Recurso; duplo grau de jurisdição
I. O sumário de STJ (dec. sing.) 19/5/2016 (100/15.2YRPRT.S1) é o seguinte:
1. Ao abrigo do disposto no art. 27º, nº 6, do RCP, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, é admissível recurso, ainda que apenas em um grau, das decisões que condenem em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional.
2. Tal regime recursório encontra justificação na natureza e nos efeitos das decisões sancionatórias, reclamando o duplo grau de jurisdição que já se encontrava especialmente assegurado para as decisões de condenação em litigância de má fé nos termos do art. 542º, nº 3, do CPC.
3. O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna, não sendo a mesma detectada relativamente ao recurso de decisões que se pronunciem sobre a imputação ou quantificação de taxas de justiça e de encargos judiciários em geral.
4. Sem prejuízo da decisão do incidente de reclamação da conta cuja impugnação recursória está sujeita ao regime especial previsto no art. 31º, nº 6, do RCP, as demais decisões relacionadas com taxas de justiça ou encargos judiciários obedecem ao regime geral do art. 629º, nº 1, do CPC, sendo o recurso dependente quer do valor da acção, quer do valor da sucumbência, em conexão com a alçada do tribunal de que se recorre.
5. A tais decisões é vedado aplicar por analogia o regime especial previsto no art. 27º, nº 6, do RCP, considerando o disposto no art. 11º do CC.
II. Na fundamentação da sua decisão, o relator (Cons. Abrantes Geraldes) afirma o seguinte:
"3. Segundo o art. 27º, nº 6, do RCP, é sempre admissível recurso da “condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis”.
Antes da introdução deste normativo não restavam dúvidas de que, com ressalva da condenação como litigante de má fé, sujeitas a um regime especial de recorribilidade que agora consta do art. 542º, nº 3, do CPC, a impugnação de decisões que aplicassem multas ou outras penalidades estavam submetidas ao regime geral que agora consta do art. 629º, nº 1, do CPC, que faz depender o recurso não apenas do valor da causa como ainda do valor da condenação. [...]
4. O nº 6 do art. 27º do RCP visou moderar este regime, passando a prever-se a admissibilidade de recurso, em um grau, de qualquer decisão condenatória em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis.
Todavia, a redacção do preceito, tal a sua ambiguidade, suscitou fundadas dúvidas interpretativas, divergindo os Tribunais ora para considerar que a sua aplicabilidade se restringia aos casos em que a condenação não assentasse em qualquer disposição legal que a previsse (Acs. da Rel. de Coimbra, de 20-6-12, e da Rel. de Lisboa, de 29-4-14, emwww.dgsi.pt), ora para concluir que da mesma decorria a admissibilidade de recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência (Acs. da Rel. de Coimbra, de 10-9-13, e da Rel. de Guimarães, de 26-9-13, em www.dgsi.pt ).
Aderi à primeira tese, com argumentos que deixei expressos em Recursos no Novo CPC, 2ª ed., à margem do art. 629º do CPC.
Porém, a prolação dos Acs. do STJ, de 26-3-15 e de 16-6-15, em www.dgsi.pt despoletou a inversão daquela opinião, convencendo-me agora os argumentos que foram empregues em tais arestos no sentido de ser mais ajustada ao texto legal e ao elemento de ordem racionalo entendimento de que é sempre admissível recurso, ainda que apenas em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, das decisões que condenem em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, pelo facto de estes já se encontrarem regulados no art. 542º, nº 3.
5. Aquela inovação legislativa que foi traduzida no nº 6 do art. 27º do RCP não determina, porém, a extensão do seu domínio a campos diversos dos que nela figuram. Em concreto, não me parece defensável a aplicação analógica desse regime recursório especial a decisões que, como aquela que está em causa neste momento, incidem simplesmente sobre o regime de pagamento da taxa de justiça normal.
Como se refere no sumário do Ac. do STJ, de 26-3-15, acima citado, “a norma do nº 6 do art. 27º do RCP tem por objectivo introduzir uma regra geral de recorribilidade das decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, fora dos casos de litigância de má fé, de modo a colmatar o bloqueio decorrente do factor condicionante da sucumbência. A circunstância de existir esse bloqueio decorrente dos limites legais das multas e penalidades anteriormente fixados e mantidos nos arts. 10º e 27º, nº 1, do RCP, excluídos os casos de litigância de má fé, bem como a previsão, no al. e) do nº 2 do art. 644º do CPC, do mecanismo de apelação autónoma para as decisões que condenem em multa ou cominem outra sanção processual, apontam no sentido do objectivo referido no ponto precedente”.
E no campo da respectiva fundamentação refere-se que:
Todavia, a redacção do preceito, tal a sua ambiguidade, suscitou fundadas dúvidas interpretativas, divergindo os Tribunais ora para considerar que a sua aplicabilidade se restringia aos casos em que a condenação não assentasse em qualquer disposição legal que a previsse (Acs. da Rel. de Coimbra, de 20-6-12, e da Rel. de Lisboa, de 29-4-14, emwww.dgsi.pt), ora para concluir que da mesma decorria a admissibilidade de recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência (Acs. da Rel. de Coimbra, de 10-9-13, e da Rel. de Guimarães, de 26-9-13, em www.dgsi.pt ).
Aderi à primeira tese, com argumentos que deixei expressos em Recursos no Novo CPC, 2ª ed., à margem do art. 629º do CPC.
Porém, a prolação dos Acs. do STJ, de 26-3-15 e de 16-6-15, em www.dgsi.pt despoletou a inversão daquela opinião, convencendo-me agora os argumentos que foram empregues em tais arestos no sentido de ser mais ajustada ao texto legal e ao elemento de ordem racionalo entendimento de que é sempre admissível recurso, ainda que apenas em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, das decisões que condenem em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, pelo facto de estes já se encontrarem regulados no art. 542º, nº 3.
5. Aquela inovação legislativa que foi traduzida no nº 6 do art. 27º do RCP não determina, porém, a extensão do seu domínio a campos diversos dos que nela figuram. Em concreto, não me parece defensável a aplicação analógica desse regime recursório especial a decisões que, como aquela que está em causa neste momento, incidem simplesmente sobre o regime de pagamento da taxa de justiça normal.
Como se refere no sumário do Ac. do STJ, de 26-3-15, acima citado, “a norma do nº 6 do art. 27º do RCP tem por objectivo introduzir uma regra geral de recorribilidade das decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, fora dos casos de litigância de má fé, de modo a colmatar o bloqueio decorrente do factor condicionante da sucumbência. A circunstância de existir esse bloqueio decorrente dos limites legais das multas e penalidades anteriormente fixados e mantidos nos arts. 10º e 27º, nº 1, do RCP, excluídos os casos de litigância de má fé, bem como a previsão, no al. e) do nº 2 do art. 644º do CPC, do mecanismo de apelação autónoma para as decisões que condenem em multa ou cominem outra sanção processual, apontam no sentido do objectivo referido no ponto precedente”.
E no campo da respectiva fundamentação refere-se que:
“… o que nos parece mais razoável é considerar que com a norma do nº 6 do art. 27º do RCP, o legislador pretendeu introduzir uma regra geral de recorribilidade das decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, de modo a colmatar o bloqueio provocado pelo factor condicionante da sucumbência. E que a expressão fora dos casos legalmente admissíveis é delimitadora da respectiva previsão normativa no que toca aos tipos de sanções ali enunciados, pretendendo-se, assim, ressalvar dessa previsão os casos já previstos de litigância de má fé, como sustenta Salvador da Costa. […]
Aqui chegados, entre uma interpretação minimalista ou até niilista da recorribilidade das decisões que condenem em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, salvo os casos de litigância de má fé … e uma interpretação, de certo modo, maximalista do nº 6 do art. 27º do RCP, como a sustentada no acórdão-fundamento, afigura-se mais curial optar por esta, com a restrição acima indicada, por ser a que melhor condiz com a unidade do sistema jurídico e que melhor radica na occasio legis.
Em suma, conclui-se que a interpretação mais conforme do nº 6 do art. 27º do RCP é a de que as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, são recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência”.
O mesmo raciocínio foi adoptado no citado Ac. do STJ, de 16-6-15, no qual se refere que:
“Na linha de entendimento de Salvador da Costa, que não nos merece alguma reserva e a que aderimos, o que parece mais razoável é considerar que com a norma do nº 6 do art. 27º do RCP o legislador pretendeu introduzir uma regra geral de recorribilidade das decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, torneando o bloqueio provocado pelo condicionalismo imposto pelo valor do processo ou da sucumbência. A expressão “ fora dos casos legalmente admissíveis” assume uma função de limitação do normativo às decisões condenatórias nele previstas em situações diversas da litigância de má fé.
Na realidade, só com este entendimento é possível obter uma interpretação que tenha em conta a unidade do sistema jurídico, que confira utilidade e permita que se atenda conjugadamente ao disposto nos artigos 27° n°s 1, 2, 3 e 6, do RCP e aos arts. 629°, n° 1, e 644°, n° 2, al. e), do CPC, uma vez que o legislador manteve este último, com nova formulação relativamente à da al. c) do nº 1 do art. 691º do CPC revogado, para abranger quer a multa quer outra sanção processual. Carece, pois, de sentido, a nosso ver, a afirmação corrente no entendimento oposto de que a expressão “fora dos casos legalmente admissíveis” seria uma completa e pura inutilidade, sem qualquer significado.
Aliás, como bem nota o recorrente, as restrições de valor impostas no art. 629°, n° 1, do CPC à interposição de recurso não têm qualquer justificação nas situações elencadas, a par da que ora nos ocupa, em qualquer das alíneas do aludido art. 644°, n° 2, ou anterior 691º, nº 2 (decisões que apreciem o impedimento do juiz, a competência absoluta do tribunal, a suspensão da instância, a admissão ou rejeição de um articulado ou meio de prova, o cancelamento de um registo), nas quais não existe qualquer valor de sucumbência a atender. Em qualquer desses casos, trata-se apenas de impugnar uma decisão desfavorável que não tem qualquer ligação de valor com o pedido.
Nestas circunstâncias ganha todo o sentido a interpretação de que o legislador pretende consagrar no art. 27°, n° 6, do RCP sempre a admissibilidade de recurso da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, não tendo sido é particularmente feliz na formulação perfilhada com a inserção da expressão “fora dos casos legalmente admissíveis”, claramente desadequada. Como entende Salvador da Costa: “este normativo reporta-se, essencialmente, ao mérito da impugnação por via de recurso e não aos pressupostos relativos à sua admissibilidade”.
Sendo assim, coloca-se, então, a questão de saber se esse recurso é ilimitado, tendo em conta a política legislativa de restrição de recurso relativamente a decisões de natureza adjectiva.
Ora, por paralelismo com o que se estatui em matéria de litigância de má fé, nos termos do nº 3 do art. do art. 542º do NCPC (correspondente ao anterior 456º), e com os casos de decisões de reclamação de conta, previstos no nº 6 do art. 31º do RCP, e por mais consentânea com a unidade do sistema jurídico, tais decisões só serão recorríveis em um grau, tal como propõe Salvador da Costa.
Em suma, conclui-se que a interpretação mais conforme do nº 6 do art. 27º do RCP é a de que as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, são recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência”.
6. A solução que decorre do art. 27º, nº 6, do RCP, ainda que tenha sido expressa numa formulação que peca pela ambiguidade, apenas encontra justificação quando esteja em causa a aplicação de multas, outras penalidades ou taxas de justiça excepcional.
O facto de estar subjacente a tais situações um determinado comportamento processual que é objecto de penalização, justifica a reapreciação da respectiva decisão por via recursória fora da regra geral constante do art. 629º, nº 21, do CPC.
Um outro regime recursório excepcional também está revisto para o incidente dereclamação da conta, nos termos do art. 31º, nº 6, do RCP, admitindo recurso se o montante exceder 50 Ucs.
Ora, não faz qualquer sentido a aplicação analógica daquela disposição a decisões em que esteja em causa simplesmente a aplicação das regras normais sobre a quantificação ou imputação de custos judiciais a alguma das partes.
Aplicação analógica que, atenta a excepcionalidade do regime legal, é, aliás, vedada pelo art. 11º do CC.
Por conseguinte, não encontrando sustentação a aplicação analógica do referido preceito, resta concluir pela inadmissibilidade do recurso de revista, atenta a regra geral do art. 629º, nº 1, do CPC."
[MTS]