"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/07/2015

Jurisprudência (172)


Processo penal; pedido de indemnização civil; dupla conforme


O sumário de STJ 18/6/2015 (623/10.T3SNT.L1.S1) é o seguinte:

I — Como a recorribilidade para o STJ da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (cf.
maxime arts. 400.º, n.º 1, al. f), e 432,º, n.º 1, ambos do CPP) e como este critério de recorribilidade não demonstra virtualidade de aplicação, por razões óbvias, quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de indemnização civil, a admissibilidade de recurso para este Supremo Tribunal de decisão que incida sobre a matéria cível passou a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico vertido no CPC, já que se abandonou, nesta sede, a indexação aos critérios de recorribilidade da matéria criminal.

II — No que diz respeito à admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos (ou dos seus segmentos decisórios) que versem matéria cível, procurou-se estabelecer uma igualdade entre a ação civil enxertada em processo penal e aquela que se mostra deduzida, de modo autónomo, em ação de cunho exclusivamente civil, de modo a que a diferente forma de dedução (enxertada ou autónoma) do pedido de indemnização cível não venha a ter qualquer influência nas legítimas expectativas dos sujeitos processuais no que diz respeito às possibilidades de acesso, em sede de recurso, aos tribunais hierarquicamente superiores.

III — O regime de (in)admissibilidade de recurso, em caso de dupla conforme, tem aplicação a todos os processos cíveis instaurados após o dia 01 de Janeiro de 2008, desde que as decisões recorridas tenham sido proferidas após a data da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, ocorrida no dia 01 de Setembro de 2013, conforme decorre, a contrario, da norma transitória vertida no art. 7.º deste diploma legal.

IV — Por força do art. 7.º da Lei 41/2013, é de aplicar o regime dos recursos decorrente do DL n.º 303/2007, de 24.08, às decisões judiciais proferidas a partir da entrada em vigor dessa Lei (ou seja, após o dia 01 de Setembro de 2013, por força do disposto no art. 8.º da Lei 41/2013) quanto aos processos cíveis instaurados antes do dia 01 de Janeiro de 2008, desde logo,
a contrario, é de aplicar, de pleno, o regime de (in)admissibilidade dos recursos constante do novo CPC (maxime o seu art. 671.º), aos processos cíveis instaurados e às decisões judiciais proferidas após essas datas

V — “Confirmação” significa coincidência decisória entre o acórdão do Tribunal da Relação e a sentença ou acórdão do tribunal de 1.ª instância, o que abrange, quer a coincidência total dos segmentos decisórios em confronto (o que se obtém mediante a confirmação pela Relação de toda a decisão do tribunal de 1.ª instância), quer a coincidência parcial, desde que a decisão contenha segmentos distintos e autónomos, em que, naturalmente, quanto aos mesmos, ocorra confirmação do decidido.

VI — “Fundamentação essencialmente diferente” significa que não é toda e qualquer divergência, por mais insignificante e por mais irrelevante que seja, entre a decisão do tribunal de 1.ª instância e a decisão do tribunal de recurso, que obsta à formação da denominada dupla conforme. Exigem-se divergências marcantes, importantes ou significativas entre essas decisões judiciais, em termos de qualificação ou de enquadramento jurídico, no tocante a aspectos que não sejam acessórios ou secundários para a discussão ou julgamento da causa.

VII — Mostrando-se confirmada, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão em sede de recurso no respeitante aos fundamentos da responsabilidade civil improcede o recurso interposto na parte relativa aos pressupostos da responsabilidade civil.

VIII — Quanto aos pedidos de indemnização civil realizados pela Segurança Social aplica-se a legislação especial existente para a Segurança Social, quer no que diz respeito ao início da mora, quer no que diz respeito à taxa dos juros de mora.

IX — Quanto à taxa dos juros de mora, entende-se que o tribunal deve atender à legislação especial existente sobre esta matéria, muito em particular não pode deixar de considerar a taxa de juros de mora das dívidas ao Estado e a outras pessoas coletivas públicas, resultante do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, com as alterações posteriormente introduzidas.

X — De acordo com o art. 559.º, n.ºs 1 e 2, do CC, sob a epígrafe “taxa de juros”, por regra, são devidos os denominados juros legais, os juros civis, atualmente fixados em 4%, por força do disposto na Portaria n.º 291/03, de 08.04. Todavia, admite-se regime diverso, se for estipulada em legislação especial uma taxa de juros diferente. É esta precisamente a situação da Segurança Social, em que, por força da lei (ou seja, por força do disposto no art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, com as suas sucessivas alterações), se mostram estipulados juros de mora de taxa diferente da resultante da aplicação da Portaria n.º 291/03, de 08.04.
 
2. Convém conhecer o seguinte trecho que consta da fundamentação (ao qual se acrescentou as hiperligações disponíveis):

"Ao estabelecer no n.º 3 do art. 400.º do CPP que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, o legislador fez apelo, até por força do estatuído pelo art. 4.º do CPP, para o regime de admissibilidade dos recursos, interpostos para este Supremo Tribunal dos acórdãos proferidos em recurso pelo Tribunal da Relação, que se mostrava previsto para os processos de natureza exclusivamente civil, maxime pelos arts. 721.º e ss. do CPC, então em vigor.
 
Como a recorribilidade da matéria civil deixou de estar dependente da própria recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria criminal, como até aí sucedia, o acesso em sede de recurso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no CPC, na medida em que o legislador processual penal, ao introduzir o n.º 3 ao citado art. 400.º, não definiu normas próprias de admissibilidade de recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve levar o julgador, perante isto, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil, assim se estabelecendo um mesmo regime de admissibilidade do recurso referente a pedidos de indemnização civil, quer sejam processados por apenso ao processo penal, quer o sejam em separado.
 
Explicando melhor:
 
Como a recorribilidade para o STJ da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (cf. maxime arts. 400.º, n.º 1, al. f), e 432,º, n.º 1, ambos do CPP) e como este critério de recorribilidade não demonstra virtualidade de aplicação, por razões óbvias, quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de indemnização civil, a admissibilidade de recurso para este Supremo Tribunal de decisão que incida sobre a matéria cível passou a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico vertido no CPC, já que se abandonou, nesta sede, a indexação aos critérios de recorribilidade da matéria criminal.

Assim, no que diz respeito à admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos (ou dos seus segmentos decisórios) que versem matéria cível, procurou-se estabelecer uma igualdade entre a ação civil enxertada em processo penal e aquela que se mostra deduzida, de modo autónomo, em ação de cunho exclusivamente civil, de modo a que a diferente forma de dedução (enxertada ou autónoma) do pedido de indemnização cível não venha a ter qualquer influência nas legítimas expectativas dos sujeitos processuais no que diz respeito às possibilidades de acesso, em sede de recurso, aos tribunais hierarquicamente superiores. Aliás, em conformidade com a exposição de motivos da proposta de lei n.º 109/X (que deu origem à versão atual do art. 400.º, n.º 3 do CPP), onde se afirmou: “Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal”, querendo assim afirmar a igualdade quanto ao que sucederia em processo civil.

Acresce que, e seguindo os argumentos deste Tribunal em acórdão proferido no âmbito do processo n.º 168/11.0GBSVV.C1.S1 (relator: Juiz Conselheiro Manuel Braz), “[n]ão existe, efectivamente, razão para que em relação a duas acções civis idênticas haja diferentes graus de recurso apenas em função da natureza civil ou penal do processo usado, quando é certo que neste último caso a acção civil conserva a sua autonomia. Pode mesmo dizer-se que outro entendimento que não o aqui defendido conduziria ao inquinamento da decisão a tomar pelo lesado nos casos em que a lei lhe permite deduzir em separado, perante os tribunais civis, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime. Pense-se, por exemplo, no caso de danos ocasionados pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência da previsão do art.º 148º, n.º 3, do CP, em que o pedido de indemnização tanto pode ser formulado em processo civil como no processo penal, nos termos do art.º 72.º, n.º 1, alínea c), do CPP. A opção pelo processo civil estaria clara e injustificadamente condicionada, se a norma limitativa do n.º 3 do art.º 671.º [leia-se 721.º na versão anterior do CPC] do CPC não se aplicasse ao pedido deduzido no processo penal.”
 
E assim, a jurisprudência do STJ, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no CPC tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal (cf., neste sentido, entre muitos outros, Acs. do STJ de 29.09.2010, Proc. n.º 343/05.7TAVFN.P1.S1, de 07.04.2011, Proc. n.º 4068/07.0TDPRT.G1.S1, de 22.06.2011, Proc. n.º 444/06.4TASEI.L1.S1, de 30.11.2011, Proc. n.º 401/06.0GTSTR.E1.S1, de 15.12.2011, Proc. n.º 53/04.2IDAVR.P1.S1, de 19.09.2012, Proc. n.º 13/09.7GTPNF.P2.S1, de 13.02.2013, Proc. n.º 707/10.4PCRGR.L1.S1, de 14.03.2013, Proc. n.º 610/04.7TAPVZ.P1.S1, de 12.06.2013, Proc. n.º 123/09.0GCTND.C1.S1, de 30.10.2013, Proc. n.º 150/06.0TACDR.P1.S1, de 06.03.2014, Proc. n.º 89/01.5IDLSB.L1.S1, e de 10.04.2014, Proc. n.º 378/08.8JAFAR.E3.S1)."
 
MTS