"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/07/2015

Jurisprudência (181)



Depoimento de parte; falta de fundamentação; nulidade da sentença



1. O sumário de RL 17/6/2015 (8 594/10.6TBOER.L1-2) é o seguinte:

I. O depoimento de parte, não podendo ser aproveitado para efeitos confessórios, pode ser apreciado livremente e, sendo convincente, influir na decisão.
 
II. No âmbito da nulidade da sentença prevista no art. 668.º do Código de Processo Civil/1961, não se incluía a falta de fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, a qual, existindo, causaria uma nulidade processual, por omissão de ato prescrito por lei, com influência no exame ou na decisão da causa, ou, sendo insuficiente, determinaria nova fundamentação, a requerimento da parte.
 
III. Apesar da integração da decisão sobre a matéria de facto na sentença, a arguição de vícios na fundamentação não se alterou, continuando a ter o mesmo tratamento jurídico, com a exceção de poder ser determinada, oficiosamente, outra fundamentação.
 
IV. Não é insuficiente a fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, quando através da sua motivação se compreende suficientemente bem as razões determinantes da livre convicção do julgador.
 

2. Não parece que a RL tenha decidido bem quando considerou que a falta de fundamentação do julgamento da matéria de facto não constitui uma nulidade da sentença nos termos do estabelecido no art. 615.º, n.º 1, al. b), CPC. Questão diferente é a de saber se, no caso concreto, essa falta de fundamentação realmente existia.

Toda a decisão final de uma causa comporta elementos de facto e de direito (cf. art. 607.º, n.º 3, CPC), pelo que essa decisão deve integrar uma fundamentação quanto à matéria de facto e uma fundamentação distinta quanto à matéria de direito. A nulidade da sentença que decorre da falta da especificação dos fundamentos de facto e de direito (cf. art. 615.º, n.º 1, al. b), CPC) não deixa de existir quando o tribunal enuncia a regra aplicável, mas, num caso em que a qualificação dos factos é discutível ou em que o sentido da fonte pode ser discutido, não justifica por que razão considera aplicável a regra ao caso concreto ou por que motivo faz uma determinada interpretação da respectiva fonte. Correspondentemente, a nulidade da sentença não deixa de se verificar se o tribunal enunciar os factos relevantes para a decisão da causa, mas não justificar a valoração que tenha levado a considerar esses factos provados ou não provados.

O art. 607.º, n.º 3, CPC exige que o juiz, na fundamentação da sentença, discrimine os factos que considera provados e quais os que julga não provados. A este enunciado não pode deixar de ser inerente a especificação dos fundamentos pelos quais o tribunal julga os factos provados ou não provados, pois que só assim se dá cumprimento à obrigação de fundamentação das decisões que não sejam de mero expediente (cf. art. 205.º, n.º 1, CRP; art. 154.º, n.º 1, CPC). Além disto, a orientação defendida pela RL conduz a uma distinção entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, dado que a falta daquela primeira, ao contrário da falta desta última, não origina uma nulidade da sentença, o que é contrário ao tratamento unitário da omissão de qualquer destas fundamentações no art. 615.º, n.º 1, al. b), CPC.

MTS