Arrendamento para habitação; despejo;
protecção do inquilino
1. TC 2/6/2015 (297/2015) decidiu:
Julgar inconstitucional a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, no artigo 26.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, ao ofender o direito do arrendatário à permanência no local arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor daquela lei, por violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, integrantes do princípio do Estado de direito democrático contido no artigo 2.º da CRP. [...].
2. Do acórdão consta a seguinte fundamentação:
"5. No caso sub judice encontramo-nos perante um contrato de arrendamento celebrado no ano de 1982, antes portanto do início da vigência do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/1990, de 15 de outubro (diploma que entrou em vigor a 18 de novembro desse ano). O regime aplicável é aquele que resulta do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 6/2006, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (doravante, “NRAU”), normativo que manda aplicar, com as devidas adaptações, o regime previsto no artigo 26.º desse mesmo diploma legal. Ou seja, na parte que aqui releva, a regulamentação do contrato em causa passou a estar submetida aos preceitos do Código Civil, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 6/2006 e, mais recentemente, com as alterações a ambos esses diplomas resultantes da já referida Lei n.º 31/2012.
Com efeito, o artigo 26.º do NRAU, na redação deste último diploma (cfr. o respetivo artigo 4.º), passou a dispor o seguinte:
«1. Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.
(...)
4. Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:
a) Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU.»
Ao limitar a remissão à alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º, o legislador parece ter pretendido impedir os inquilinos de continuar a prevalecer-se do disposto na alínea b) do artigo 107.º do (antigo) RAU, que dispunha:
«(…)
b) Manter-se o arrendatário no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade, ou por um período de tempo mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência deste.»
6. Dito por outras palavras: da alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012 extrai-se, a contrario, que passou a ser desconsiderada a circunstância de o arrendatário permanecer no local arrendado continuamente por período superior a trinta anos.
Aquela alteração foi entendida pelo autor da decisão recorrida no sentido de ser igualmente aplicável também aos casos em que já tivesse decorrido integralmente, no domínio da versão originária do citado artigo 26.º, n.º 4, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, o tempo de permanência do arrendatário no local arrendado.
Assente neste pressuposto interpretativo, a censura constitucional da decisão do tribunal a quo recaiu sobre os preceitos dos artigos 26.º, n.º 4, alínea a), e 28.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
Bem vistas as coisas, este entendimento, compreensível embora, carece de uma clarificação. Aquilo que verdadeiramente está em causa, no plano do juízo de constitucionalidade, é o efeito jurídico da alteração legislativa consubstanciada na limitação da remissão contida na alínea a) do n.º 4 do artigo 26.º do NRAU para a alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, deixando de fora a alínea b) deste mesmo preceito.
Dispondo esta que a circunstância de o arrendatário se manter «no local arrendado há 30 ou mais anos,nessa qualidade, ou por um período de tempo mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência deste» legitimaria a sua oposição à extinção do contrato de arrendamento, concluiu-se na decisão recorrida que deixava de o poder fazer - ainda que, como se disse, o tempo de permanência no local arrendado tivesse decorrido integralmente no âmbito temporal da versão originária do citado artigo 26.º, n.º 4, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU.
O que está em causa é, verdadeiramente, a retroatividade da alteração legislativa, sendo sobre ela que há de recair o juízo de desconformidade ou não desconformidade constitucional. Na verdade, desacautelando os interesses dos arrendatários de longa duração, tornou imediatamente irrelevante, no plano da manutenção do arrendamento, aquela circunstância, debilitando insuportavelmente a situação jurídica dos arrendatários, mesmo que o prazo de trinta anos já tivesse transcorrido por completo à data da entrada em vigor da Lei n. 31/2012 eos arrendatários tivessem, por tal motivo, adquirido o direito à permanência no local arrendado com base na lei então em vigor".
MTS