"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/11/2016

Jurisprudência (489)


Indeferimento liminar; audição prévia das partes;
nulidade processual


1. O sumário de RC 30/6/2016 (1334/15.5T8LMG. C1) é o seguinte:
 
I – Não tendo proferido decisão de indeferimento liminar, mas outra na qual em sede liminar ordenou o prosseguimento do processo para oposição das requeridas e realização de audiência final, não pode o tribunal a quo proferir novo despacho que na prática se traduz num indeferimento liminar.

II – Proferida uma verdadeira decisão de indeferimento liminar, fora do tempo processual adequado, tal pode consubstanciar a prática de uma nulidade processual secundária (artºs 195º e 199º nCPC) que deveria ter sido arguida expressamente pelo apelante, no prazo de 10 dias após a notificação do despacho de indeferimento liminar.

III – O meio próprio para reagir contra essa nulidade não é uma simples reclamação ou arguição perante o tribunal, mas a interposição de recurso do despacho em causa.

IV – O artº 386º do C. Trabalho de 2009 dispõe que o trabalhador pode requerer a suspensão do seu despedimento no prazo de 5 dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no CPT.

V – Por sua vez, resulta do artº 387º do mesmo código que a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial e o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.

VI – O artº 34º, nº 4 do C.P. Trabalho dispõe que a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento deve ser requerida no requerimento inicial, caso não tenha ainda sido apresentado o formulário referido no artº 98º-C, sob pena de extinção do procedimento cautelar.

VII – E o artº 39º do mesmo CPT estabelece que a suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento...

VIII – O regime actualmente em vigor, para além de dissolver as dúvidas que existiam quanto à possibilidade do trabalhador poder lançar mão da providência cautelar da suspensão do despedimento quando confrontado com situações de despedimento fundado em razões objectivas, veio reafirmar a faculdade que aquele tem de instaurar o procedimento cautelar respectivo quando é alvo de um despedimento não formal, podendo, para o efeito, indicar a prova que entender por conveniente.

IX – A interpretação sustentada pelo STJ no Ac. Un. Jur. nº 1/2003 é clara ao afirmar que o trabalhador pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento desde que este seja a causa invocada pela entidade patronal para a cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento.

X – Assim, o actual regime do CPT permite alargar o âmbito de aplicação da medida cautelar regulada nos artºs 34º e segs. do CPT a situações de cessação do contrato de trabalho que, não sendo formal e expressamente qualificadas pelo empregador como despedimento, possam ainda ser reconduzidas a essa modalidade de extinção do vínculo laboral.

XI – As regras do CPT não excluem a possibilidade de propositura de um procedimento cautelar de suspensão de despedimento por dependência de uma ação declarativa com processo comum laboral.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"Suscita o apelante a questão de ter sido surpreendido com a decisão de que recorre, ocorrendo violação do princípio do contraditório contido no disposto no art. 3.º do CPCivil, na medida em que a decisão tomada constituiu para si uma “decisão surpresa”.

[...] em sede de despacho liminar, o mesmo apelante foi antes notificado para se pronunciar quanto à possibilidade de o requerimento do procedimento ser liminarmente indeferido, com enunciação dos fundamentos para tanto e, perante essa notificação, veio pronunciar-se sobre tal possibilidade.

Sucede que, na sequência dessa audição, o tribunal a quo não proferiu qualquer despacho de indeferimento liminar, mas ante proferiu despacho no qual se considerou “prudente” ouvir as requeridas sobre a questão, ordenando a sua citação para, querendo, se oporem à providência cautelar, nos termos do disposto no art. 34.º, n.º 1, do CPT, designando ainda data para audiência final.

Por consequência, não tendo proferido decisão de indeferimento liminar, mas outra na qual em sede liminar ordenou o prosseguimento do processo para oposição das requeridas e realização de audiência final, não poderia ter proferido novo despacho que na prática de traduz num indeferimento liminar, já que se reconduz, sem antes ter tido lugar a audiência final com produção de prova, a uma apreciação sobre os próprios pressupostos do procedimento requerido elencados no requerimento inicial.

O tribunal a quo não estava impedido de proferir decisão de conteúdo substancial idêntico à tomada. Mas o tempo processual adequado não era o que nele teve lugar, mas antes o momento da decisão final, após a audiência final convocada e que, depois, veio a não ter lugar. Não tendo sequer comunicado previamente à partes, para audição, a intenção de adequar o processado (como o poderia fazer no quadro do disposto no art. 547.º do CPCivil) e proferir decisão final com dispensa de audiência final para produção de prova, a decisão em causa só pode ser entendida como a decisão de indeferimento liminar antes anunciada como uma possibilidade.

Proferido, pois, uma verdadeira decisão de indeferimento liminar, fora do tempo processual adequado, tal poderia consubstanciar, antes de mais, a prática de uma nulidade processual secundária (artigos 195.º e 199.º do NCPC) que deveria ter sido arguida expressamente pelo apelante, no prazo de 10 dias após a notificação do despacho de indeferimento liminar.
 
O apelante não o fez, mas é certo que o poderia ter feito no recurso, já que o que estaria em causa é a prática de uma alegada nulidade processual coberta pela decisão recorrida – ou seja, a decisão fora do momento adequado. Nesse caso, o meio próprio para reagir contra a nulidade não seria a simples reclamação ou arguição perante o tribunal, mas o recurso do despacho que a sanciona. Tal como refere o professor Alberto dos Reis, no seu Comentário ao Código de Processo Civil, volume II, páginas 507 a 510, quando afirma o seguinte: “a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou a reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente”.

Mas não foi com este enfoque, da impossibilidade de ter sido proferida decisão liminar de indeferimento dado o momento processual em causa, que o requerente arguiu nulidade. Por isso, a mesma deve considerar-se sanada, por falta da sua arguição tempestiva.

O que o apelante veio arguir foi a “nulidade da decisão” por violação do princípio do contraditório, ocorrendo violação do disposto no art. 3.º do CPCivil.
 
Não se trata também aqui de uma verdadeira nulidade da decisão (no quadro das nulidades previstas no art. 615.º do CPCivil), mas antes a prática de uma alegada nulidade processual coberta pela decisão contida no mesmo despacho – ou seja, a omissão da observância do princípio do contraditório -, pelo que, como dissemos, o meio próprio para reagir contra a nulidade seria o recurso do despacho que a sanciona.
 
Neste âmbito, contudo, não se nos afigura que o apelante tenha razão.

Nos termos do n.º 3 daquele art. 3.º do CPC, o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir de questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Ora, na decisão recorrida fez-se referência a que requerente foi notificado para se pronunciar quanto à “possibilidade de ser o procedimento liminarmente indeferido, o que fez por requerimento a fls. 47 a 64”.

E, na verdade, tal foi feito com enunciação dos fundamentos para tanto, designadamente no que toca ao erro na forma do processo.

Deste modo, não podemos considerar que foi tomada uma decisão sobre questões de direito “sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Ou seja, não pode considera-se que o conteúdo da decisão foi uma “surpresa” para o apelante, já que tinha sido notificado para essa possibilidade.

Sendo assim, deve improceder a apelação nesta parte."
 
[MTS]