"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/01/2017

Jurisprudência (525)


Caso julgado;
factos supervenientes


1. O sumário de STJ 22/9/2016 (106/11.0TBCPV.P2.S1) é o seguinte:
 
I. Julgada improcedente determinada pretensão por falta de verificação de um facto (o efectivo desembolso de uma quantia), o caso julgado formado pela sentença não obsta a que seja interposta nova acção na qual seja alegada a verificação ulterior desse facto para sustentação da mesma pretensão material (art. 621º do CPC).

II. Ainda que em tal situação não seja configurada a excepção de caso julgado (art. 581º, nº 1, do CPC), aquela sentença projecta-se na segunda acção através da autoridade de caso julgado relativamente às demais questões que nela tenham sido especificamente apreciadas.

III. Assim acontece com a questão relacionada com o âmbito de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de técnico oficial de contas e com o reconhecimento do incumprimento de deveres profissionais perante clientes prejudicados.

IV. O seguro de responsabilidade civil profissional outorgado por técnico oficial de contas cobre a actuação deste relacionada com a informação aos seus clientes/contribuintes acerca das opções de natureza fiscal perante a Autoridade Tributária.

V. O simples facto de ser assumida pelo técnico oficial de contas uma determinada interpretação do regime respeitante ao IRC devido pela actividade desenvolvida pelos seus clientes não o dispensava de informar ou de prevenir tais clientes relativamente a um entendimento diverso assumido pela Autoridade Tributária que se revelava mais oneroso para os contribuintes.

VI. É responsável perante os seus clientes/contribuintes o técnico oficial de contas pelo facto de não os ter informado da necessidade de efectuarem uma declaração sobre o regime de tributação em IRC, o que determinou a sujeição dos mesmos a um determinado regime quando lhes teria sido mais favorável outro regime de tributação.

VII. Tendo o TOC, na sequência da detecção dessa situação, ressarcido os seus clientes/contribuintes pelos prejuízos correspondentes aos diferenciais entre a liquidação de IRC ao abrigo de um ou de outro dos regimes fiscais pode reclamar da Seguradora, ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, o reembolso das quantias pagas.
 
2. Consta da fundamentação do acórdão o seguinte:
 
"3.2. [...] a sentença proferida na anterior acção não reunia as características determinantes da procedência da excepção de caso julgado que na presente acção foi julgada improcedente. Mas tal não significa que se reabra a discussão na presente acção relativamente a tudo quanto já foi alegado e apreciado na anterior acção.

Tendo em conta que a pretensão formulada pelo A. nesta primeira acção improcedeu unicamente pelo facto de não terem sido demonstrados os pagamentos cuja existência era imprescindível para a responsabilização da Seguradora, na presente acção deverão considerar-se verificados os demais pressupostos da responsabilidade, sendo a actividade judicativa circunscrita aos efeitos emergentes da demonstração daquele pagamento.

É o que decorre explicitamente do art. 621º do CPC, no segmento reportado à inverificação de um determinado facto considerado determinante para a procedência da acção. Sendo em tais circunstâncias permitida a instauração de nova acção sem que o A. corra o risco da excepção de caso julgado, nesta segunda acção devem ser dados como adquiridos os pressupostos do direito cuja verificação já tenha sido apreciada na primeira acção. De outro modo correr-se-ia o risco de obter julgados contraditórios, com o rol de consequências negativas em termos de eficácia dos instrumentos processuais e no que concerne à certeza do direito e valor jurídico das sentenças.

Tratando-se de acção que visa o accionamento do contrato de seguro de responsabilidade civil respeitante ao risco profissional do A., assim acontece com a cobertura deste risco profissional pela apólice de seguro, pois que no segmento decisório da primeira sentença foi decidido “considerar incluídos no «Âmbito da Cobertura» do seguro de responsabilidade civil profissional entre a CTOC e a R. os danos patrimoniais causados a clientes do A. (associado da CTOC), por este não ter alertado os seus referidos clientes para a opção pelo regime geral como forma de evitar a sua tributação pelo regime simplificado”.

O mesmo se verifica relativamente à admissibilidade de repercutir na Seguradora a responsabilidade que os clientes do A. lhe imputaram com base no incumprimento de deveres profissionais, ante a afirmação que consta da referida sentença de que “verificados se encontram os pressupostos da responsabilidade civil contratual do A. para com os seus clientes em causa, ao nível da existência de uma conduta inadimplente culposa por banda daquele” e que “não tendo actuado de modo competente e diligente, é responsável pela omissão praticada no exercício das suas funções”.

Embora, como já foi afirmado por este Supremo no anterior acórdão, não se deva considerar verificada a excepção dilatória de caso julgado, impõe-se, sem qualquer dúvida, relevar a força ou autoridade de caso julgado que emerge da sentença transitada em julgado na primeira acção, ou, com o mesmo efeito, considerar precludida a discussão dos pressupostos da responsabilidade que em tal sentença já foram reconhecidos, maxime a cobertura pela apólice do risco profissional e a verificação de incumprimento culposo de deveres profissionais que impendiam sobre o A."
 
[MTS]