"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/01/2017

Uma lacuna na execução provisória da sentença arbitral



1. A sentença arbitral é susceptível de ser impugnada seja através da interposição de um recurso para o tribunal estadual (art. 39.º, n.º 4, LAV), seja através da propositura de uma acção de anulação perante o tribunal estadual (cf. art. 46.º, n.º 1, LAV). Estas possibilidades são, contudo, assimétricas: para que o recurso seja admissível, é necessário que as partes o tenham previsto na convenção de arbitragem e que a causa não tenha sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável (cf. art. 39.º, n.º 4, LAV); em contrapartida, a impugnação através do pedido de anulação é admissível sempre que as partes não tenham previsto a possibilidade de recurso (cf. art. 46.º, n.º 1, LAV).

2. Quando a decisão arbitral é recorrível, o recurso interposto para o tribunal estadual -- que é apelação -- tem, em regra, efeito devolutivo (art. 647.º, n.º 1, CPC), mas o recorrente pode obstar a esse efeito (e, portanto, à execução provisória da decisão (cf. art. 704.º, n.º 1, CPC)) se prestar caução (art. 647.º, n.º 4, CPC).

Se o recurso tiver efeito devolutivo, a decisão arbitral é susceptível de ser (provisoriamente) executada (art. 704.º, n.º 1, CPC). Na execução provisória, o exequente não pode ser pago sem prestar caução (art. 704.º, n.º 3, CPC). Esta caução destina-se, naturalmente, a ser entregue ao executado, caso a decisão arbitral venha a ser revogada ou modificada pelos tribunais estaduais.

3. A sentença arbitral pode servir de base à execução, ainda que haja sido impugnada em acção de anulação (art. 47.º, n.º 3, LAV), mas, à semelhança do que sucede quanto às sentenças dos tribunais estaduais (cf. art. 647.º, n.º 4), o impugnante pode requerer ao tribunal estadual que a impugnação tenha efeito suspensivo da execução, desde que se ofereça para prestar caução (art. 47.º, n.º 3, LAV). O art. 47.º, n.º 4, LAV manda aplicar o disposto nos actuais art. 648.º e 650.º CPC à prestação de caução pelo impugnante, pelo que a atribuição de efeito suspensivo à impugnação da decisão arbitral extingue-se se a acção de anulação estiver parada durante mais de 30 dias por negligência desse impugnante (art. 648.º, n.º 1, CPC).  

Do exposto decorre que a regra é a execução provisória da decisão arbitral impugnada através da acção de anulação. Como se referiu, quando a decisão arbitral é impugnada através de recurso (cf. art. 39.º, n.º 4, LAV), o exequente não pode ser pago sem prestar caução (cf. art. 704.º, n.º 3, CPC). Uma semelhante regra não se encontra, porém, para a hipótese em que a decisão arbitral tenha sido impugnada através de uma acção de anulação.

Contra esta conclusão não pode ser invocado o disposto no art. 46.º, n.º 2, al. e), LAV, que manda aplicar à acção de anulação da decisão arbitral a "tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações". Parece, no entanto, ser claro que a tramitação da apelação nada tem a ver com uma prestação de caução num processo executivo, desde logo porque, se não for proposta nenhuma execução, o problema da prestação da caução pelo credor durante a pendência da apelação nem sequer se coloca. Esta prestação pertence exclusivamente à tramitação do processo executivo, como, aliás, mostra a colocação sistemática do art. 704.º CPC. 

A unidade do sistema jurídico não pode deixar de exigir para a execução provisória que seja instaurada durante a pendência da acção de anulação a mesma solução que vale para a execução provisória que seja proposta enquanto a decisão arbitral está pendente de recurso ordinário. Sendo assim, verifica-se uma lacuna quanto à não estatuição da obrigatoriedade de prestação de caução pelo credor que obtém o pagamento da quantia exequenda na execução provisória que é instaurada durante a pendência da acção de anulação. Esta lacuna deve ser integrada através da aplicação analógica do disposto no art. 704.º, n.º 3, CPC (cf. art. 10.º, n.º 1 e 2, CC), pelo que, enquanto estiver pendente a acção de anulação da decisão arbitral, o exequente não pode ser pago sem prestar caução. Caso a decisão arbitral venha a ser anulada, o montante da caução prestada pelo exequente assegura a indemnização do executado. 

MTS