"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/06/2015

Jurisprudência (154)


Direito de retenção; graduação de créditos


1, É o seguinte o sumário de RP 1/6/2015 (3487/12.5TBVFR-B.P1):

I - A sentença proferida em sede de acção declarativa que reconheça ao credor reclamante a existência do direito de retenção não constitui caso julgado contra o credor hipotecário que não interveio nessa acção, não lhe sendo por isso oponível.

II - Todavia, não tendo o credor hipotecário, em sede de reclamação de créditos, deduzido qualquer impugnação ao crédito garantido pelo direito de retenção, conforme lhe competia e com base em qualquer outro fundamento, para além dos elencados nos artigos 729.º e 730.º do CPCivil, dever-se-á ter como reconhecido o crédito assente nesse direito de retenção e graduá-lo em conformidade.

III - O crédito assim reconhecido prefere nos termos do artigo 759.º, n.º 2, do CCivil à hipoteca.

2. Convém conhecer esta passagem da fundamentação do acórdão:

«É certo que se podem colocar reservas a esta solução legal, à semelhança do que se fez quanto aos privilégios imobiliários gerais.  

Mas a situação de prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca não é equiparável à dos privilégios imobiliários gerais, a qual justificou a intervenção do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas que conferiam à Fazenda Nacional e à Segurança Social tal tipo de privilégios na interpretação de que estes preferem à hipoteca nos termos do artigo 751.º do Cód. Civil[...].

Nestes arestos, a argumentação do Tribunal Constitucional centrou-se no facto de os créditos privilegiados não terem conexão alguma com a coisa objecto da garantia, e, ainda, porque o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras à Fazenda Nacional ou à Segurança Social.

Situação bem diferente da que se verifica com o direito de retenção, em que a prevalência deste sobre a hipoteca encontra a sua razão de ser precisamente na especial conexão que existe entre o imóvel e o crédito garantido pelo direito de retenção[...]
 
Não colhe também aqui a argumentação dos que elegem a publicidade como valor prioritário.
 
Na verdade, o apelo às normas e princípios de direito registral não tem qualquer justificação, perante um direito, como é o “direito de retenção”, que se traduz em actos de habitação ou de posse, em si mesmos públicos.
 
Como bem se refere no acórdão do S.T.J. de 18-09-2007[...] “a não registabilidade do direito de retenção de que beneficia o promitente-comprador de um imóvel, por ter havido “traditio”, não exprime a existência de “ónus oculto”, em contraponto com o regime da hipoteca voluntária que tem necessariamente de ser levada ao registo (…).
 
(…) Como escreve Galvão Teles (…), os credores não podem queixar-se pelo facto de o direito de retenção não estar sujeito a registo. Em primeiro lugar, porque o registo não é aplicável a todas as coisas, inclusive a todos os imóveis (pense-se nos privilégios creditórios). Depois, e esta é uma ideia relevante, o direito de retenção envolve por si publicidade de facto. Os credores hipotecários só têm que averiguar quem na realidade habita ou tem a posse do prédio. Não se diga que estão em causa direitos fundamentais, que não é o caso. Nem se pode falar de direitos análogos a direitos, liberdades e garantias. Está em causa apenas a organização económica dos bens. Ora, não se vê que a concessão do direito de retenção ao promitente-comprador viole qualquer desses direitos dos credores hipotecários”».

MTS