"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/07/2015

Jurisprudência (177)


Pessoas colectivas sem fins lucrativos; isenção de custas


1. O sumário de RP 29/6/2015 (356/11.8TTPRT-D.P1) é o seguinte: 

I - Estão isentas de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto. 
 
II - Esta isenção não abrange os embargos de executado e de oposição à penhora instaurados no âmbito de uma execução movida contra a pessoa coletiva privada, uma vez que este processo nada tem a ver com as especiais atribuições do recorrente enquanto clube desportivo abrangido pela isenção em exame, tal como nada tem a ver com a defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto, ou pela própria lei.

2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte trecho:
"O artigo 4º do RCP, sob a epígrafe “Isenções”, estatui na alínea f) do seu nº 1 que estão isentos de custas “[a]s pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

A parte isenta é, no entanto, responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido (nº 5), sendo ainda responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida (nº 6). 

A alínea f) do nº 1 do artigo 4º do RCP consagra uma isenção subjetiva de custas, abrangendo apenas os processos em que as entidades aí contempladas “atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

O recorrente é um clube desportivo, constituído como pessoa coletiva de direito privado e declarado de Utilidade Pública, sem fins lucrativos, tendo como principal objetivo promover o fomento e a prática do desporto, bem como estimular e apoiar as atividades culturais e recreativas.

As pessoas coletivas de mera utilidade pública, como é o caso dos clubes desportivos, estão, em abstrato, abrangidos pela norma de isenção de custas prevista no citado artº.4, nº.1, al. f), do R.C.P. [
Cf. SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 2009, p.144] 

Tal isenção em causa “é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar.

Trata-se, porém, de uma isenção subjetiva de custas condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de atuarem no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos”. [
SALVADOR DA COSTA, obra cit. p. 146.]

A norma em apreço faz depender a isenção subjetiva em matéria de custas, no que concerne e às pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, da verificação de dois pressupostos de legitimidade processual:
 
1- Quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou;

2- Para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.

Estamos, assim, como salienta SALVADOR DA COSTA [
Obra cit. p. 146], perante uma isenção de custas condicional, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei. Nesta perspetiva, esta isenção não abrange, nomeadamente, as ações que tenham por objeto obrigações ou litígios derivados de contratos que estas entidades celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.

Esta isenção de custas, tem como vimos, ainda, as limitações decorrentes dos acima transcritos nºs 5 e 6 do artigo 4º do RCP.

Assim, a aludida isenção de custas subjetiva apenas vigorará face aos ditos processos concernentes às especiais atribuições das entidades abrangidas pela isenção ou para defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto, ou pela própria lei, mais cumprindo a tal pessoa o ónus de provar essa especial afetação processual, conforme resulta do artº.342, nº.1, do C. Civil.

Mesmo que se defenda que não se deve ter uma interpretação estritamente literal da norma no sentido de admitir a inserção apenas quando as ações tenham a ver diretamente com as especiais atribuições ou sejam para defender os interesses especialmente conferidos à pessoa coletiva, importará caso a caso verificar se o assunto sub judice é “decorrência natural” do atuar da pessoa na prossecução daquelas atribuições e/ou interesses, quer porque, a jusante, decorrentes dessa prossecução; quer porque, a montante, necessário à mesma [
Cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 30.04.2015, Processo nº 204/14.9TTVRL.G1, in www.dgsi.pt].

Assim, uma demanda laboral poderá ou não encaixar-se, conforme não decorra da prossecução do objetivo. 

Não se encaixarão aquelas que não decorrem da prossecução daquelas atribuições, nem são necessárias à mesma.

Retornando ao caso concreto, constamos que o aqui recorrente intentou os presentes embargos de execução e oposição de penhora no âmbito de um processo de execução em que surge como executado, com vista ao cancelamento e levantamento das penhoras ordenadas e efetivadas sobre seus bens.

Daqui se conclui que o recorrente é executado, como qualquer outra pessoa, em processo de execução, com a finalidade de pagar/executar determinada quantia em que foi condenado.

Assim sendo, o presente processo nada tem a ver com as especiais atribuições do recorrente enquanto clube desportivo abrangido pela isenção em exame, tal como nada tem a ver com a defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto, ou pela própria lei. 

Não se verificando os pressupostos da isenção de custas a que alude a alínea f) do nº 1 do artigo 4º do RCP, improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida."

MTS