Imparcialidade do tribunal;
escusa do juiz
1. O sumário de RG 13/6/2016 (96/16.3YRGMR.G1) é o seguinte:
A proximidade da Senhora Juiz a uma testemunha de acusação, decorrente da relação filial, inculca no cidadão (homem médio), sérias dúvidas sobre a posição de equidistância e imparcialidade do julgador na boa administração da justiça, verificando-se, assim, legítimo fundamento para a escusa requerida nos termos do artigo 43.º, nº, 4, do Código de Processo Penal.
2. Na fundamentação do acórdão (que se pronunciou sobre o pedido de escusa deduzido pela juíza) pode ler-se o seguinte:
"A referência à imparcialidade do tribunal consta do artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Direito a um processo equitativo) “Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais”, de 4 de Novembro de 1950 (Roma), com entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa a 9 de Novembro de 1978 - aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 236/78. Não houve reservas do Estado português relativamente ao citado artigo. - a vigorar na ordem jurídica interna portuguesa com valor infraconstitucional, que dispõe:
«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, (…)» [...].
A garantia da imparcialidade constitui, assim, um elemento constitutivo e essencial da noção do tribunal.
O conceito de «tribunal imparcial» tem vindo a ser concretizado em abundante jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de entre os quais o Acórdão Lavents v. Letónia (de 28-11-2002), que decidiu:
«XII. A imparcialidade do tribunal deve ser apreciada segundo uma dupla ordem de considerações; de uma perspectiva subjectiva, relativamente à convicção e ao pensamento do juiz numa dada situação concreta, não podendo o tribunal manifestar subjectivamente qualquer preconceito ou prejuízo pessoais, sendo que a imparcialidade pessoal do juiz se deve presumir até prova em contrário.
XIII. A perspectiva objectiva da imparcialidade exige que seja assegurado que o tribunal ofereça garantias suficientes para excluir, a este respeito, qualquer dúvida legítima.”
Também o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 124/90 (v. igualmente os acórdãos nº 935/96 e 186/98), reconhece aqueles segmentos do conceito imparcialidade, de Tribunal imparcial, na consagração constitucional do princípio do acusatório (artigo 32.º, n.º 5 da CRP) e do princípio do processo justo e equitativo (“a due process of law”) na consagração das garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da CRP):
«Ao consagrar o n.º 5 do artigo 32.º da Constituição uma tal garantia - a garantia do processo criminal de tipo acusatório - o que, pois, a Lei Fundamental pretende assegurar é um julgamento independente e imparcial.
Num Estado de direito, a solução jurídica dos conflitos há-de, com efeito, fazer-se sempre com observância de regras de independência e de imparcialidade, pois tal é uma exigência do direito de acesso aos tribunais, que a Constituição consagra no artigo 20º, nº 1 (…) um julgamento independente e imparcial é, de resto, também uma dimensão - e dimensão importante - do princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição, para o processo criminal, pois este tem que ser sempre a due process of law”».
O ordenamento constitucional português acolhe, assim, na noção de imparcialidade aqueles parâmetros normativos, aos quais se deve acrescentar, a previsão da necessária «independência» dos Juízes a que alude o artigo 203.º, da Constituição da República Portuguesa, e que resulta como consequência pensada na estatuição de um regime de garantias e incompatibilidades (artigo 216.º, da Lei fundamental)..
Donde, «necessário é, inter alia, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição.
É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de "administrar justiça". Nesse caso, não deve poder intervir no processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar - deve, numa palavra, poder ser declarado iudex inhabilis.
Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial Acórdão do Tribunal Constitucional nº 135/88 (Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1988).».
Ou seja, o Tribunal Constitucional vem igualmente a consagrar as ditas vertentes objectiva e subjectiva do conceito de “imparcialidade”."
[MTS]