"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/12/2016

Jurisprudência (506)



Presunções judiciais;
poderes do STJ


1. O sumário de STJ 14/7/2016 (377/09.2TBACB.L1.S1) é o seguinte:

I. As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova propriamente dito, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC; tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código.

II. Essas presunções são um meio frequente de provar os factos de natureza psicológica, já que estes, em regra, não são passíveis de demonstração direta, mas antes por via de circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados.

III. Face à competência alargada da Relação em sede de reapreciação da decisão de facto, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, é lícito à 2.ª instância, com base mormente na prova gravada, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1.ª instância no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Código.

IV. No que respeita à sindicância, em sede de revista, sobre o uso de presunções judiciais pelas instâncias, tem-se admitido que o STJ só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

V. No caso presente, em que está em causa a má fé dos contraentes na realização de ato oneroso de alienação objeto de impugnação pauliana, o uso das presunções judiciais, por parte do Tribunal a quo, ocorreu sobre matéria em relação à qual era perfeitamente admissível e até frequente o recurso a tais presunções, nos termos permitidos pelo artigo 351.º com referência aos artigos 392.º e seguintes do CC e artigo 607.º, n.º 5, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, sendo que tal utilização foi empreendida na esfera dos poderes de cognição do erro de facto amplamente traçados no artigo 662.º, n.º 1, deste último diploma.

VI. Por outro lado, não se divisa que os factos dados como provados pela Relação exorbitem a matéria alegada pelas partes nem que contrariem os demais factos ali também mantidos ou dados como provados.

VII. Por fim, no tocante às regras da experiência convocadas pelo Tribunal a quo, não se afigura que as inferências extraídas padeçam de ilogicidade evidente.

VIII. Assim, respeitados que se mostram os parâmetros legais da utilização das presunções judiciais, seja em sede da sua admissibilidade, seja em sede dos seus pressupostos e da sua aparente logicidade, o invocado erro na apreciação dessas provas só seria porventura prescrutável mediante análise crítica da prova produzida, o que escapa à esfera de competência do tribunal de revista.
 
2. Na fundamentação do acórdão pode ler.se o seguinte:
 
"Como correntemente tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC. Tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código.

E importa ter presente que essas presunções são um meio frequente de provar os factos de natureza psicológica, já que estes, em regra, não são passíveis de demonstração direta, mas antes por via de circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados, como é o caso dos comportamentos dos R.R. aqui em foco.

Hoje, face à competência alargada da Relação em sede de reapreciação da decisão de facto, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, é lícito à 2.ª instância, com base mormente na prova gravada, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1.ª instância no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Código.

Já em sede de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita.

Com efeito, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, ao STJ incumbe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixado pelas instâncias, não podendo alterar a decisão de facto, a não ser no caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º ou de ampliação dessa decisão de facto ao abrigo do n.º 3 do indicado artigo 682.º.

Por sua vez, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o preceituado no n.º 3 do artigo 674.º, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de provas”. E, no que respeita, às presunções judiciais tem-se admitido, ainda que com alguma controvérsia, que o STJ “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados” [
Neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do STJ, de 25/11/2014, proferido no processo n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, relatado por Pinto de Almeida, acessível na Internet – http://www.dgsi. pt/stj].
 
3. [Comentário] Não há nenhum obstáculo à utilização pelo STJ de qualquer presunção judicial, dado que o STJ não pode estar limitado quanto ao poder de inferir de um facto (fixado pelas instâncias) outro facto. 
 
O que o STJ não pode é pôr em causa o facto que serve de base à presunção judicial, dado que está vinculado à matéria de facto apurada nas instâncias (cf. art. 682.º, n.º 1, CPC). Mas com este limite quanto ao facto-base da presunção, nada impede que o STJ infira desse facto outro facto, dado que não está a modificar a matéria de facto apurada nas instâncias.
 
Mesmo a propor, como o STJ faz, uma aplicação restrita das presunções judiciais, há, pelo menos, um caso a acrescentar ao elenco estabelecido pelo STJ: aquele em que as instâncias não utilizaram a presunção judicial, isto é, nada inferiram do facto-base. Dir-se-á até que é praticamente impossível que tal nunca tenha sucedido no STJ.

MTS