"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/01/2017

Jurisprudência europeia (TJ) (116)


Dir. 93/13/CEE – Contratos celebrados entre profissionais e consumidores – Cláusulas abusivas – Contratos de mútuo hipotecário – Processo de execução de bens hipotecados – Prazo de caducidade – Conhecimento oficioso dos órgãos jurisdicionais nacionais – Autoridade de caso julgado


TJ 26/1/2017 (C‑421/14, Banco Primus/Gutiérrez García) decidiu o seguinte:

1) Os artigos 6.° e 7.° da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito nacional, como a quarta disposição transitória da Lei 1/2013, de medidas para reforzar la protección a los deudores hipotecarios, reestructuración de deuda y alquiler social (Lei 1/2013, relativa às medidas que visam reforçar a proteção dos devedores hipotecários, a reestruturação da dívida e o arrendamento social), de 14 de maio de 2013, que sujeita o exercício pelos consumidores, contra os quais tenha sido instaurado um processo de execução hipotecária ainda pendente à data de entrada em vigor da lei que prevê esta disposição, do direito de oposição a esse processo, com fundamento no caráter pretensamente abusivo de cláusulas contratuais, a um prazo de caducidade de um mês, calculado a partir do dia seguinte ao da publicação desta lei.

2) A Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regra nacional, como a resultante do artigo 207.° da Ley 1/2000, de Enjuiciamiento Civil (Lei 1/2000, relativa ao Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000, alterada pelo Real Decreto‑Ley 7/2013, de medidas urgentes de naturaleza tributaria, presupuestaria y de fomento de la investigación, el desarrollo y la innovación (Decreto‑Lei 7/2013, que aprova medida urgentes de natura fiscal e orçamental e que promove a investigação, o desenvolvimento e a inovação), de 28 de junho de 2013, que proíbe o juiz nacional de reapreciar oficiosamente o caráter abusivo das cláusulas de um contrato se já tiver sido proferida uma decisão revestida de autoridade de caso julgado sobre a legalidade de todas as cláusulas desse contrato à luz desta diretiva.

3) Em contrapartida, havendo uma ou várias cláusulas contratuais cujo caráter eventualmente abusivo não tenha sido examinado em sede de fiscalização jurisdicional anterior do contrato controvertido, encerrada por decisão revestida de autoridade de caso julgado, a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que o juiz nacional, junto do qual o consumidor deduziu regularmente um incidente de oposição, está obrigado a apreciar, a pedido das partes ou oficiosamente, o caráter eventualmente abusivo dessas cláusulas, desde que disponha dos elementos jurídicos e fácticos necessários para o efeito.

4) O artigo 3.°, n.° 1, e o artigo 4.° da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que:

– o exame do caráter eventualmente abusivo de uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor implica determinar se ela cria, em detrimento do consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes contratuais. Esse exame deve ser efetuado tendo em conta as regras nacionais que, na falta de acordo entre as partes, são aplicáveis, os meios de que o consumidor dispõe, ao abrigo da regulamentação nacional, para pôr termo à utilização desse tipo de cláusulas, a natureza dos bens ou dos serviços objeto do contrato em causa, bem como todas as circunstâncias que rodeiam a sua celebração;

– caso o órgão jurisdicional de reenvio considere que uma cláusula contratual relativa ao método de cálculo dos juros ordinários, como a do processo principal, não está redigida de forma clara e compreensível na aceção do artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva, incumbe‑lhe verificar se essa cláusula é abusiva na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva. No âmbito desse exame, cabe designadamente ao referido órgão jurisdicional comparar o método de cálculo da taxa dos juros ordinários prevista nesta cláusula e o montante efetivo dessa taxa daí resultante com os métodos de cálculo normalmente utilizados e a taxa de juros legal, bem como as taxas de juros praticadas no mercado à data da celebração do contrato em causa no processo principal para mútuos de valor e de duração equivalentes aos do contrato de mútuo em causa, e

– quanto à apreciação por um órgão jurisdicional nacional do eventual caráter abusivo da cláusula relativa ao vencimento antecipado devido a incumprimentos pelo devedor das suas obrigações durante um período limitado, incumbe a esse órgão jurisdicional verificar, designadamente, se a faculdade de o profissional declarar exigível a totalidade do empréstimo depende do incumprimento pelo consumidor de uma obrigação com caráter essencial no âmbito da relação contratual em causa, se essa faculdade está prevista para os casos em que esse incumprimento é suficientemente grave atendendo à duração e ao montante do empréstimo, se a referida faculdade derroga as regras de direito comum aplicáveis na matéria, na falta de disposições contratuais específicas, e se o direito nacional prevê meios adequados e eficazes que permitem ao consumidor sujeito à aplicação dessa cláusula sanar os efeitos da referida exigibilidade do empréstimo.

5) A Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma interpretação jurisprudencial de uma disposição de direito nacional que rege as cláusulas de vencimento antecipado dos contratos de mútuo, como o artigo 693.°, n.° 2, da Lei 1/2000, alterada pelo Decreto‑Lei 7/2013, que proíbe o juiz nacional que constatou o caráter abusivo dessa cláusula contratual de a declarar nula e de a afastar quando o profissional não a aplicou de facto e respeitou as condições previstas nessa disposição de direito nacional.