Alimentos; filho maior;
competência material
1. O sumário de RG 17/5/2018 (602/18.9T8VCT.G1) é o seguinte:
A competência para a acção de alimentos a filho de maior idade prevista no artº 989º, nº 3, do CPC, quando não proposta pelo próprio (nem tenha havido regulação enquanto menor) mas pelo progenitor, divorciado, que o tenha a seu cargo, contra a progenitora com a qual não se perspectiva possibilidade de acordo, pertence aos tribunais e não às conservatórias.
"Ainda que proposta por um progenitor contra o outro e visando exigir deste a contribuição para o sustento e educação dos filhos comuns, nos termos das invocadas normas dos artºs 989º, do CPC, e 3º, alínea d), e 6º, alínea d), do RGPTC (aprovado pela Lei 141/2015, de 8 de Setembro), estamos perante Providência Tutelar Cível relativa a filhos maiores.
Era controvertida […], designadamente quanto ao procedimento adequado, a questão dos alimentos aos mesmos devidos, face ao disposto no artº 1880º, CC, em conjugação com o regime previsto para os casos de divórcio ou separação nos artºs 1905º e 1906º, sobretudo quando, uma vez fixados, cessava a menoridade antes de concluída a formação profissional. […]
Sendo inequívoca, a partir do Decreto-Lei nº 272/2001, a intenção do legislador de aliviar os tribunais e passar para as conservatórias matérias, como a da fixação de alimentos a filhos maiores ou emancipados, cuja resolução se apresenta como verdadeiramente não litigiosa e naturalmente mais vocacionada ao consenso privilegiado, a verdade é que, apesar de, mesmo nas situações subsequentes ao divórcio e relativas a menores, a lei também incentivar e conferir prioridade ao acordo sobre a regulação do exercício do poder paternal, designadamente no contexto previsto nos artºs 931º e sgs e 994º e sgs, CPC, além de sempre se salvaguardar o recurso aos tribunais em casos de falta dele, para as situações de potencial litígio à vista entre os progenitores, designadamente e sobretudo naquelas em que, estando o filho maior a cargo de um deles, este se vê obrigado a reclamar do outro o contributo alimentar mais ou menos explicitamente recusado, acabou por, decididamente, se optar pelo caminho da via judicial, ao alterar-se, pela Lei 122/2015, o artº 989º, do CPC, assim se eliminando algumas dúvidas e constrangimentos anteriores.
Na nota preambular justificativa da Proposta de Lei nº 975/XII/4ª, apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia da República e que esteve na sua origem, pode ler-se:
“….urge dar resposta a uma questão particular relativa ao actual regime de exercício das responsabilidades parentais.
Era controvertida […], designadamente quanto ao procedimento adequado, a questão dos alimentos aos mesmos devidos, face ao disposto no artº 1880º, CC, em conjugação com o regime previsto para os casos de divórcio ou separação nos artºs 1905º e 1906º, sobretudo quando, uma vez fixados, cessava a menoridade antes de concluída a formação profissional. […]
Sendo inequívoca, a partir do Decreto-Lei nº 272/2001, a intenção do legislador de aliviar os tribunais e passar para as conservatórias matérias, como a da fixação de alimentos a filhos maiores ou emancipados, cuja resolução se apresenta como verdadeiramente não litigiosa e naturalmente mais vocacionada ao consenso privilegiado, a verdade é que, apesar de, mesmo nas situações subsequentes ao divórcio e relativas a menores, a lei também incentivar e conferir prioridade ao acordo sobre a regulação do exercício do poder paternal, designadamente no contexto previsto nos artºs 931º e sgs e 994º e sgs, CPC, além de sempre se salvaguardar o recurso aos tribunais em casos de falta dele, para as situações de potencial litígio à vista entre os progenitores, designadamente e sobretudo naquelas em que, estando o filho maior a cargo de um deles, este se vê obrigado a reclamar do outro o contributo alimentar mais ou menos explicitamente recusado, acabou por, decididamente, se optar pelo caminho da via judicial, ao alterar-se, pela Lei 122/2015, o artº 989º, do CPC, assim se eliminando algumas dúvidas e constrangimentos anteriores.
Na nota preambular justificativa da Proposta de Lei nº 975/XII/4ª, apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia da República e que esteve na sua origem, pode ler-se:
“….urge dar resposta a uma questão particular relativa ao actual regime de exercício das responsabilidades parentais.
Essa questão particular respeita ao regime que penaliza de forma desproporcionada as mulheres que são mães de filhos ou filhas maiores e que estão divorciadas ou separadas dos respetivos pais.
É hoje comum que, mesmo depois de perfazerem 18 anos, os filhos continuem a residir em casa do progenitor com quem viveram toda a sua infância e adolescência e que, na esmagadora maioria dos casos, é a mãe.
Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes, para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial.
Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.
A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos.
Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional.
Há, também, por consequência do descrito, uma desigualdade evidente entre filhos de pais casados ou unidos de facto e os filhos de casais divorciados ou separados.
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor.”
Em anotação publicada no Blog do IPPC pelo Juiz de Direito J. H. Delgado de Carvalho, relativa às modificações operadas pela Lei 122/2015, escreveu este:
“A situação do filho maior ou emancipado que continue a prosseguir os seus estudos e formação profissional passa a ser salvaguardada no âmbito do regime do acordo dos pais sobre o exercício das responsabilidades parentais, mais concretamente do regime relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento. O princípio da igualdade (cfr. art. 13.º da Constituição) implica que se deva adotar uma idêntica solução no âmbito da regulação das responsabilidades parentais no caso de cessação da união de facto, mesmo que a filiação se encontre estabelecida apenas quanto a um dos progenitores e, no momento da cessação da coabitação entre o único progenitor e o unido de facto, este último esteja a exercer, a seu pedido e por decisão judicial, as responsabilidades parentais em conjunto com aquele (cfr. os n.ºs 2 e 5 do novo art. 1904.º-A aditado ao Código Civil pela Lei n.o 137/2015, de 7/9).
Se os progenitores não regularem a situação do filho que continua a prosseguir os seus estudos e formação profissional para além da maioridade, mantém-se a obrigação de alimentos nos termos fixados para a menoridade do filho.
Uma outra importante alteração que o novo regime introduz é a possibilidade de o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas de sustento e educação de filho maior exigir do outro progenitor a comparticipação daquelas despesas (cfr. o n.º 3 aditado ao art. 989.º do NCPC). Perante a inércia do filho, depois de perfazer 18 anos, reconhece-se legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas do filho maior, concitando à repartição dessas mesmas despesas pelo outro progenitor.
No entanto, essa legitimidade apenas pode ser exercida no âmbito da acção prevista no n.º 3 aditado ao art. 989.º do NCPC, que, de forma apropriada, podemos designar como ação para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com a educação e formação profissional de filho maior ou emancipado.
O reconhecimento de legitimidade direta ativa tem um importante alcance prático: o progenitor convivente pode imporao outro progenitor, para o futuro, a distribuição, total ou parcial, das despesas com o sustento e educação de filho maior, ficando dispensado de alegar e provar as despesas concretamente suportadas por si, com vista ao seu reembolso, de acordo com o disposto no art. 592.º, n.º 1, do CCiv (sub-rogação legal). A legitimidade processual reconhecida ao progenitor convivente na ação para a contribuição nas despesas com filhos maiores ou emancipados, embora não exclua a ação sub-rogatória, permite exigir a comparticipação, para o futuro, do progenitor não convivente naquelas despesas e enquanto se mantiver a razoabilidade dessa repartição, assim como permite a cobrança coerciva das contribuições vencidas e não pagas até esse momento. A legitimidade processual reconhecida ao progenitor convivente pelo n.º 3 aditado ao art. 989.o do NCPC é extensível à fase executiva.
1.4. Forma de processo aplicável à ação para a contribuição nas despesas com filhos maiores ou emancipados. – Por força da parte final do n.º 3 aditado ao art. 989.º do NCPC, esta ação tem natureza especial e segue a forma de processo prevista e regulada nos arts. 186.º a 188.º da OTM [correspondentes aos arts. 45.º a 47.º do RGPTC (providência tutelar cível para a fixação de alimentos devidos a criança)]
O pedido para a contribuição nas despesas de filho maior que não pode sustentar-se a si mesmo está, pois, excluído do procedimento especial previsto e regulado nos arts. 5.o a 10.º do Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13/10. A parte final do n.º 3 aditado ao art. 989.º do NCPC, devido à formulação utilizada (“nos termos dos números anteriores”), é explícita em mandar aplicar os termos do Código de Processo Civil; por sua vez, o n.º 1 do art. 989.º do NCPC torna aplicável, mutatis mutandis, o regime previsto para os alimentos a menores, ou seja, o regime previsto na OTM, nomeadamente nos seus arts. 157.º e 186.º a 188.º.
Esta ação é instaurada pelo progenitor com quem o filho reside contra o progenitor não convivente na secção de competência especializada (secção de família e menores), na secção de competência genérica da instância local ou na secção cível em que esta se encontre desdobrada, consoante os casos (cfr. arts. 6.º, al. d) e 8.º do RGPTC; e art. 123.º, n.º 1, al. e), da LOSJ). A ação é distribuída autonomamente quando não exista processo no qual se tenha estabelecido o regime de alimentos a menor, pois, nesta hipótese, não são aplicáveis os art. 282.º, n.º 1, e 989.º, n.º 2, do NCPC; de modo diverso, quando esse processo exista, esteja pendente ou não, o pedido de contribuição nas despesas com filho maior ou emancipado, por força do disposto na parte final do n.º 3 aditado ao art. 989.º do NCPC, constitui incidente do processo no qual foi fixada a pensão de alimentos para a menoridade e, por via disso, corre por apenso a este, renovando-se a instância se o processo se encontrar já findo. Esta solução impõe-se por força do disposto nos art. 282.º, n.º 1, e 989.º, n.º 2, do NCPC.
De qualquer modo, o objeto da ação prevista no n.º 3 aditado ao referido art. 989.º do NCPC não é alterar a pensão de alimentos fixada para a menoridade, mas antes obrigar o progenitor não convivente a comparticipar nas despesas com o sustento e a educação de filho maior, desde o momento da instauração dessa ação (por aplicação analógica do art. 2006.º, do CCiv) e até que o mesmo complete a sua formação.
Significa isto que a ação agora prevista destinada à comparticipação das despesas com o sustento e educação de filho maior que ainda não alcançou independência económica pode ser instaurada, quer exista processo anterior no qual se tenha estabelecido o regime de alimentos devidos a menor, quer não exista esse processo, e o filho, por relutância, não tenha apresentado na Conservatória do Registo Civil o pedido de alimentos para efeitos do disposto no art. 1880.º do CCiv, dando início ao procedimento especial por alimentos a filho maior ou emancipado, previsto e regulado nos arts. 5.º a 10.º do Dec.-Lei n.º 272/2001.”
No Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado nº 53/CC/2016, de 29-10-2016, relatado por Paula Marina Oliveira Calado Almeida Lopes, concluiu-se, além do mais, sobre a questão colocada:
“VII. O nº 3 aditado ao artº 989º. Do CPC, pela Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, conferiu ao progenitor sobrecarregado com a totalidade das despesas com o filho maior ainda em formação profissional, a legitimidade para, por si e no seu interesse, exigir que o outro progenitor partilhe nas despesas com os filhos maiores, através da acção especial e alternativa ao procedimento de alimentos a filho maior previsto no referido Decreto-Lei nº 272/2001, no qual é parte legítima o filho.
VIII. A acção referida na conclusão anterior segue os trâmites processuais previstos nos artigos 45º e seguintes do Decreto-Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), com as devidas adaptações, não configurando um pedido de alimentos a filho maior previsto e regulado no referido Decreto-Lei 272/2001.”
No Acórdão da Relação de Lisboa de 23-03-2017 (Processo nº 2257/17.9T8LSB.L1-6, relatado pelo Desemb. Eduardo Peterson Silva), decidiu-se:
“À providência a que se refere o artigo 989º nº3 do CPC não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec-Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo pois ao tribunal o seu processamento.”
No Acórdão da Relação de Évora de 13-07-2017 (Processo nº 1362/16.3T8PTG.E1, relatado pela Desemb. Maria da Conceição Ferreira), semelhantemente, entendeu-se:
“À providência a que se refere o artigo 989º, nº 3, do CPC não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo, pois, ao tribunal o seu processamento.”
Também em estudo publicado na revista digital Julgar On Line (Março de 2018, página 14, da autoria do Juiz de Direito Gonçalo Oliveira Magalhães), se considerou:
“O art. 989.º, n.º 3, do CPC, na redacção da Lei n.º 122/2015, de 1.09, reconhece essa legitimidade [do progenitor] quando se torne necessário providenciar judicialmente sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional, o que pode ser dogmaticamente enquadrado na figura da legitimidade indirecta. Por identidade de razões, a legitimidade mantém-se quando se trate de prosseguir as acções intentadas durante a menoridade que devam prosseguir nos termos do art. 989.º, n.º 2. Afastada está, por falta de previsão legal (cf. art. 30.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC), a legitimidade para a acção, da competência das conservatórias do registo civil, destinada à formação de acordo, nos termos do art. 5.º do DL n.º 272/2001.”
E, concluindo quanto às diversas hipóteses e subsequentes caminhos:
“Se a necessidade de fixar a obrigação surgir na maioridade, importa distinguir, com base em juízo de prognose, se a vontade do filho e a do progenitor obrigado são ou não conciliáveis. Na primeira hipótese, deve seguir-se o processo destinado à autocomposição previsto no art. 5.º do DL n.º 272/2001, de 13.10, para o qual apenas o filho tem legitimidade activa; na segunda, fica aberto o caminho para o processo judicial, que segue o regime previsto para a fixação de alimentos a filhos menores, estando assegurada a legitimidade (substitutiva) activa do progenitor com quem o filho convive.”.
Tendo, por fim, em conta, para além do exposto, que, em função do alegado na petição […], é de perspectivar seriamente como remota, face à configuração fáctica já litigiosa do caso, a hipótese de consenso entre os progenitores sobre a obrigação visada e que, em tais situações, já mesmo antes da Lei nº 122/2015, se preconizava […], ante o prognóstico de tal cenário e não obstante o previsto no DL 272/2001, a competência originária do tribunal de família […], é de concluir também que, no presente caso, não sendo embora a acção proposta pelo filho nem (que se saiba) tendo sido fixados alimentos durante a menoridade mas por um dos progenitores contra o outro, nos termos e com os fundamentos previstos no nº 3, do artº 989º, CPC, o apelante tem bem fundamentada razão, devendo ser revogado o despacho recorrido e declarada a competência do tribunal, determinando-se o prosseguimento nele da presente causa."
[MTS]