"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/10/2018

Jurisprudência 2018 (96)


Citação; citação urgente;
interrupção da prescrição


1. O sumário de RL 11/4/2018 (1994/17.2T8BRR.L1-4) é o seguinte:

I – O Autor não está obrigado a propor a acção em momento precedente ao 5º dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil. Deve fazê-lo por uma questão de cautela. Mas, não o fazendo, tal não significa que a citação do Réu não possa realizar-se ainda dentro do prazo prescricional em curso. Daí a pertinência da citação urgente.

II – Tendo o Autor instaurado a acção no antepenúltimo dia precedente ao prazo prescricional, às 18.39 horas, com pedido de citação urgente, que foi deferido no dia seguinte, e distribuído para cumprimento nesse dia, realizando-se a citação após o decurso do prazo prescricional, atendendo ao horário de funcionamento das Secretarias Judiciais, e ao horário de trabalho dos funcionários judiciais (cfr. art 2º nº1 da Lei 66/2013 de 29 de Agosto e despacho do Director Geral a propósito da referida Lei), o facto de a citação não ser levada a efeito na véspera do termo do prazo prescricional, não pode ser atribuído a negligência dos Serviços, antes da própria parte, que, acautelando-se, deveria ter instaurado a acção mais cedo, de preferência observando o prazo a que se refere o artigo 323º nº 2 do C. Civil, ou, pelo menos, com a antecedência mínima razoável para permitir a citação anterior à preclusão do prazo em curso.
 
2. Na fundamentação do acórdão, afirma-se o seguinte:
 
"O Autor, em abono da tese de que não ocorreu a prescrição dos créditos laborais que reclama na presente acção, defende que, ainda no decurso do prazo prescricional, foi proferido despacho de admissão da citação urgente, e que o tribunal a quo, ao fazer depender a interrupção da prescrição, requeira-se ou não a citação urgente, dos termos do nº 2 do artigo 323º do C.Civil, esvazia de utilidade jurídica esta figura da citação urgente, sendo certo que o atraso dos serviços internos do tribunal não lhe pode ser imputável.

Vejamos.

Nos termos do artigo 337º nº 1 do CT “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” (sic)

A prescrição é uma forma de extinção da obrigação, provocada pelo decurso do tempo sobre os direitos subjectivos. Faz cessar a exercitabilidade destes direitos.

Os créditos laborais são imprescritíveis na vigência da relação de trabalho, fixando a lei como termo inicial do prazo prescritivo o dia seguinte à data em que cessou o contrato de trabalho.

Dado que o contrato de trabalho a que se referem os autos cessou em 24-05-2016, por aplicação da referida norma legal, o prazo prescricional de um ano iniciou-se no dia 25-05-2016, o que significa que terminou às 24 horas do dia 25-05-2017, considerando-se os créditos prescritos às 00.00 horas do dia 26-05-2017.

O Autor instaurou a presente acção no dia 24-05-2017 às 18.39 horas e requereu a citação urgente da Ré, face à iminência da prescrição dos créditos que reclama[1].

O tribunal ordenou, a 25-05-2017, a citação urgente, a qual foi levada a efeito no dia 30-05-2017.

O art. 323º nº1 do C.Civil, que se refere à interrupção da prescrição promovida por qualquer titular [...], determina que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2- Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.” (sic)

Daqui resulta que o prazo prescricional apenas pode ser interrompido pela citação ou notificação do devedor.

Por outro lado, este preceito apenas tem aplicação às situações em que não decorreu ainda o prazo prescricional, e não àquelas em que a prescrição já se verifica, pois não pode ser interrompido um prazo já esgotado.

Os Réus vieram a ser citados em 30-05-2017 quando o prazo prescricional já decorrera.

Vejamos se a propositura da acção cumpriu os requisitos que subjazem à interrupção da prescrição, face ao disposto no art. 323º nº2 do C.Civil, ou seja, se guardou cinco dias a partir dessa data da propositura da acção e antes de perfazer o prazo prescricional.

A acção deu entrada em juízo em 24-05-2017 às 18.39 horas.

A lei – art. 279º b) do C.Civil – determina que “[N]a contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr,” (sic)

E assim sendo, e dado que a lei considera a prescrição interrompida logo que decorram os cinco dias, apenas às 24.00 horas do 5º dia se dá a interrupção.

No presente caso, tendo a acção entrado em juízo no dia 24-05-2017, iniciando-se o prazo dos cinco dias apenas no dia 25-05-2017, esses cinco dias decorreram às 24 horas do dia 29-05-2017, quando a prescrição já ocorrera.

Contudo, cumpre atentar que o Autor, aquando da apresentação da sua p.i., requereu a citação prévia.

Na verdade, o Autor não estava obrigado a propor a presente acção em momento precedente ao 5º dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil. É claro que a parte deve fazê-lo por uma questão de cautela. Mas, não o fazendo, tal não significa que a citação do Réu não possa realizar-se ainda dentro do prazo prescricional em curso. Daí a pertinência da citação urgente, que aliás foi ordenada. Como se assinala do acórdão desta Relação e Secção de 18-11-2015[3], “[S]e assim fosse … a figura da citação urgente, ou seja, prévia à distribuição dos autos (ainda que tal regra, com a distribuição eletrónica e processamento eletrónico dos processos, possa ter perdido grande parte da sua razão de ser) e com a tramitação prevista nos artigos 137.º, n.ºs 1 e 2, 138.º, n.º 1, 156.º, n.ºs 1 e 3 e 162.º, n.º 1, 226.º, 561.º e 562.º do NCPC, deixaria de ter conteúdo útil ou apenas muito residual, propósito que seguramente não esteve na mente do legislador quanto criou tal instituto processual (cfr. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).” (sic)

A realização da citação prévia assume carácter urgente. No entanto, o Autor peticionou a realização de tal acto às 18.39 horas do dia 24 de Maio de 2017, portanto, quando o Tribunal já encerrara os seus serviços, quando é certo que a prescrição ocorreria às 00.00 horas do dia 26 desse mês e o Autor não desconhecia que o processo teria de ir a despacho ao juiz e depois ser encaminhado para cumprimento do ordenado. Assim foi: foi despachado no dia 25 de Maio e logo encaminhado para cumprimento, dando entrada na Secção Central, para o efeito, às 16.01 horas desse mesmo dia.

Atendendo ao horário de funcionamento das Secretarias Judiciais, e ao horário de trabalho dos funcionários judiciais (cfr. art 2º nº1 da Lei 66/2013 de 29 de Agosto e despacho do Director Geral a propósito da referida Lei), o facto de a citação não ser levada a efeito nesse mesmo dia 25 de Maio não pode ser atribuído a negligência dos Serviços, antes da própria parte, que, acautelando-se, deveria ter instaurado a acção mais cedo, de preferência observando o prazo a que se refere o artigo 323º nº 2 do C. Civil, ou, pelo menos, com a antecedência mínima razoável para permitir a citação anterior à preclusão do prazo em curso.

Em face do exposto, cumpre concluir ter ocorrido a excepção peremptória de prescrição invocada pelos Réus."
 
[MTS]