"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/07/2015

Nulidade da notificação do requerimento de injunção (3)




A injunção e as regras da citação de pessoas colectivas


Através de alguns processos de execução em que o título executivo é o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, foi-nos possível perceber que o Balcão Nacional de Injunções está a aplicar as novas regras da citação de pessoas colectivas, nomeadamente os n.ºs 2 e 4 do art. 246.º do nCPC, à notificação do requerimento de injunção. 

O procedimento adoptado parece ser este: o Balcão Nacional de Injunções ignora a morada indicada no requerimento de injunção, efectua de imediato pesquisa da morada constante do ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, e, sendo a morada encontrada diferente daquela que foi indicada pelo requerente, remete a carta postal, relativa à notificação prevista no art. 13.º do Regime Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, para a sede ali inscrita.

Em caso de frustração dessa notificação, por motivo diferente da recusa de assinatura do aviso de recepção ou de recebimento da carta (cf. art. 3.º do Dec.-Lei n.º 269/98), o Balcão Nacional de Injunções envia a carta postal respeitante à segunda tentativa para a mesma sede (cf. n.º 4 do art. 246.º do nCPC), e, se o funcionário dos serviços postais depositar o registo no receptáculo postal e anotar o aviso de recepção, dando conta de que o registo foi depositado[1], aquele Balcão considera reunidos os pressupostos para apor no requerimento de injunção a fórmula executória, caso a requerida não deduza oposição.

O procedimento descrito, adoptado pelo Balcão Nacional de Injunções, tem uma importante consequência prática: a entender-se como correcta a aplicação directa das novas regras da citação de pessoas colectivas ao procedimento de injunção (previsto e regulado no Capítulo II do Regime Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98), presume-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados pelo distribuidor do serviço postal. Esta cominação decorre do n.º 2 do art. 230.º do nCPC, disposição para a qual remete o n.º 4 do art. 246.º do nCPC. 

A presunção de que o destinatário da notificação teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados é uma presunção juris et de jure[2], em perfeita consonância com a existência de convenção/acordo escrito sobre a domiciliação dos contraentes (cf. art. 229.º, do nCPC); de acordo com a natureza desta presunção, é inoponível ao autor qualquer alteração da morada convencionada do réu, salvo se este tiver notificado aquele dessa alteração, mediante carta registada com aviso de recepção, em data anterior à propositura da acção, por modo que, se essa alteração de domicílio não for comunicada, é irrelevante que o aviso de recepção haja sido assinado por pessoa diversa do citando ou a carta não seja levantada no estabelecimento postal.

Por sua vez, a remissão operada pelo n.º 4 do art. 246.º do nCPC para o regime geral da citação quando exista domicílio convencionado também faz sentido, na medida em que o n.º 2 do citado art. 246.º é uma norma preceptiva, ou seja, consagra uma obrigatoriedade de domicílio para as pessoas colectivas, correspondente à sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

Se, nesta perspectiva, o regime legal tem coerência, já o mesmo não se pode afirmar quando se sustenta a aplicação do mesmo regime ao procedimento de injunção, porque quando a morada da sede efectiva da sociedade requerida não é aquela que consta do ficheiro central de pessoas colectivas, mas antes a que foi indicada pelo credor no requerimento de injunção (cf. art. 10.º, n.º 2, al. c), do Regime Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98), não se pode ficcionar a recepção da carta postal relativa à sua notificação.

Dito por outras palavras: quando a sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas não corresponda à morada indicada pelo requerente, não se pode impedir que a sociedade requerida, no âmbito dos embargos deduzidos à execução baseada em requerimento de injunção ao qual haja sido aposta fórmula executória, demonstre que estava ausente do local onde foi deixado o depósito do registo no dia em que aquele foi anotado no aviso de recepção pelo distribuidor do serviço postal, porque, por exemplo, havia alterado, entretanto, a sua sede. Se a sociedade devedora fizer prova de que na data do depósito do registo já não tinha a sua sede no local inscrito naquele ficheiro central, mas antes na morada indicada pelo credor no requerimento de injunção, não se formou título executivo, por falta de notificação do requerimento de injunção.

A razão para se permitir que a sociedade requerida faça prova da nova sede reside na circunstância de a mais recente reforma processual civil, implementada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, não ter introduzido nenhuma modificação nos procedimentos previstos no Regime Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98. Não é, por isso, aceitável que o Balcão Nacional de Injunções possa aplicar directamente à notificação do requerimento de injunção as novas regras previstas por esta reforma para a citação de pessoas colectivas, sem que antes o legislador altere o Regime dos Procedimentos para o cumprimento de Obrigações Pecuniárias (RPOP). Ou seja, até essa alteração ocorrer, o Balcão Nacional de Injunções deve tratar a notificação do requerimento de injunção, observando os procedimentos de notificação previstos nos arts. 12.º e 12.º-A daquele regime jurídico, independentemente de o requerido ser pessoa singular ou pessoa colectiva. É preciso não esquecer que o RPOP contém um regime especial perante aquele que consta do Código de Processo Civil, por modo que o regime da citação prevista neste Código só é aplicável à notificação do requerimento de injunção em tudo o que não contenda com as especificidades desse regime jurídico.

Imagine-se, agora, que, no âmbito do processo de embargos, a sociedade requerida e já executada demonstra que a sua sede actual é na morada indicada pelo credor no requerimento de injunção, que é diferente da sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Esta hipótese implica a falta do próprio título executivo (cf. arts. 726.º, n.º 2, al. a), 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do nCPC), pois o n.º 3 do art. 12.º do RPOP é suficientemente explícito de que o recurso às bases de dados só ocorre quando se tenha frustrado a notificação do requerido por carta registada com aviso de recepção postal, enviada, naturalmente, para a morada indicada pelo credor requerente (cf. art. 10.º, n.º 2, al. c) do RPOP).

Como a notificação da sociedade requerida, por carta registada com aviso de recepção, nunca chegou a ser efectuada para o local da sede no momento do depósito do registo, não se pode afirmar que existe uma possibilidade forte de a notificação ter sido conhecida pela requerida, o que implica a falta de notificação do requerimento de injunção (cf. art. 188.º, n.º 1, al. e), do nCPC). Foi assim em vão o esforço do Balcão Nacional de Injunções, também para desespero do credor que efectuou diligências prévias no sentido de encontrar a nova morada (diferente da sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas).

J. H. Delgado de Carvalho




[1] No entanto, para isso é necessário que o receptáculo exista e esteja acessível (desimpedido). Não havendo receptáculo ou não estando acessível, o registo é devolvido ao remetente, dando conta de que a entrega não foi possível e o receptáculo não existe ou não está acessível.
[2] Ao prazo de defesa, haverá que acrescentar o prazo da dilação (cf. art. 245.º, n.º 3, do nCPC).