Decisão-surpresa; nulidade;
investigação da paternidade; caducidade;
1. O sumário de STJ 23/6/2016 (1937/15.8T8BCL.S1) é o seguinte:
I. Sendo deduzida na contestação apenas defesa por excepção, não é admitido articulado de réplica (art. 584º, nº 1); por isso, a não ser que o juiz determine o contraditório antecipado, ao abrigo do princípio da adequação formal (art. 547º), a resposta às excepções suscitadas pelo réu deve ser exercida na audiência prévia, nos termos dos arts. 3º, nº 4, e 591º, nº 1, do CPC.
II. O facto de a autora ter requerido em acto avulso o desentranhamento da contestação por extemporaneidade não permite concluir que lhe foi garantido o exercício do contraditório quanto à defesa por excepção que nela fora suscitada.
III. A omissão de acto destinado a proporcionar ao autor o contraditório relativamente à excepção de caducidade do exercício do direito de reconhecimento da paternidade deduzida ao abrigo do art. 1817º, nº 1, ex vi art. 1873º do CC, determina a nulidade do despacho saneador onde tal excepção foi apreciada e julgada procedente.
IV. Apesar da referida nulidade, tal não impede o Supremo de, no âmbito do recurso de revista per saltum interposto pela autora, apreciar e confirmar a caducidade da acção pelo decurso do prazo-regra de 10 anos previsto no art. 1817º, nº 1, do CC, se além de a mesma resultar evidente do simples confronto entre a data de nascimento da autora e a data da interposição da acção se verificar ainda que a autora, nas suas alegações, não questiona o decurso do referido prazo e se limita a suscitar a inconstitucionalidade do referido preceito.
V. A tutela constitucional do direito à identidade pessoal é compatível com o estabelecimento de prazo para a propositura da acção de investigação da paternidade, não sendo inconstitucional a norma do art. 1817º, nº 1, do CC, que fixou para o efeito o prazo-regra de 10 anos a contar da maioridade do investigante.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"[...] É usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir.
Sendo esta a solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, contudo, inadequada quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório.
Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.
É esta a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário ao Ac. da Rel. de Évora, de 10-4-14 (www.dgsi.pt), observou que ainda que a falta de audição prévia constitua uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, essa “nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10-5-14).
Tal solução foi reforçada pelo mesmo processualista em comentário ao Ac. da Rel. do Porto, de 2-3-15 (www.dgsi.pt), concluindo que “o proferimento de uma decisão-surpresa é um vício que afecta esta decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual)”. Com efeito, como aí se refere, até esse momento, “não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir”, e que “o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria” (em blogippc.blogspot.pt, em escrito datado de 23-3-15).
Na verdade, em tais circunstâncias a parte é confrontada com uma decisão, sem que lhe tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório e sem que tenha disposto da possibilidade de arguir qualquer nulidade processual por omissão de um acto legalmente devido, sendo a interposição de recurso o mecanismo apropriado para a sua impugnação (no mesmo sentido cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., pág. 25, e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 52).
Foi esta também a solução que recentemente foi adoptada no Ac. do STJ, de 17-3-16 (Rel. Fonseca Ramos), no proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1, onde se refere que “a decisão-surpresa alegada e verificada quanto ao acórdão da Relação constitui um vício intrínseco da decisão e não do iter procedimental, acarretando a nulidade do acórdão que assentou a sua decisão em dois fundamentos que não foram previamente considerados pela recorrente, que foram decisivos para a decisão e sobre os quais, antes, deveriam ter sido ouvidos recorrente e recorridos”.
3. Agradece-se a atenção prestada ao Blog e regista-se, naturalmente com satisfação pessoal, que o STJ também entende que a violação da proibição da decisão-surpresa determina a nulidade, por excesso de pronúncia, da própria decisão-surpresa (cf. art. 615º, nº 1, al. d), CPC).
MTS