo Civil, aplicável por analogia), ficando, consequentemente, prejudicado o recurso da sentença, anulada.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"[...] as questões a decidir são as seguintes:
- Se cabia ao Tribunal a quo cumprir o decidido pelo Tribunal ad quem no âmbito da apelação em separado (recurso esse interposto da decisão que rejeitou a produção do meio de prova), produzindo a prova - inspeção judicial - admitida pelo Tribunal superior;
- Se cabia ao Tribunal a quo cumprir o decidido pelo Tribunal ad quem no âmbito da apelação em separado (recurso esse interposto da decisão que rejeitou a produção do meio de prova), produzindo a prova - inspeção judicial - admitida pelo Tribunal superior;
- Em caso afirmativo, consequências do incumprimento. [...]
- Da obrigatoriedade de cumprimento da decisão do Tribunal Superior e consequências do incumprimento
Conclui o Autor que os despachos recorridos violam as normas contidas nos arts 6º, 152º, nº 1, 607º, nº 1, 613º, 652º, nº 1, als. b) e d), todos do actual Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, pois o incumprimento do decidido pelo Tribunal ad quem no âmbito da apelação em separado, interposta da decisão que rejeitou o meio de prova, implica a invalidação de todo o processado posterior ao despacho de rejeição, considerando-se prejudicada a sentença final, e que a apelação interposta do despacho interlocutório de não admissão de meio de prova, ao ser julgada procedente, revela-se prejudicial conhecimento do objeto do recurso desta, a qual teve por base uma decisão de facto sem que fosse realizada a diligência de prova que a Relação considerou necessária.
Vejamos se assim acontece.
Verifica-se que do despacho que rejeita um meio de prova cabe recurso de apelação autónoma, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo – cfr. al. d), do nº2, do art. 644º, nº2, do art. 645º e nº1, do art. 647º.
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 28/4/2015, processo 465/14:dgsi.net, a al. d) do nº2 do art. 644º, abrange tanto a admissão como a rejeição de meios de prova, ou seja, a pronúncia relativa a requerimentos de prova, não consentindo distinções entre meios de prova novos ou velhos, diferentes ou iguais aos apresentados pela parte contrária, já produzidos ou a produzir. As razões que justificam a admissibilidade da apelação autónoma e imediata das decisões sobre os meios de prova prendem-se, para além da, desejável, celeridade processual, com a conveniência de atenuar os riscos de uma futura inutilização do processado [...] [...].
Também no Acórdão da Relação de Lisboa de 17/5/2017, Processo 28048/15.3T8LSB.L1-4 se decidiu que a eventual revogação da decisão intercalar que contende com o resultado da lide provoca efeitos anulatórios da tramitação processual que se lhe segue e afecta a própria decisão final, tornando prejudicado o recurso interposto desta [..].
Aí se refere “em consequência da procedência da apelação interposta quanto ao despacho interlocutório, a reapreciação da sentença final queda prejudicada na medida em que o erro decisório que afecta um dos passos que a antecedeu (…) exerceu efectiva influência no resultado da lide – cfr. o artigo 660.º do Código de Processo Civil – inutilizando o processado ulterior.
Nesta situação em que o recurso interposto da decisão interlocutória é decidido a favor do recorrente, como diz o Professor Miguel Teixeira de Sousa num post intitulado “Recurso de decisão interlocutória e suspensão do trânsito em julgado”, publicado em 21 de Janeiro de 2016 no blogue do IPPC [...], há que aplicar, por analogia, o disposto no artigo 195.º, n.º 2, Código de Processo Civil: “a procedência do recurso implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência; entre esses actos inclui-se a sentença final”.
Mostra-se pois prejudicada a impugnação deduzida da sentença”.
Os trâmites processuais ou diligências anteriores ficam sujeitos às vicissitudes do que vier a ser decidido: se for confirmada a decisão recorrida, serão integralmente respeitados; sendo revogada, proceder-se-á, conforme os casos, à invalidação e desconsideração dos actos de produção de prova indevidamente executados, à produção dos meios de prova prejudicados pela rejeição [Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra, 2017, Almedina, p.199].
In casu, o Douto Acórdão desta Relação, que, revogando o despacho proferido em audiência de julgamento, admitiu a prova por inspecção ao local, determina, obviamente, pelo referido, como não pode deixar de ser, invalidação do processado posterior ao despacho que rejeitou tal meio de prova, incluindo a sentença proferida.
A não ser assim, nunca seria produzida e considerada a prova admitida e o Acórdão, que decidiu definitivamente a questão, não passaria de letra morta, nenhuma utilidade tendo o recurso.
E, na verdade, estatui o nº 1, do artigo 152º, do referido diploma legal, que Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.
Ora, julgada procedente a apelação autónoma tal determina que o Tribunal de 1ª instância tenha de proceder à inspeção ao local.
O tribunal a quo devia, em obediência ao decidido pelo Tribunal Superior, cumprir, sem mais, o decidido por este Tribunal. Ao efectuar o que diz ser a interpretação da lei está, na verdade, a não cumprir o decidido no Acórdão que admitiu a inspeção judicial requerida pelo autor, com inobservância do disposto no nº1, do artigo 152º, do CPC.
E a existência do Acórdão no processo de recurso em separado, não cumprido pelo tribunal de primeira instância, obsta ao conhecimento do objeto do recurso da decisão final, a qual teve por base uma decisão de facto sem que fosse realizada a diligência de prova que essa douta Relação considerou necessária.
O decidido no Acórdão desta Relação de 16.11.2017, impõe, na verdade, ao juiz de primeira instância que prossiga a audiência de julgamento, com inspeção judicial.
E a sentença proferida, onde se não considerou a prova pericial admitida, tem de ser anulada, tudo se configurando como que se se voltasse ao momento em que a inspecção ao local foi indeferida, despacho esse que se substituiu pelo deferimento de tal requerimento de prova, que tem de ser produzida, prosseguindo, depois, a audiência de julgamento com a restante tramitação (designadamente alegações).
O cumprimento do decidido pelo Tribunal ad quem no âmbito da apelação em separado, implica, forçosamente, a invalidação de todo o processado posterior ao despacho de rejeição, incluindo da sentença final, para, primeiramente, ser produzida a prova admitida pelo Tribunal superior."
[MTS]