Exercício de mandato judicial; responsabilidade civil do mandatário
1. É o seguinte o sumário de RE 14/572015 (264/08.1TBCTX.E1):
É manifestamente ilícito o comportamento da Ré/advogada, preenchendo os requisitos da obrigação de indemnizar, que aceitando patrocinar os AA. nessa qualidade, não instaurou qualquer acção judicial, fazendo crer aos AA., erroneamente, durante quase dez anos, através de vários expedientes, que já as havia proposto e que as mesmas aguardavam julgamento, deles tendo recebido quantias com essa finalidade.
2. Do acórdão constam as seguintes conclusões:
"-- É manifestamente ilícito o comportamento da Ré/advogada, preenchendo os requisitos da obrigação de indemnizar, que aceitando patrocinar os AA. nessa qualidade, não instaurou qualquer acção judicial, fazendo crer aos AA., erroneamente, durante quase dez anos, através de vários expedientes, que já as havia proposto e que as mesmas aguardavam julgamento, deles tendo recebido quantias com essa finalidade, situação que fez com que a A. passasse por um estado depressivo, sentindo tristeza, ansiedade, apatia e insónia.
--Tendo em conta a gravidade da conduta; a produção de depressão na A. mulher através da violação contratual assinalada por desinteresse pelo seu destino e agravada pelo logro, engano e ocultação; o prolongamento no tempo da conduta ilícita; o surgimento da intervenção no quadro de uma relação jurídica necessariamente remunerada; a importância social e económica da intervenção omitida; a elevada responsabilidade e tecnicidade inerente ao múnus profissional do lesante que afastam o controlo e seguimento apertado e próximo pelo mandante, tudo ponderado, afigura-se justo e adequado compensar os danos em presença, no montante indemnizatório fixado de € 15.000,00.
-- Ao impugnar parte da factualidade articulada na petição inicial, essencial para a pretensão indemnizatória dos AA., querendo levar o tribunal a formar uma convicção errada da realidade por si conhecida no tocante à falta da instauração das acções judiciais que aceitou patrocinar em representação dos AA. e aos motivos concretos dessa atitude, factos estes constitutivos do direito dos AA., afirmando na contestação que nunca os induzira nem os manteve em erro, provando-se, porém, precisamente o contrário, actuou a Ré com manifesta má fé, verificando-se a situação prevista no art.º 456.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC.
-- Quanto à multa, ponderadas todas as circunstâncias a atender, designadamente, tendo em consideração o elevado grau de ilicitude e a intensidade do dolo evidenciados no comportamento em causa, configurando-se uma situação de excepcional gravidade justifica-se a aplicação da norma excepcional do n.º 2 do art.º 27.º do RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02 (aplicável in casu) com a aplicação da multa de 10 UC."
3. O acórdão é interessante, porque, ao contrário do que tem sido frequente na jurisprudência mais recente sobre a responsabilidade civil do mandatário, não sentiu a necessidade de recorrer à tese da perda de chance para apreciar e decidir o caso. Talvez o enquadramento factual do caso tenha levado a RE (tal como já fizera a 1.ª instância) a mover-se no plano tradicional da responsabilidade contratual.
O acórdão confirmou a sanção processual aplicada à mandatária demandada: pelo seu "comportamento malicioso", o acórdão manteve a condenação da mandatária como litigante de má fé, apenas tendo diminuído, por uma questão relacionada com a aplicação da lei no tempo, o montante da respectiva multa.
MTS
"-- É manifestamente ilícito o comportamento da Ré/advogada, preenchendo os requisitos da obrigação de indemnizar, que aceitando patrocinar os AA. nessa qualidade, não instaurou qualquer acção judicial, fazendo crer aos AA., erroneamente, durante quase dez anos, através de vários expedientes, que já as havia proposto e que as mesmas aguardavam julgamento, deles tendo recebido quantias com essa finalidade, situação que fez com que a A. passasse por um estado depressivo, sentindo tristeza, ansiedade, apatia e insónia.
--Tendo em conta a gravidade da conduta; a produção de depressão na A. mulher através da violação contratual assinalada por desinteresse pelo seu destino e agravada pelo logro, engano e ocultação; o prolongamento no tempo da conduta ilícita; o surgimento da intervenção no quadro de uma relação jurídica necessariamente remunerada; a importância social e económica da intervenção omitida; a elevada responsabilidade e tecnicidade inerente ao múnus profissional do lesante que afastam o controlo e seguimento apertado e próximo pelo mandante, tudo ponderado, afigura-se justo e adequado compensar os danos em presença, no montante indemnizatório fixado de € 15.000,00.
-- Ao impugnar parte da factualidade articulada na petição inicial, essencial para a pretensão indemnizatória dos AA., querendo levar o tribunal a formar uma convicção errada da realidade por si conhecida no tocante à falta da instauração das acções judiciais que aceitou patrocinar em representação dos AA. e aos motivos concretos dessa atitude, factos estes constitutivos do direito dos AA., afirmando na contestação que nunca os induzira nem os manteve em erro, provando-se, porém, precisamente o contrário, actuou a Ré com manifesta má fé, verificando-se a situação prevista no art.º 456.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC.
-- Quanto à multa, ponderadas todas as circunstâncias a atender, designadamente, tendo em consideração o elevado grau de ilicitude e a intensidade do dolo evidenciados no comportamento em causa, configurando-se uma situação de excepcional gravidade justifica-se a aplicação da norma excepcional do n.º 2 do art.º 27.º do RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02 (aplicável in casu) com a aplicação da multa de 10 UC."
3. O acórdão é interessante, porque, ao contrário do que tem sido frequente na jurisprudência mais recente sobre a responsabilidade civil do mandatário, não sentiu a necessidade de recorrer à tese da perda de chance para apreciar e decidir o caso. Talvez o enquadramento factual do caso tenha levado a RE (tal como já fizera a 1.ª instância) a mover-se no plano tradicional da responsabilidade contratual.
O acórdão confirmou a sanção processual aplicada à mandatária demandada: pelo seu "comportamento malicioso", o acórdão manteve a condenação da mandatária como litigante de má fé, apenas tendo diminuído, por uma questão relacionada com a aplicação da lei no tempo, o montante da respectiva multa.
MTS