"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/07/2015

Jurisprudência (178)


Apreciação da prova; prova documental; prova testemunhal


1. O sumário de RP 29/6/1015 (839/13.7TTPRT.P1) é o seguinte:

I - A liberdade na formação da convicção do julgador deverá assentar em elementos probatórios, em presunções judiciais, em regras da experiência comum e/ou em critérios lógicos que, de forma sustentada e segura e tendo em conta as regras da repartição do ónus da prova, permitam uma fundada convicção quanto à verificação dos factos que se tenham como provados.

II - O depoimento indireto não se confunde com o depoimento “por ouvir dizer”, não sendo aquele proibido e situando-se a sua valoração no âmbito da avaliação da credibilidade (maior ou menor conforme as circunstâncias de cada caso concreto) que o mesmo possa merecer ao julgador. 

III - O disposto no art. 376º, nº 2, do Cód. Civil, não impede que as declarações dele constantes sejam impugnadas com base na falta ou em algum vício de vontade capaz de a invalidar.

IV - Por outro lado, não obstante a proibição enunciada nos artigos 393.º, n.º 2, e 394.º, n.º 1, do Código Civil, é admissível prova testemunhal “desde que ela seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar e, bem assim, quando exista um começo de prova por escrito, isto é, qualquer escrito proveniente daquele contra quem a acção é dirigida e que indicie a veracidade do facto alegado”, citando Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 103, p. 13).
 


2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte trecho:

"[...] Nos termos do disposto no nº 2 do art. 376º, do [CC], “Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; (…)”; ou seja, há que considerar que os factos compreendidos nas declarações constantes desse documento ocorreram e que ocorreram na data em que dele consta.

Não obstante, a força probatória do documento não impede que as declarações dele constantes sejam impugnadas com base na falta ou em algum vício de vontade capaz de a invalidar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3ª Edição, pág. 330). E, como ensinam também estes os mesmos autores, in obra citada, a págs. 841, em anotação ao art. 393º, nº2, do CC, “É necessário interpretar nos seus justos termos a doutrina do nº 2, cingindo-nos aos factos cobertos pela força probatória plena do documento. Assim, nada impede que se socorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou os vícios da vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada.

O documento prova, em dados termos, que o seu autor faz as declarações dele constantes; os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, quando sejam desfavoráveis ao declarante. Mas o documento não prova, nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo, ou coacção ou simulação.

Por isso mesmo a prova testemunhal se não pode, neste aspecto, considerar legalmente interdita.”.

Por outro lado, como se diz no douto Acórdão do STJ de 10.01.2007, in www.dgsi.pt (Processo 06S2700) “Noutro plano de consideração, a doutrina tem vindo a aceitar que a proibição enunciada nos artigos 393.º, n.º 2, e 394.º, n.º 1, do Código Civil, não deve assumir carácter absoluto, sob pena de, porventura, se poder comprometer, por forma intolerável, a justiça do caso concreto.

VAZ SERRA defende a admissibilidade da prova testemunhal, desde que ela seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar e, bem assim, quando exista um começo de prova por escrito, isto é, qualquer escrito proveniente daquele contra quem a acção é dirigida e que indicie a veracidade do facto alegado (Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 103, p. 13).

Em sentido coincidente, MOTA PINTO entende que constitui excepção à regra do citado artigo 394.º e, por isso, deve ser permitida a prova por testemunhas, no caso do facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também deve ser admitida tal prova testemunhal existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado, quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental (Colectânea de Jurisprudência, Ano X, 1985, tomo III, pp. 9-15).

Também PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA advertem que o citado artigo 394.º se refere apenas às convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, não excluindo, portanto, a possibilidade de se provar por testemunhas qualquer elemento, como o fim ou o motivo do facto jurídico documentado, que nem é contrário ao conteúdo do documento, nem constitui uma cláusula adicional à declaração (Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1967, p. 258).”

MTS