"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/11/2016

Jurisprudência (479)


Execução; oposição;
compensação


1. O sumário de RC 7/6/2016 (5590/15.0T8CBR-A.C1) é o seguinte:

Fundando-se a execução em sentença, a oposição à execução pode assentar no reconhecimento do contracrédito sobre o exequente, feito naquela mesma sentença, com vista a concretizar a compensação.

 2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte: 

"A propósito dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, a lei dispõe, na alínea g) do art. 729.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), que os factos extintivos ou modificativos da obrigação têm que ser posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e que têm de ser provados por documento.

Na sua alínea h), é fundamento de oposição o contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

Como esta compensação é uma causa de extinção da obrigação, vale para ela o disposto naquela alínea g).

A exigência daquela superveniência decorre e é imposta pelo respeito ao caso julgado, sendo certo que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação” (art. 573.º do CPC). Daí que a sentença atinja todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir.

Então, se os factos extintivos da obrigação reconhecida na sentença só podem ser os posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, os factos anteriores estão incluídos pelo caso julgado material formado pela sentença.

Ora, no caso, é a mesma sentença que reconhece o crédito da então Autora (ora executada) sobre a Ré (ora exequente) e o contracrédito da Ré sobre a Autora, condenando ambas as partes nos termos referidos.

Assim, o crédito da embargante não é superveniente mas, também de uma forma segura e documentada, está incluído pelo caso julgado formado pela sentença. (Daí que os factos deste caso são diferentes dos que serviram de fundamento ao acórdão invocado, desta Relação, de 21.4.2015, no proc.556/08, em www.dgsi.pt.)

O reconhecimento do crédito da embargante só não permitiu logo a respetiva dedução no crédito da embargada porque não foi possível então a sua liquidação.

Esta liquidação é apresentada agora na oposição, em termos que permitem, pelo menos, antever e concretizar a compensação.

(Para além da compensação, com vista à futura obtenção do valor que a supere, em execução adequada, não é questão deste recurso discutir se este processo pode servir já para a liquidação do crédito da executada embargante – cfr. art.547º do CPC; fará sentido, de acordo com os princípios da economia e celeridade processuais, aproveitar o processado para o efeito, não exigindo que a embargante instaure depois novo incidente de liquidação.)

Em conclusão, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode assentar no reconhecimento do contracrédito sobre o exequente, feito naquela mesma sentença, com vista a concretizar a compensação."

3. [Comentário] O decidido pela RC não levanta problemas. O que não se pode acompanhar é o obiter dictum segundo o qual a compensação deduzida na oposição à execução tem de se basear num contracrédito posterior ao encerramento da discussão no processo no qual foi proferiida a condenação do executado.

O art. 729.º, al. h), CPC não exige essa superveniência e há boas razões para não o ter feito. Na verdade, na acção declarativa a compensação deve ser invocada ope reconventionis (art. 266.º,n.º 2, al. c), CPC), e não, portanto, ope excepcionis. Como se sabe, ao contrário do que sucede quanto às excepções peremptórias (para as quais vale o princípio da concentração da defesa: cf. art. art. 573.º, n.º 1, CPC), a dedução da reconvenção não está, em regra, sujeita a nenhum ónus e, por isso, não pode estar submetida a uma regra de preclusão.

Se o réu não tem o ónus de alegar a reconvenção na acção declarativa, não pode haver nenhuma preclusão num processo posterior da alegação do direito que poderia ter sido invocado ope reconventionis naquela acção. A justificação é muito simples: onde não há um ónus de alegação não pode haver nenhuma preclusão da alegação, dado que a preclusão pressupõe a violação de um ónus de alegação.

Apenas mais uma nota complementar. Contra o referido não pode argumentar-se como se fez no acórdão que a inadmissibilidade da alegação na oposição à execução de um contracrédito anterior ao encerramento da discussão no processo declarativo no qual se formou o título executivo é imposta pelo "respeito ao caso julgado" da sentença condenatória. Independentemente de tudo o mais, a entender-se assim ter-se-ia que concluir que, após a condenação, o réu condenado, para respeitar aquele caso julgado, teria necessariamente que pagar a dívida e não poderia declarar extraprocessualmente a compensação, dado que também esta declaração (que obsta ao cumprimento da dívida) importaria um desrespeito desse caso julgado.

MTS