"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/09/2015

Jurisprudência (197)



Plano de recuperação; contratos bilaterais


1. O sumário de RL 10/9/2015 (442/14.4T8VFX-A.L1-6) é o seguinte: 

Os créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações, recíprocas e sinalagmáticas, ainda não foram cumpridas, não podem ser afectados pelo plano de recuperação, no âmbito do processo especial de revitalização (PER), sem o acordo da contraparte.

2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte trecho:

«No caso de insolvência o art.º 102.º do CIRE [...] prevê que, no caso de “qualquer contrato bilateral em que, à data da insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.” A opção pelo cumprimento pressupõe a susceptibilidade do cumprimento pontual das obrigações contratuais, por parte da massa insolvente (vide art.º 102.º n.º 4). Em caso de recusa de cumprimento, deixam de existir prestações recíprocas, podendo constituir-se a favor de um das partes um crédito pecuniário sobre a outra, de acordo com as regras previstas no n.º3 do art.º 102.º.

Sucede, porém, que no PER, os contratos bilaterais não se suspendem no seu decurso, nem o administrador judicial provisório ou o devedor podem optar pela sua recusa ou cumprimento. Isto é, o devedor pode como é evidente deixar de cumprir o contrato, voluntariamente, mas as suas obrigações não se extinguem e o seu cumprimento pode ser imposto por via da acção de cumprimento e da execução ( art.º 817.º do Código Civil) e da execução específica.

Assim, no PER, mantém-se as obrigações recíprocas e sinalagmáticas. Se, como vimos a modificação unilateral do contrato não é permitida num processo de insolvência, muito menos seria admissível num processo especial de revitalização, em que nem o administrador judicial provisório, nem o devedor podem optar por recusar o cumprimento do contrato e o devedor não se encontra sequer numa situação de insolvência actual [Salazar Casanova/Sequeira Dinis, PER / O Processo Especial de Revitalização (Coimbra Editora 2014), p. 67-70]. Portanto, “os créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações, recíprocas e sinalagmáticas, ainda não foram cumpridas, não podem ser afectados pelo plano de recuperação, sem o acordo da contraparte. Com efeito, alterar unilateralmente as obrigações de uma parte, mantendo inalteradas as da contraparte, afectaria o sinalagma contratual e redundaria numa verdadeira modificação do contrato.

A modificação dos contratos apenas é possível nos termos do art.º 437.º do Código Civil (…). Um plano não pode introduzir modificações contratuais contra a vontade das contrapartes. Também no processo de insolvência isso não pode suceder. (…) A modificação unilateral do contrato consubstanciaria a imposição ao credor, contra a sua vontade, de uma diferente relação jurídica e posição contratual, o que seria uma afronta grave e injustificável aos seus direitos" [Idem, p. 69].»
 
MTS