"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/11/2016

Jurisprudência (481)



 
Execução por custas;
sigilo profissional


1. O sumário de RE 16/6/2016 (494/13.4TBSSB.E1) é o seguinte:

Não há lugar ao levantamento do sigilo profissional quando o que se pretende é obter informação sobre a existência de contas bancárias para posterior instauração de uma execução por custas.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"O «Ministério Público apenas instaura a execução quando sejam conhecidos bens penhoráveis do devedor que se afigurem suficientes face ao valor da execução, abstendo-se de a instaurar quando a dívida seja de montante inferior aos custos da actividade e às despesas prováveis da execução» (art.º 35.º, n.º 4, Reg. Custas Processuais).
 
É nesta fase de averiguação de bens que se coloca o problema de que aqui se trata. 
 
Valerá a intimidade das contas bancárias mais que a dívida de custas? 
 
Geralmente, o problema coloca-se pondo em confronto, em termos relativamente abstractos, o interesse na realização da justiça e o interesse tutelado pelo dever do sigilo. 
 
O interesse na realização da justiça concretiza-se em cada causa pelos seus contornos, designadamente, pelo que ali se discute. Ou seja, é considerando o objecto do litígio, e para a resolução deste, que se deve fazer o confronto entre os interesses opostos. Assim, por exemplo, é relevante a informação bancário num inventário subsequente a um divórcio «quando a obtenção da informação relativa a contas bancárias é imprescindível ao relacionamento dos bens que possam integrar esse património comum e reporta-se ao período de tempo de vida conjunta do casal» (ac. da Relação de Guimarães, de 10 de Novembro de 2011); mas já não o é numa acção em que se discute o preço da compra de um terreno, condições de pagamento e se este foi realizado quando o que se pede é que o Banco informe a data em que foi pedido um empréstimo para a construção de uma casa nesse terreno e em que foi entregue a primeira tranche (ac. da Relação de Coimbra, de 28 de Abril de 2015). É necessário que a informação seja pertinente, relacionada com o objecto do processo.
 
E isto, fundamentalmente, porque o levantamento do sigilo profissional visa o acesso a meios de prova que de outra forma se não poderiam obter. Não é por acaso que o problema vem colocado no âmbito da prova. É com vista à preparação da decisão que a prova deve ser produzida e este incidente é próprio deste momento processual.
 
A necessidade da prova dos factos alegados numa acção, particularmente com a utilização de certos meios de prova, sobrepõe-se ao interesse protegido pelo sigilo bancário (a confidencialidade). O levantamento do sigilo é ordenado quando a informação solicitada seja relevante para a sentença.
 
Mas aqui não é este o problema.
 
A realização da justiça diz respeito à decisão das causas, tem que ver com o conteúdo da sentença, o modo como esta dirime o conflito entre as partes. Nada tem que ver com a cobrança de custas.
 
Sem dúvida que é de todo o interesse que as custas sejam pagas. Mas isto já não integra o referido interesse, em abstracto, de realização da justiça. O interesse aqui é outro, é de natureza tributária e tem que ver, apenas, com a percepção de receitas do Estado. O exequente pretende saber se o executado tem contas bancárias para, em função desse conhecimento, cobrar coercivamente as custas em dívida.
 
No nosso caso, não estamos perante o interesse na boa decisão de uma causa, o interesse numa justa e real (no sentido de que se apoia em factos bem demonstrados) composição do litígio, mas apenas o interesse de ordem patrimonial e com vista à obtenção de uma receita: averiguar se a A. é titular de contas bancárias para propor uma execução por custas.
 
Não se trata aqui do interesse na realização da justiça no que respeita à sua função material: preparar uma sentença com todos os elementos probatórios disponíveis.
 
Entendemos, pois, que não há lugar à ponderação dos interesses em causa previstos na lei pois que um deles não existe sequer."
 
[MTS]