"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



04/11/2016

Jurisprudência (472)


Acidentes de viação; actuação dolosa
responsabilidade das seguradoras; pedido de decisão prejudicial


O sumário de RE 16/6/2016 (46/13.9TBGLG) é o seguinte:

I - A questão de saber se as companhias de seguro são responsáveis pelas indemnizações devidas aos lesados pela circulação de veículos automóveis quando o sinistro tenha sido «dolosamente provocado» nem sempre obteve solução semelhante ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Porém, sobretudo desde 2007, tem-se consolidado o entendimento que defende uma resposta afirmativa a tal questão.

II - Não obstante, o caso dos autos encerra uma particularidade específica: a de saber se a precedente conclusão é aplicável ao caso em que o proprietário de um veículo automóvel e tomador do seguro é o lesado por danos que lhe foram causados pelo seu próprio veículo, conduzido por um terceiro que o furtara, e que com o mesmo, de forma intencional, o atropelou.

III - Em matéria de seguro de responsabilidade civil automóvel as disposições legislativas nacionais, à luz das quais se determina a existência e extensão do direito de indemnização do lesado vítima de um acidente de viação, não podem comprometer a efectividade das disposições de Direito da União Europeia relativas a este tipo de seguro, não se podendo ignorar que a ideia fundamental subjacente à acção directa é, precisamente a garantia e a protecção do lesado.

IV - Considerando que existem dúvidas fundadas quanto à conformidade dos artigos 14.º, n.º 2, alínea b), e 15.º, n.º 3, primeira parte do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, com o direito comunitário, e que nos termos do considerando 20 da Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, «deverá ser garantido que as vítimas de acidentes de veículos automóveis recebam tratamento idêntico, independentemente dos locais da Comunidade onde ocorram os acidentes», a fim de esclarecer estas dúvidas e assegurar o respeito pelos referidos princípios do Direito da União Europeia, entende este Tribunal ser conveniente suscitar, oficiosamente, o reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, previamente à decisão de mérito da causa, relativamente à questão que seguidamente se enuncia:

Em caso de acidente de viação do qual resultaram danos corporais e materiais para um peão que foi intencionalmente atropelado pelo veículo automóvel de que era proprietário, que se encontrava a ser conduzido pelo autor do respectivo furto, o direito comunitário, designadamente os artigos 12.º, n.º 3, e 13.º, n.º 1, da Directiva 2009/103/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, opõe-se à exclusão pelo direito nacional de qualquer indemnização ao referido peão em virtude de o mesmo ter a qualidade de proprietário do veículo e tomador do seguro?