"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/06/2015

Jurisprudência (161)


Investigação da paternidade; prazo de caducidade


I. É o seguinte o sumário de STJ 28/5/2015 (2615/11.2TBBCL.G2.S1)

1. Transitada em julgado a decisão que negou o juízo de inconstitucionalidade relativamente à norma do n.º 1 do art. 1817.º do CC, na sua actual redacção (em conexão com a norma do art. 1873.º, respeitante ao prazo geral de caducidade da acção de investigação da paternidade) e prosseguindo a acção exclusivamente para apreciação da caducidade em função do decurso ou não do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817.º, n.º 3, al. c) (conhecimento de factos supervenientes que justifiquem a propositura da acção), está precludida a possibilidade de ser retomada a questão da inconstitucionalidade daquele primeiro normativo, ainda que com invocação de outro fundamento jurídico.

2. A tutela constitucional do direito à identidade pessoal não é incompatível com o estabelecimento de prazos para a propositura da acção de investigação da paternidade, designadamente com a previsão do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817.º, n.º 3, al. c), do CC, contado a partir do conhecimento, pelo investigante, de factos ou de circunstâncias justificativas da investigação da sua paternidade.

3. O facto de em certas acções de investigação da paternidade que se encontravam pendentes na data em que, com força obrigatória geral, foi declarada a inconstitucionalidade do preceituado no n.º 1 do art. 1817.º do CC (pelo Ac. do Trib. Const. publicado no D.R., I Série, de 8-2-06) e em acções instauradas entre a referida data e aquela em que entrou em vigor da Lei n.º 14/09, de 1-4, ter sido reconhecido o direito de investigação da paternidade sem interferência de qualquer prazo de caducidade previsto em legislação ordinária não determina a inconstitucionalidade do regime legal contido na actual redacção do art. 1817.º, designadamente do seu n.º 3, quando aplicado às acções de investigação da paternidade instauradas depois da entrada em vigor da Lei nº 14/09, por tal não importar violação do princípio da igualdade.
 
II. Tem interesse conhecer a seguinte parte da fundamentação do acórdão:
 
"4. Na sua anterior redacção, o art. 1817º, nº 1, do CC (aplicável por via do art. 1873º), previa que a acção de investigação de paternidade só poderia ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. Nos normativos subsequentes preveniam-se casos de extensão do prazo de caducidade por motivos de ordem subjectiva relacionados com o conhecimento, por parte do interessado, de algum escrito recognitivo da paternidade ou com a cessação, por parte do investigado, do tratamento do investigante como seu filho, isto é, da posse de estado.

O Tribunal Constitucional, por via de acórdão com força obrigatória geral, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito, na medida em que previa “para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante …” (D. R., I Série, de 8-2-06).

Sucedeu-se, ao menos aparentemente, um vazio legislativo. Uma vez que, em simultâneo com tal declaração de inconstitucionalidade, não foi alterada a redacção do art. 1817º, nº 1, do CC, gerou-se uma situação de indefinição quanto à existência de algum prazo geral para a propositura das acções de investigação de paternidade, a qual apenas foi resolvida com a Lei nº 14/09, de 1-4, que, além de fixar para a acção de investigação da paternidade o prazo geral de 10 anos e de introduzir modificações noutros preceitos, estabeleceu a extensão do prazo de caducidade em casos de conhecimento superveniente de factos ou de circunstâncias justificativas da propositura da acção de investigação.[...]

Não sendo inteiramente líquido se as acções de investigação da paternidade que se encontravam pendentes e as que entretanto foram instauradas naquele período intercalar estavam ou não sujeitas a algum prazo, prevaleceu, contudo, a posição que advogava a ausência de qualquer prazo sustentada, além do mais, na existência de um direito absoluto à verificação de factores essenciais para a identidade pessoal do sujeito como o é a paternidade.

Por este motivo, foram julgadas procedentes acções de investigação da paternidade que foram instauradas depois de ter decorrido o prazo de 2 anos que estivera fixado no art. 1817º, nº 1, do CC (cuja inconstitucionalidade foi declarada) e mesmo depois de transcorrido o prazo de 10 anos que veio a ser fixado pela Lei nº 14/09, no pressuposto de transitoriamente deixou de existir qualquer prazo de caducidade (facto extintivo), sendo os litígios resolvidos de acordo com os factos constitutivos do direito ao estabelecimento da paternidade.

Relativamente às acções que se encontravam pendentes na data da entrada em vigor da Lei nº 14/09, o legislador ainda procurou corrigir a situação, prescrevendo no seu art. 3º a aplicação imediata do novo regime de caducidade aos processos que ainda não se encontravam cobertos por decisão judicial transitada em julgado. Porém, tal norma de direito transitório ordinário confrontou-se com a violação do princípio da protecção da confiança, como foi declarado no Ac. do Trib. Const. de 24-3-11, no D.R., de 13-5-11, ou no Ac nº 323/2013, de 13-5-13, no processo nº 761/12.

Daí decorreu que mesmo certas acções de investigação da paternidade cuja instância ainda se encontrava pendente na data em que entrou em vigor a Lei nº 14/09 foram decididas sem a interferência de qualquer prazo de caducidade, por inaplicabilidade do art. 1817º do CC, na sua nova redacção.

Tal ocorreu designadamente com as que deram origem aos acórdãos deste STJ, de 21-9-10 (Rel. Cardoso Albuquerque), de 24-5-12 (Rel. Granja da Fonseca) ou de 19-6-14 (Rel. Pires da Rosa) (acessíveis através dewww.dgsi.pt).

5. No caso sub judice, porém, não se nos coloca nenhuma das referidas questões. A acção foi instaurada em 6-9-2011, isto é, depois da entrada em vigor o novo regime que em exclusivo é aplicável ao caso.

O facto de naquele período intercalar, entre a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1 do art. 1817º do CC e a alteração introduzida pela Lei nº 14/09, terem sido propostas e julgadas procedentes acções que não sofreram o efeito extinto emergente da caducidade do direito, não permite concluir, como pretende o recorrente, pela inconstitucionalidade do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, que, desde a data de entrada em vigor da referida Lei, rege um dos casos de extensão do prazo de caducidade de acções de investigação da paternidade.

Ou seja, os efeitos jurídicos que, por via directa ou indirecta, foram extraídos do juízo de inconstitucionalidade firmado sobre o que se dispunha na anterior redacção do nº 1 do art. 1817º do CC em determinadas acções já definitivamente julgadas não interferem nem impedem a extracção dos efeitos que decorrem de normas infraconstitucionais que, como a do art. 1817º, nº 3, al. c), foram posteriormente aprovadas.

O sistema normativo, designadamente o que regula a matéria da investigação de paternidade, é por natureza dinâmico, sofrendo modificações impulsionadas pela alteração das circunstâncias de ordem social, por via de meras opções de natureza legislativa ou, como ocorreu no caso, em função das regras de controlo da constitucionalidade.

Naturalmente que é expectável que das modificações legais possa decorrer a modificação do resultado da resolução de conflitos de interesses ou da apreciação de interesses juridicamente relevantes, estando os tribunais obrigados a aplicar em cada momento as normas constitucionais e infraconstitucionais que estejam em vigor e que, de acordo com as regras, sejam aplicáveis a cada caso.

Por isso, o facto de alguns investigantes terem obtido o reconhecimento da paternidade em circunstâncias semelhantes àquelas em que o A. se encontrava e de, por via da caducidade em face do actual regime que é de aplicar, ser negado ao A. esse mesmo efeito não implica, por si, a formulação de um juízo de desconformidade constitucional das normas que ao caso são aplicáveis.

A negação de qualquer violação do princípio da igualdade emerge do simples facto de naquelas acções e na presente acção não existir uma total identidade do regime jurídico que deve ser aplicado, tendo em conta as modificações que entretanto ocorreram e que se repercutem, sem dúvida alguma, nas acções de investigação de paternidade que foram instauradas depois da entrada em vigor do novo regime legal.

Por conseguinte, improcede a argumentação em torno da alegada violação do princípio da igualdade resultante da aplicação ao presente caso do que se dispõe do art. 1817º, nº 3, al. c).
 
MTS