"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/01/2017

Jurisprudência (544)


Caso julgado;
reconvenção; ónus do réu

1. O sumário de RC 11/10/2016 (2560/10.9TBPBL.C1) é o seguinte:

I – A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas.

II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica), não se exigindo a tríplice identidade.

III - Os fundamentos de facto não assumem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado.

IV - Nos casos em que a reconvenção é legalmente imposta ou em que a necessidade resulta indirectamente da lei material, a reconvenção torna-se “necessária ou compulsiva”, logo, na sua falta, o réu fica inibido de propor acção autónoma.

2. Na fundamentação afirma-se o seguinte:

"No Processo nº ... o que ambas as partes discutem é o espaço da cozinha, que os Autores (aqui Réus) dizem pertencer à fracção “A”, de que são proprietários, enquanto que a Ré (aqui Autora) pede em reconvenção a entrega da mesma.

O pedido formulado é o de que seja declarado que “a fracção “A” do prédio identificado no art.1º, onde se inclui a referida cozinha e partes a ela afectas, é propriedade dos Autores” e a entrega da mesma.

Contrariamente ao decidido na sentença, não estamos perante pedidos idênticos, pois nesta acção peticiona-se expressamente a entrega de uma parte da fracção, ocupada ilicitamente pelos Réus, com uma identificação precisa dos espaços, sem qualquer referência à cozinha, logo o efeito jurídico pretendido não é o mesmo.

Aliás, já no acórdão do STJ de 16/10/2012 (fls. 425 e segs.) salientou-se, precisamente, a “inexistência de coincidência identificativa entre as referidas partes da fracções em causa (…)”.

A sentença recorrida diz o seguinte:

Acresce que no âmbito da ação n.º ... a (agora) autora, em sede de contestação, não reivindicou, nem aí alegou em sede de defesa, ser proprietária das divisões agora em causa nesta ação n.º 2.560/10.9TBPBL (cfr. fls. 163 e ss.), o que teria necessariamente de fazer (já que os agora réus aí então o peticionaram) sob pena de preclusão, e sob pena de tais questões, por efeito de autoridade de caso julgado (que abrange as questões que, podendo ser suscitadas, não o foram tempestivamente ou de modo próprio), não mais poderem ser postas em causa, pelo que também não se poderia prevalecer de tal invocação no âmbito desta ação n.º 2.560/10.9TBPBL – arts. 573.º, 580.º, 581.º, do NCPC.”.

Este fundamento tem subjacente a problemática da chamada “reconvenção necessária” e da preclusão, no que tange à falta de exercício da reconvenção, sendo que segundo determinado entendimento a preclusão pode integrar-se no âmbito da autoridade do caso julgado (cf., por ex., Ac STJ de 29/5/2014 (proc. nº 1722/12), em www dgsi.pt ), embora para TEIXEIRA DE SOUSA ainda que a preclusão possa operar através do caso julgado, ela assume autonomia, porque dele se emancipou (cf. “Preclusão e Caso Julgado”, publicado no blogue do IPPC, 2016).

Coloca-se, pois, a questão de saber se não tendo a aqui Autora pedido em reconvenção na acção nº ... o reconhecimento do direito de propriedade sobre as divisões identificadas no art.6º da petição e que são “ arrumos (4 divisões), sala de pessoal, sala de refeitório de pessoal, casa de banho, vestiário e arrecadação”, está impedida de o fazer (na presente acção), por força da preclusão.

Para a doutrina clássica, sendo a reconvenção facultativa, ou seja, inexistindo o respectivo ónus da parte, vigora o princípio da liberdade de escolha entre reconvir e acção autónoma.

A doutrina moderna é no sentido de que sempre que a reconvenção seja legalmente imposta ou nos casos em que a necessidade resulta indirectamente da lei material, por assentar nas normas reguladoras dos direitos subjectivos privados, a reconvenção torna-se “necessária ou compulsiva”, logo, na sua falta, o réu fica inibido de propor acção autónoma por força do caso julgado, visto que “o caso julgado cobre (rectius, prelude) o deduzido e o dedutível” (cf. sobre o tema, MIGUEL MESQUITA, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, pág. 415 e segs.). A jurisprudência vem aderindo a este entendimento (cf., por ex., Ac STJ de 10/10/2012 (proc. nº 1999/11), em www dgsi.pt)."
 
3. [Comentário] A reconvenção corresponde a um ónus do demandado, nomeadamente sempre que a mesma se destine a conseguir, em benefício dessa parte, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter (cf. art. 266.º, n.º 2, al. d), CPC). Nesta situação, vale para a reconvenção o mesmo ónus de concentração que vale para a defesa do réu (cf. art. 573.º, n.º 1, CPC): o demandado tem o ónus de deduzir a reconvenção na contestação: Por exemplo: se o autor instaurar uma acção de reivindicação de uma coisa e se o demandado quiser ser reconhecido como proprietário dessa mesma coisa, esta parte tem o ónus de formular a respectiva reconvenção na contestação.
 
MTS