"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/11/2016

Jurisprudência (480)


Cumulação de pedidos; factos complementares;
convite ao aperfeiçoamento


1. O sumário de RE 16/6/2016 (193/15.2T8PTM-A.E1) é o seguinte:

I- Não existe incompatibilidade (para efeitos de ineptidão da p.i.) entre os pedidos de reconhecimento do direito de compropriedade em comum e sem determinação de parte ou direito de uma fracção autónoma e o de inscrição registral como titular de metade desse direito; a solução passa por ordenar a inscrição dos termos do reconhecimento do direito.
 
II- Se a causa de pedir do pedido reconvencional se achar incompleta ou imperfeita, deve o tribunal convidar o reconvinte a apresentar novo articulado, nos termos do art.º 590.º, n.º 4, Cód. Proc. Civil.

2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:

"*

Como se sabe, a p.i. é inepta quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis — art.º 186.º, n.º 2, al. c, Cód. Proc. Civil.

Os pedidos são incompatíveis entre si quando a procedência de um deles inviabiliza a procedência do outro (não se pode pedir a resolução de um contrato e pedir, também, a condenação no seu cumprimento).

Mas aqui não há, a nosso ver, qualquer incompatibilidade.

Parece-nos que o problema é que a recorrente pede o reconhecimento do seu direito de compropriedade em comum e sem determinação de parte ou direito de uma fracção autónoma; mas pede, em simultâneo, a inscrição registral e tributária como titular de metade. Onde num pedido se fala em indeterminação de parte ou direito, no outro fala-se em metade. Cremos que é ir longe de mais afirmar que a «condenação (eventualmente) no primeiro dos pedidos nunca poderia fundar a procedência dos outros dois» só por aquela razão.

Temos de ter em conta que os dois pedidos em questão são consequência do primeiro, isto é, se for reconhecido o direito alegado pela recorrente ele será inscrito nos precisos termos desse reconhecimento. O mais que haveria a fazer seria julgar parcialmente improcedente os pedidos e neste sentido: não se ordena a inscrição de metade do direito mas sim de uma quota sem determinação de parte. Esta alteração permite conjugar os três pedidos (o segundo e o terceiro como decorrência lógica do primeiro). Sendo esta conjugação possível (e não vemos que o não seja), é natural, é imperativo concluir que entre eles não existe incompatibilidade substancial.

Assim, nesta parte, procede o recurso.

*

Em relação ao último pedido, cumpre notar o seguinte:

Se existem dúvidas quanto à completude da causa de pedir, o tribunal só tem um remédio: convidar as partes a apresentar novos articulados (no caso, a contestação e a réplica). O art.º 590.º, n.º 4, Cód. Proc. Civil, não permite outra coisa que não seja a formulação desse convite.

O que a lei pretende com esta solução (e há bastante tempo) é que, findos os articulados, todo o objecto da causa esteja bem definido; o que a lei não quer é que a acção prossiga e seja, adiante, julgada improcedente por vícios que existiam já naquelas peças processuais.

Isto no que diz respeito à causa de pedir do pedido reconvencional. Quanto ao pedido em si mesmo, a lei permite que se profira uma condenação genérica — seja como resultado directo do pedido assim formulado [art.º 556.º, n.º 1, al. b)], seja como consequência da impossibilidade de fixar o objecto ou a quantidade da condenação (art.º 609.º, n.º 2).

Assim, também aqui procede o recurso."

3. [Comentário] Embora nenhuma das decisões tomadas pela RE suscite críticas, importa dizer que não é tecnicamente correcto falar de incompletude da causa de pedir a propósito do convite ao aperfeiçoamento dos articulados que consta do art. 590.º, n.º 2, al. c), 4, CPC. A incompletude da causa de pedir origina a ineptidão do articulado por falta de causa de pedir (cf. art. 186.º, n.º 2, al. c), CPC), não o convite ao aperfeiçoamento.

Este convite só pode recair sobre factos complementares. Estes factos podem ser essenciais para assegurar a procedência da causa, mas não integram a causa de pedir pela simples razão de que a omissão da sua alegação não gera nem falta de causa de pedir, nem ineptidão do articulado.

Em suma: é preciso evitar o equívoco de considerar que, tal como acontecia na velha teoria da substanciação, tudo o que é essencial para a procedência do pedido da parte integra a causa de pedir. A partir do momento em que passou a ser admissível o convite ao aperfeiçoamento dos articulados (e em que, portanto, se verificou uma distinção entre factos que integram a causa de pedir e factos essenciais à procedência da causa) deixou de se poder dizer que na legislação processual civil se encontra consagrada a teoria da substanciação.

MTS