"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/01/2017

Jurisprudência (530)


Decisão arbitral; critério de equidade; fundamentação;
acção de anulação; preclusão


1. O sumário de 22/9/2016 (660/15.8YRLSB.L1.S1) é o seguinte:


I. O regime específico constante do art. 39º da LAV não pode ser convocado e aplicado quando o tribunal arbitral tiver de aplicar uma norma legal cuja fattispecie contiver uma específica remissão para a aplicação pelo tribunal – por qualquer tribunal que for chamado a aplicar essa norma, estadual ou arbitral – de critérios de equidade, já que, neste tipo de situações, o apelo à equidade não resulta de opção das partes, tomada no exercício da sua autonomia da vontade acerca dos critérios que devem presidir à composição do litígio, mas de opção do próprio legislador, que considerou mais adequada à peculiar fisionomia do caso a dirimição do litígio segundo critérios que ultrapassam o direito estrito.

II. O preciso âmbito do dever de fundamentação, no que toca à decisão proferida em sede de matéria de facto, tem de atender, em termos funcionalmente adequados, às particularidades relevantes da concreta situação litigiosa, cumprindo verificar se os alegados vícios / nulidades têm, no caso concreto, a relevância substancial susceptível de determinar – atenta a sua influência decisiva na composição do litígio - o gravoso efeito pretendido, traduzido na anulação do acórdão arbitral.

III. Num litígio em que os factos essenciais alegados como causa de pedir são factos plenamente provados por documento, não tendo sido produzida prova sujeita a livre apreciação do tribunal, deve considerar-se suficientemente fundamentado o acórdão arbitral quando –apesar de, na sua estrutura lógico argumentativa, se não ter autonomizado formalmente um capítulo em que se enunciam os factos considerados provados e não provados –se tomou posição clara e perfeitamente inteligível sobre a questão da existência e significado dos factos essenciais articulados pelo A. , valorados segundo regras ou máximas de experiência, apreciando ainda as objecções fundamentalmente deduzidas pelo R. na contestação que apresentou.

IV. Em processo arbitral, a parte que - confrontada com um juízo explícito do tribunal acerca da irrelevância de certos factos articulados e com a desnecessidade de produção dos meios probatórios requeridos- não deduz qualquer oposição imediata a tal despacho interlocutório, conformando a sua subsequente actuação processual com o teor tal decisão, sem reiterar claramente ao Tribunal a essencialidade das diligências probatórias requeridas, vê precludida a possibilidade de, após prolação da decisão final, vir invocar a anulação da sentença arbitral com fundamento num juízo de irrelevância factual ou probatória com que se conformou.
 

2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:

"[...] o art. 39º da LAV condiciona a possibilidade de os árbitros julgarem segundo a equidade à existência de acordo das partes, deixando, aliás, de se exigir que tal opção das partes constasse da própria convenção de arbitragem ou ocorresse antes da aceitação do primeiro árbitro – nada obstando a que , mesmo em fase adiantada do litígio, as partes possam ainda optar pelo julgamento segundo critérios de equidade, apenas cumprindo acautelar, neste caso, a aceitação de tais critérios decisórios pelos árbitros.

É, porém, evidente, que este regime específico não pode ser convocado e aplicado quando o tribunal arbitral tiver de aplicar uma norma legal cuja fattispecie contiver uma específica remissão para a aplicação pelo tribunal – por qualquer tribunal, estadual ou arbitral, que for chamado a aplicar essa norma – de critérios de equidade no julgamento do pleito: na verdade, neste tipo de situações, o apelo à equidade não resulta de opção das partes, tomada no exercício da sua autonomia da vontade acerca dos critérios que devem presidir à composição do litígio, mas de opção do próprio legislador que considerou mais adequada à peculiar fisionomia do caso a dirimição do litígio segundo critérios que ultrapassam o direito estrito.

Tal distinção encontra, aliás, e desde há muito, suporte na norma constante do art. 4º do CC, destrinçando-se aí claramente os casos em que o recurso à equidade decorre de disposição expressa que o permite das situações em que tal apelo resulta do exercício da autonomia privada, no campo das relações disponíveis: ora, como parece evidente, a norma constante do art. 39º da LAV tem de se relacionar com aquele exercício da autonomia privada, previsto nas alíneas b) e c) do art, 4º do CC – e não com a aplicação de uma norma que expressamente comete ao julgador o encargo de decidir, não segundo critérios de juridicidade e legalidade estrita, mas antes de acordo com a equidade, ou seja, com a busca essencial de uma justiça do caso concreto.

É que, neste caso, o tribunal arbitral, ao apelar à equidade como critério decisório, em cumprimento do expressamente previsto na norma legal convocada e aplicada, está a fazer exactamente o mesmo que qualquer tribunal estadual a que cumprisse aplicar essa norma, obedecendo, não á vontade das partes, mas a uma específica determinação legislativa."

[MTS]