"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/01/2017

Jurisprudência (521)


Ineptidão da petição inicial;
causa de pedir; cumulação; incompatibilidade


1. O sumário de RC 27/9/2016 (25/14.9T8CNT.C1) é o seguinte:

I – Cumulam causas de pedir incompatíveis, com a consequente ineptidão da petição inicial, os autores de uma ação de divisão de coisa comum que invocam a compropriedade sobre o imóvel dividendo e a aquisição originária por eles, por acessão industrial imobiliária, de uma parcela daquele mesmo imóvel, com o objectivo de que essa parcela lhes seja adjudicada na divisão em substância a operar na fase executiva daquela ação.

II – É ilegal a cumulação entre o pedido principal de reconhecimento de uma situação de compropriedade de um imóvel e de divisão em substância do mesmo com o pedido subsidiário de reconhecimento aos autores da aquisição por eles, por acessão industrial imobiliária, de uma parcela daquele mesmo imóvel.
 
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
 
"Se bem interpretamos a petição inicial, temos que os autores alegam que são comproprietários com os primeiros réus de um prédio único integrado por uma parte que é objecto de uma inscrição matricial urbana da freguesia de F… (U… – descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 252 mts2, e por outra parte que é objecto de uma inscrição matricial rústica da freguesia de F… (R… – descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 548 mts2. [...]

Com base no [...] alegado, os autores pretendem que no âmbito da divisão em substância a operar do referido prédio lhes seja adjudicada a parte dele pelos mesmos adquirida por via da referenciada acessão, correspondente ao artigo matricial rústico da freguesia de F… (R… – descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 548 mts2.

Em face de quanto vem de referir-se, decidiu acertadamente o tribunal recorrido ao considerar que os autores incorrem na sua petição inicial num vício gerador da correspondente ineptidão e que se consubstancia na invocação de causas de pedir substancialmente incompatíveis (art. 186º/2/c do NCPC).

Tal vício ocorre quando, em cumulação real, são invocadas como fundamento dos efeitos jurídicos peticionados causas de pedir cuja verificação simultânea é lógica e juridicamente impossível.

É o que ocorre na situação em apreço, pois: i) por um lado e como fundamento do pedido principal de divisão de coisa comum que consiste um prédio único integrado pelo objecto de duas inscrições matriciais distintas, uma rústica (…) e outra urbana (…), os autores alegam uma situação de compropriedade incidindo sobre a totalidade daquele prédio; ii) por outro lado, em cumulação real com a pretensão referida em i) e como fundamento da pretensão igualmente formulada em via principal de que na divisão da coisa comum lhes seja adjudicada a parte daquele prédio que é objecto da inscrição matricial rústica, os autores alegam que adquiriram essa parte em 1980, por acessão industrial imobiliária.
 
Ora, enquanto forma de aquisição originária do direito de propriedade [art. 1316º do CC; acórdão dos STJ de 20/6/2013 (Conselheiro Granja da Fonseca), de 7/4/2011 (Conselheiro Moreira Alves), de 22/6/2005 (Conselheiro Oliveira Barros), e de 12/2/2004 (Conselheiro Oliveira Barros)], a verificação dos pressupostos da acessão industrial imobiliária em relação a uma parcela de terreno de entre as duas que constituem um prédio em situação de compropriedade e a sua invocação potestativa [acórdãos do STJ de 3/12/2009 (processo 1102/03.7TBILH.C1.S1), de 30/6/2009 (processo 268/04.3TBTBU.C1.S1), de 27/5/2008 (processo 08B1276), de 8/11/2007 (processo 07B3545) e de 4/12/2007 (processo 07B4321)] por parte do beneficiário da acessão implicam a extinção automática e retroactiva daquela situação de compropriedade sobre a parcela em relação à qual se verificam aqueles pressupostos e invocação potestativa, com a consequente cessação da situação de indivisão emergente da referenciada situação de compropriedade.
 
Portanto, a ser exacto o alegado pelos autores no sentido da aquisição originária por eles e decorrente de acessão industrial imobiliária, da parcela de terreno que constitui objecto da inscrição predial rústica nº …, deixou de existir, com a composição que vem descrita na petição, o prédio que os autores pretendem ver dividido, e deixou de se verificar em relação à referenciada parcela a situação de compropriedade invocada como causa de pedir de divisão de coisa comum a incidir igualmente sobre ela, a qual, por isso mesmo, já não poderia ser objecto da divisão pretendida pelos autores.

A significar que a causa de pedir invocada pelos autores como fundamento do pedido de adjudicação da dita parcela rústica (a acessão industrial imobiliária) exclui juridicamente a causa de pedir invocada como fundamento do pedido de divisão de coisa comum a incidir sobre um prédio alegadamente constituído por essa mesma parcela e por outra (a compropriedade incidindo sobre a totalidade dessas duas parcelas), com a consequente incompatibilidade substancial dessas causas de pedir e inerente ineptidão da petição inicial (art. 186º/2/c do NCPC)."
 
[MTS]