"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/12/2016

Jurisprudência (500)


Competência internacional; Reg. 1215/2012;
pacto de jurisdição tácito
 

1. O sumário de RG 9/6/2016 (3077/15.0T8BRG.G1) é o seguinte:

I. A competência é aferida em relação ao objecto da acção tal como é apresentada pelo autor na petição inicial.
 
II. Na ordem jurídica portuguesa vigoram em simultâneo dois regimes gerais de competência internacional: o regime comunitário e o regime interno. No entanto, quando a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, é esse regime que prevalece sobre o regime interno por ser de fonte hierarquicamente superior e face ao princípio do primado do direito europeu.
 
III. O regime comunitário aplicável relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial está contido no Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, substituído a partir de 10 de Janeiro de 2015 pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012.
 
IV. Ambos os regulamentos, como regime regra, em matéria civil e comercial consagram a regra geral do domicílio do requerido (localizado num Estado-Membro), como critério fundamental de conexão, para fixação da competência internacional, independentemente da sua nacionalidade.
 
V. No entanto, apesar do regime regra da competência ser o do domicílio do demandado, o Regulamento enumera nas secções 2 a 7 (artigos 7º a 26º) um conjunto de critérios especiais.
 
VI. No artº 26º do regulamento 1215/2012 prevêem-se aquelas situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, não era competente, a comparência nele do demandado torna-o competente, a não ser que essa comparência se tenha destinado, exclusivamente, a arguir a incompetência.
 
VII. Em tais situações, a competência do tribunal resulta de um acordo tácito ocorrido no decurso da acção, ou seja, tudo se passa como se o réu, em acordo com o autor, tivesse aceitado tal competência.
 
VIII. Mas a comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa. Ponto é que essa contestação da competência seja prévia a toda a defesa de mérito ou, quando menos, tenha lugar o mais tardar até ao momento da tomada de posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa formulado no processo.
 
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
 
"A presente acção está compreendida no âmbito territorial, material e temporal do Regulamento nº 1215/2012. Com efeito, o regulamento é aplicável em todos os Estados-Membros, designadamente à França; o litígio tem conexão com o território de Estados-Membros vinculados pelo Regulamento, Portugal e França, sendo que dois dos requeridos estão domiciliados num desses Estados-Membros segundo indica a p.i e aí foram citados; a acção tem por objecto matéria comercial não excluída do âmbito do Regulamento por nenhum dos seus preceitos; a acção foi instaurada em 15 de Junho de 2015 autuada em 16 de Junho de 2015, sendo que o regulamento se aplica a partir de Janeiro de 2015 com excepção dos artigos 75º e 76º que se aplicam a partir de Janeiro de 2014, nos termos prescritos no seu artº 81º.
 
Este Regulamento aplica-se em matéria civil e comercial – artigo 1º, nº 1. [...]
 
[...] no artº 26º do citado diploma que prevê a chamada competência convencional tácita, preceitua-se que, «para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24º».

Aqui, prevêem-se aquelas situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, não era competente, a comparência nele do demandado torna-o competente, a não ser que essa comparência se tenha destinado, exclusivamente, a arguir a incompetência.
 
Em tais situações, a competência do tribunal resulta de um acordo tácito «ocorrido no decurso da acção, ou seja, tudo se passa como se o réu, em acordo com o autor, tivesse aceitado tal competência (que assim fica determinada)». Acórdão da Relação de Coimbra, de 28.9.2010, in www.dgsi.pt.

Mas, como refere Luís de Lima Pinheiro, a jurisprudência comunitária (Tribunal de Justiça das Comunidades) vem entendendo que a comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa. Ponto é que essa contestação da competência seja prévia a toda a defesa de mérito ou, quando menos, tenha lugar o mais tardar até ao momento da tomada de posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa formulado no processo. Direito Internacional Privado, Volume III, pág. 147.

No mesmo sentido, salienta Sofia Henriques que «a excepção de incompetência e a defesa quanto ao fundo que a mesma acompanha devem ser apresentadas, o mais tardar, ao mesmo tempo que as excepções dilatórias. (…). Assim, sempre que o demandado compareça e se defenda não apenas com a excepção de incompetência, mas apresente também a sua defesa quanto ao fundo, tal afasta a prorrogação tácita de competência. (…) Na verdade, se assim não fosse, poderia o demandado ver coarctada a sua defesa, por ficar impedido de deduzir ulteriormente a sua defesa quanto ao fundo da questão, face ao princípio da preclusão ou concentração, em vigor em vários países da União Europeia». Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE), nº 44 de 2001, pág. 98 e 102.

No caso, os dois réus contestantes, como se referiu, contestaram por excepção (ilegitimidade) e por impugnação, mas não arguiram a incompetência internacional do Tribunal Judicial de Braga.

A autora apresentou réplica, na qual contestou a excepção de ilegitimidade invocada concluindo pela sua improcedência. 

Só após os articulados, a Sra. Juiz oficiosamente decidiu suscitar a questão da incompetência internacional, ouvindo as partes.

A contestação da competência, como referem os citados autores, não foi prévia a toda a defesa de mérito, nem teve lugar “o mais tardar até ao momento da tomada de posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa formulado no processo”. Ao contrário nem sequer foi apresentada pelos réus.

Deste modo, a descrita intervenção dos réus / apelados (aliás assumindo residirem na Póvoa de Lanhoso) no processo deve ser considerada como tácita aceitação da competência da Instância Local Cível de Braga, Comarca de Braga, por força do disposto no citado artigo 26º do Regulamento (CE) nº 1251/2012. Neste sentido acórdão de 11.09.2014 no processo nº C-112/13 do Tribunal de Justiça o qual se pronuncia sobre o artº 24 da Regulamento 44/2001 cuja redacção corresponde ao actual artº 27º supracitado, entre outros."

[MTS]