"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/11/2016

Jurisprudência (490)




Intervenção de terceiros;
intervenção acessória

 
1. O sumário da RG 19/5/2016 (1848/15.7T8GMR-A.G1) é o seguinte: 

I. A Intervenção de Terceiros pode ocorrer como Intervenção Acessória, Provocada, nos termos do art.º 321º do CPC, nos casos em que o Réu tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda e pretenda chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.

II. A sentença proferida na acção em que ocorre o chamamento constitui caso julgado quanto ao chamado relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização, e nos termos previstos no artº 332º do CPC (art.º 321º-n.º1 e 2 e art.º 323º-n.º 4 e 332º, todos do Código de Processo Civil ).

III. Nos termos do nº 2 do citado artº 321º do CPC, ao ser determinado que a intervenção processual do Chamado se circunscreve à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, deverá entender-se a lei processual admite na intervenção processual do Chamado a discussão de todas as questões que tenham, ou possam vir a ter, repercussão em futura acção de regresso contra o mesmo a instaurar, designadamente, as questões que se referem à existência da própria obrigação de indemnização da Ré seguradora ao Autor e/ou seu valor.

IV. Consequentemente, poderá o Chamado suscitar excepções ou deduzir defesa por impugnação motivada em termos distintos do da parte requerente do Chamamento e titular do direito de regresso ( em sentido contrário v. Ac. TRL de 23/2/2010, in www.dgsi.pt ).

V. Ao dispor o nº2 do artº 328º do CPC que “Os assistentes não podem praticar actos que a parte assistida tenha perdido o direito de praticar”, tal se reportará, nomeadamente, à faculdade das partes de oferecer articulados e requerimentos, produzir provas, recorrer, etc,, e já não ao próprio conteúdo dos articulados ou requerimentos, para além da ressalva prevista na parte final do artigo em referência, em concreto, apenas lhes estando vedado “assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido”.

VI. Em qualquer caso, há que atender que ao aplicar ao “Interveniente Acessório” o estatuto dos “Assistentes” a lei adjectiva o faz determinando a aplicação de tal regime «com as necessárias adaptações» (cfr. artigo 332.°, n.º 1 do CPC ), havendo que adaptar o regime da “Assistência” á natureza e finalidades da Intervenção por direito de regresso e á “efectiva” garantia dos direitos que por via deste chamamento se visam acautelar

VII. “Com este chamamento, o demandado obtém não só o auxílio do terceiro interveniente, como também a vinculação deste último à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso” (- Prof. Dr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 1997, pg.179).
 
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
 
"Está em discussão nos autos, o saber se a invocação pelo Chamado, na contestação autónoma que ofereceu, de excepção peremptória de prescrição, excepção esta não invocada pela Ré na própria contestação, está, ou não, incluída nos poderes processuais de intervenção do Interveniente acessório, tendo-se na decisão recorrida recusado a legal possibilidade de tal arguição.
 
Não acompanhamos tal posição.
 
Com efeito, por um lado, nos termos do nº 2 do citado artº 321º do CPC, ao ser determinado que a intervenção processual do Chamado se circunscreve à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, deverá entender-se a lei processual admite na intervenção processual do Chamado a discussão de todas as questões que tenham, ou possam vir a ter repercussão em futura acção de regresso contra o mesmo a instaurar, demonstrando-se nos autos que o Chamado apresentou a contestação de fls. 56 a 64, defendendo-se por impugnação directa, e, ainda, e para além do que consta da contestação da parte principal, a Ré seguradora, arguindo a excepção de prescrição e deduzindo impugnação motivada dos factos alegados pelo Autor na petição inicial, em termos abstractos se relevando esta defesa de eventual relevância na existência da própria obrigação de indemnização da Ré seguradora ao Autor e/ou seu valor, e, assim, consequentemente, se reportando á própria existência do direito de regresso e seu âmbito ou valor, não extravasando tal discussão, tratando-se, em abstracto, da invocação de questões essenciais á delimitação daquele direito de regresso em acção a instaurar, questões estas cuja omissão de conhecimento, a procederem, se imporiam ao Chamado na acção por decorrência dos efeitos do caso julgado da sentença, nesta parte se tornando imutável o decidido. [...]
 
[...] como consta do relatório do DL nº 329-A/95 de 12/12, que deu redacção ao nº2 do artº 337º do CPC, na sua versão anterior, com igual correspondência no nº2 do artº 328º do NCPC – “... Considera-se que a posição processual que deve corresponder ao titular da relação de regresso, meramente conexa com a controvertida - invocada pelo réu como causa do chamamento - , é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual efectivação da acção de regresso pelo réu da demanda anterior, e não a de parte principal: .....e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a acção proceda (ficando tão-somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela acção de regresso, a efectivar em demanda ulterior).
 
Tal posição do Chamado de parte acessória, meramente auxiliar da parte principal, cuja actividade se encontra subordinada á da parte principal, nos termos consignados no artº 328º do CPC, não o poderá impedir de, independentemente da alegação nos articulados da parte principal, a que está associado, discutir e suscitar todas as questões com repercursão na acção de regresso com vista á plena garantia da defesa do seu direito em acção posterior contra si a propor, dado que aos resultados da acção em curso o vincularão, relativamente a tal temática, por virtude dos efeitos do caso julgado, não contrariando a defesa deduzida pelo Chamado a contestação da Ré seguradora, parte principal, não se podendo, ainda, considerar que a falta de arguição pela própria Ré de excepções ou de factualidade integrativa de impugnação motivada, com repercussão em tal questão – o direito de regresso contra o Chamado e sua existência e âmbito – se traduza em acto que esta tenha perdido o direito de praticar, sendo o acto praticado, juridicamente relevante, cremos, a própria apresentação de contestação, e esta foi deduzida por ambos, parte principal e chamado.
 
Concluindo-se, nos termos expostos, não se mostrar, no caso sub judice, integrada a previsibilidade do nº2 do artº 328º do CPC, com vista a recusar o conteúdo da contestação do Chamado, exercendo este, legitimamente, o direito a discutir questões com repercussão em eventual futura acção de regresso contra ele a interpor pela Ré Seguradora, requerente da Intervenção. 
 
Sendo, ainda, que ao aplicar ao “Interveniente Acessório” o estatuto dos “Assistentes” a lei adjectiva o faz determinando a aplicação de tal regime «com as necessárias adaptações» (cfr. artigo 332.°, n.º 1 do CPC ), havendo que adaptar o regime da “Assistência” á natureza e finalidades da Intervenção por direito de regresso e á “efectiva” garantia dos direitos que por via deste chamamento se visam acautelar, mais se considerando que, ao dispor o nº2 do artº 328º do CPC que “Os assistentes não podem praticar actos que a parte assistida tenha perdido o direito de praticar”, tal se reportará, nomeadamente, à faculdade das partes de oferecer articulados e requerimentos, produzir provas, recorrer, etc, e já não ao conteúdo dos próprios articulados ou requerimentos, para além da ressalva prevista na parte final do artigo em referência, em concreto, apenas lhes estando vedado “assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido”, circunstância que se não demonstra no caso em apreço, apenas se evidenciando pretender o Chamado, para sua defesa em ulterior acção de regresso, impedir a repercussão na sua esfera jurídica dos efeitos de eventual condenação da Ré, visando evitá-la."
 
[MTS]