A injunção e as regras da citação de pessoas colectivas
Através de alguns processos de execução
em que o título executivo é o requerimento de injunção ao qual foi aposta
fórmula executória, foi-nos possível perceber que o Balcão Nacional de
Injunções está a aplicar as novas regras da citação de pessoas colectivas,
nomeadamente os n.ºs 2 e 4 do art. 246.º do nCPC, à notificação do requerimento
de injunção.
O procedimento adoptado parece ser este:
o Balcão Nacional de Injunções ignora a morada indicada no requerimento de
injunção, efectua de imediato pesquisa da morada constante do ficheiro central
de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, e, sendo a
morada encontrada diferente daquela que foi indicada pelo requerente, remete a
carta postal, relativa à notificação prevista no art. 13.º do Regime Anexo ao
Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, para a sede ali inscrita.
Em caso de frustração dessa notificação,
por motivo diferente da recusa de assinatura do aviso de recepção ou de
recebimento da carta (cf. art. 3.º do Dec.-Lei n.º 269/98), o Balcão Nacional
de Injunções envia a carta postal respeitante à segunda tentativa para a mesma
sede (cf. n.º 4 do art. 246.º do nCPC), e, se o funcionário dos serviços
postais depositar o registo no receptáculo postal e anotar o aviso de recepção,
dando conta de que o registo foi depositado[1],
aquele Balcão considera reunidos os pressupostos para apor no requerimento de
injunção a fórmula executória, caso a requerida não deduza oposição.
O procedimento descrito, adoptado pelo
Balcão Nacional de Injunções, tem uma importante consequência prática: a entender-se
como correcta a aplicação directa das novas regras da citação de pessoas
colectivas ao procedimento de injunção (previsto e regulado no Capítulo II do
Regime Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98), presume-se que o destinatário teve
oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados pelo distribuidor do
serviço postal. Esta cominação decorre do n.º 2 do art. 230.º do nCPC,
disposição para a qual remete o n.º 4 do art. 246.º do nCPC.
A presunção de que o destinatário da
notificação teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados é
uma presunção juris et de jure[2], em perfeita
consonância com a existência de convenção/acordo escrito sobre a domiciliação
dos contraentes (cf. art. 229.º, do nCPC); de acordo com a natureza desta
presunção, é inoponível ao autor qualquer alteração da morada convencionada
do réu, salvo se este tiver notificado aquele dessa alteração, mediante carta
registada com aviso de recepção, em data anterior à propositura da acção, por
modo que, se essa alteração de domicílio não for comunicada, é irrelevante que
o aviso de recepção haja sido assinado por pessoa diversa do citando ou a carta
não seja levantada no estabelecimento postal.
Por sua vez, a remissão operada pelo n.º
4 do art. 246.º do nCPC para o regime geral da citação quando exista domicílio
convencionado também faz sentido, na medida em que o n.º 2 do citado art. 246.º
é uma norma preceptiva, ou seja, consagra uma obrigatoriedade de domicílio para
as pessoas colectivas, correspondente à sede inscrita no ficheiro central de
pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
Se, nesta perspectiva, o regime legal tem
coerência, já o mesmo não se pode afirmar quando se sustenta a aplicação do
mesmo regime ao procedimento de injunção, porque quando a morada da sede
efectiva da sociedade requerida não é aquela que consta do ficheiro central de
pessoas colectivas, mas antes a que foi indicada pelo credor no requerimento de
injunção (cf. art. 10.º, n.º 2, al. c), do Regime Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98),
não se pode ficcionar a recepção da carta postal relativa à sua notificação.
Dito por outras palavras: quando a sede
inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas não corresponda à morada
indicada pelo requerente, não se pode impedir que a sociedade requerida, no
âmbito dos embargos deduzidos à execução baseada em requerimento de injunção ao
qual haja sido aposta fórmula executória, demonstre que estava ausente do local
onde foi deixado o depósito do registo no dia em que aquele foi anotado no
aviso de recepção pelo distribuidor do serviço postal, porque, por exemplo,
havia alterado, entretanto, a sua sede. Se a sociedade devedora fizer prova de
que na data do depósito do registo já não tinha a sua sede no local inscrito
naquele ficheiro central, mas antes na morada indicada pelo credor no
requerimento de injunção, não se formou título executivo, por falta de
notificação do requerimento de injunção.
A razão para se permitir que a sociedade
requerida faça prova da nova sede reside na circunstância de a mais recente
reforma processual civil, implementada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, não
ter introduzido nenhuma modificação nos procedimentos previstos no Regime Anexo
ao Dec.-Lei n.º 269/98. Não é, por isso, aceitável que o Balcão Nacional de
Injunções possa aplicar directamente à notificação do requerimento de injunção as
novas regras previstas por esta reforma para a citação de pessoas colectivas,
sem que antes o legislador altere o Regime dos Procedimentos para o cumprimento
de Obrigações Pecuniárias (RPOP). Ou seja, até
essa alteração ocorrer, o Balcão Nacional de Injunções deve tratar a
notificação do requerimento de injunção, observando os procedimentos de
notificação previstos nos arts. 12.º e 12.º-A daquele regime jurídico, independentemente
de o requerido ser pessoa singular ou pessoa colectiva. É preciso não esquecer
que o RPOP contém um
regime especial perante aquele que consta do Código de Processo Civil, por modo
que o regime da citação prevista neste Código só é aplicável à notificação do
requerimento de injunção em tudo o que não contenda com as especificidades desse
regime jurídico.
Imagine-se, agora,
que, no âmbito do processo de embargos, a sociedade requerida e já executada
demonstra que a sua sede actual é na morada indicada pelo credor no
requerimento de injunção, que é diferente da sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas
do Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Esta hipótese implica a falta do próprio
título executivo (cf. arts. 726.º, n.º 2, al. a), 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do
nCPC), pois o n.º 3 do art. 12.º do RPOP é suficientemente explícito de que o
recurso às bases de dados só ocorre quando se tenha frustrado a notificação do
requerido por carta registada com aviso de recepção postal, enviada, naturalmente,
para a morada indicada pelo credor requerente (cf. art. 10.º, n.º 2, al. c) do
RPOP).
Como a notificação
da sociedade requerida, por carta registada com aviso de recepção, nunca chegou
a ser efectuada para o local da sede no momento do depósito do registo, não se
pode afirmar que existe uma possibilidade forte de a notificação ter sido conhecida
pela requerida, o que implica a falta de notificação do requerimento de
injunção (cf. art. 188.º, n.º 1, al. e), do nCPC). Foi assim em vão o esforço
do Balcão Nacional de Injunções, também para desespero do credor que efectuou
diligências prévias no sentido de encontrar a nova morada (diferente da sede
inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas).
J. H. Delgado de
Carvalho
[1] No entanto, para isso é necessário que o receptáculo
exista e esteja acessível (desimpedido). Não havendo receptáculo ou não estando
acessível, o registo é devolvido ao remetente, dando conta de que a entrega não
foi possível e o receptáculo não existe ou não está acessível.