"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/06/2015

Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (2)



1. Um oportuno pedido de esclarecimento possibilita a análise de uma questão diferente daquela que foi referida no anterior post sobre a alegação de um contracrédito do executado sobre o exequente como fundamento de oposição à execução. Trata-se agora de saber qual o tratamento que deve ser dado no processo executivo à extinção do crédito que era objecto de uma acção declarativa como consequência de uma compensação extrajudicial realizada antes ou na pendência desta acção. A resposta a esta questão permite completar o panorama da compensação como fundamento da oposição à execução.

2. A primeira observação que deve ser feita é a de que a compensação pode ser judicial ou extrajudicial:

-- A compensação judicial é aquela que é obtida em juízo como consequência da dedução e procedência do respectivo pedido reconvencional (cf. art. 266.º, n.º 2, al., c), CPC); a compensação é judicial quando o réu alega um contracrédito sobre o demandante e quer obter a compensação dos créditos em juízo; dito de outra forma: a compensação judicial deduzida através do pedido reconvencional destina-se a obter uma decisão judicial que declare a extinção dos créditos recíprocos do autor e do réu; 

-- A compensação extrajudicial é aquela que opera mediante declaração de uma das partes à outra (cf. art. 848.,º n.º 1, CC); a invocação da compensação extrajudicial em juízo não implica a dedução de nenhum pedido reconvencional, mas apenas a invocação da extinção do crédito alegado pelo autor como consequência daquela compensação, ou seja, a alegação de um facto extintivo deste crédito e, portanto, de uma excepção peremptória (cf. art. 576.º, n.º 1 e 3, CPC); noutros termos: a compensação extrajudicial já operou a extinção recíproca dos créditos, pelo que a única coisa que o demandado pode (e tem de) alegar em juízo é esta extinção, bastando-lhe invocar, para isso, a correspondente excepção peremptória.

Se a compensação extrajudicial tiver operado antes ou na pendência da acção declarativa, o problema passa a ser o de saber se o réu demandado tem o ónus de invocar nessa acção a correspondente excepção peremptória. A resposta não pode deixar de ser afirmativa: o réu tem o ónus de alegar essa excepção na contestação (cf. art. 573.º, n.º 1, CPC) ou de, através de um articulado superveniente, dar conhecimento ao tribunal do facto extintivo que se tenha produzido posteriormente (cf. art. 588.º, n.º 1 e 3, e 611.º, n.º 1, CPC). A invocação da compensação extrajudicial deve ter o mesmo tratamento de qualquer outro facto extintivo do crédito alegado pelo autor (como, por exemplo, o cumprimento). 

Uma consequência importante do afirmado é que a falta de invocação do facto extintivo decorrente da compensação extrajudicial implica a preclusão da sua alegação na acção executiva. Não há aqui nenhuma especialidade da compensação: a preclusão que vale para a compensação vale para qualquer outro facto extintivo do crédito exequendo. Como se trata, não de produzir a compensação em juízo, mas de alegar a extinção do crédito exequendo por compensação extrajudicial, a situação é subsumível, não ao estabelecido no art. 729.º, al. h), CPC, mas antes ao disposto no art. 729.º, al. g), CPC.

3. Em conclusão, há que distinguir, tanto no plano da acção declarativa, como no da acção executiva, entre a compensação judicial e a compensação extrajudicial:

-- A compensação judicial opera, no âmbito do processo declarativo, através da reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e constitui um possível fundamento de oposição à execução (cf. art. 729.º, al. h), CPC); dado que não há nenhum ónus de provocar a compensação judicial no processo declarativo (porque, ao contrário do ónus de excepcionar, não há, neste caso, nenhum ónus de reconvir), não se verifica nehuma preclusão quanto à produção da compensação no processo executivo através da dedução dos correspondentes embargos;

-- A compensação extrajudicial opera, no âmbito do processo declarativo, como uma excepção peremptória, porque aquela compensação provoca a extinção recíproca dos créditos; como tal, a invocação desta excepção peremptória extintiva no processo declarativo está sujeita ao ónus da concentração da defesa na contestação (cf. art. 573.º, n.º 2, CPC); se aquele facto extintivo for um facto superveniente, o demandado tem o ónus de o invocar num articulado superveniente até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (cf. art. 588.º, n.º 1 e 3, e 611.º, n.º 1, CPC); a alegação da compensação extrajudicial como fundamento de oposição à execução segue -- como, aliás, qualquer outro facto extintivo do crédito exequendo -- o disposto no art. 729.º, al. g), CPC, pelo que se encontra precludida a alegação nesta oposição de uma compensação extrajudicial que não tenha sido oportunamente invocada no processo declarativo.

O afirmado também permite concluir que há um total paralelismo quanto ao tratamento da compensação judicial e da compensação extrajudicial no processo declarativo e no processo executivo:

-- A compensação judicial exige, no processo declarativo, a dedução de um pedido reconvencional (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e, no processo executivo, a dedução de embargos de executado (cf. art. 729.º, al. h), CPC);

-- A compensação extrajudicial permite a invocação de um facto extintivo (e, portanto, de uma excepção peremptória) tanto no processo declarativo (cf. art. 571.º, n.º 2, 572.º, al. c), e 573.º, n.º 1, CPC), como no processo executivo (cf. art. 729.º, al. g), CPC); note-se, no entanto, que a alegação deste facto extintivo na execução só é admissível se sobre o executado não recair o ónus de já o ter alegado no anterior processo declarativo.

MTS