Arbitragem necessária; recurso de revista;
admissibilidade
1. O STJ 23/6/2016 (1248/14.6YRLSB.S1) é o seguinte:
A norma constante do nº 7 do art. 3º da Lei 62/11, ao estabelecer que das decisões do tribunal arbitral necessário, ali previsto, cabe recurso para a Relação, não deve interpretar-se no sentido de estabelecer uma absoluta exclusão da recorribilidade para o STJ do acórdão proferido em 2ª instância – devendo, ao menos, admitir-se a revista – fundada na norma constante do nº8 do art. 59º da LAV, subsidiariamente aplicável – quando a questão suscitada seja atinente à definição da competência material do tribunal arbitral e sobre a mesma exista um conflito jurisprudencial sedimentado ao nível da Relação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"5. Importa [...] verificar se o recurso interposto pela entidade recorrente – perspectivado como revista normal - é ou não amissível, perante, nomeadamente, a norma constante do nº. 7 do art. 3º da Lei 62/11; ou seja, o que está em causa é fundamentalmente a interpretação desta norma, que estabelece que da decisão proferida pelo tribunal arbitral necessário cabe recurso para o Tribunal da Relação competente: significará este regime recursório que só é admissível recurso até à Relação, estando absolutamente excluída a possibilidade de aceder ao STJ? ou, pelo contrário, tal norma deverá ser interpretada como consagrando apenas que o órgão jurisdicional competente para exercer o duplo grau de jurisdição sobre as decisões arbitrais é a Relação –cabendo do acórdão por esta proferido as possibilidades impugnatórias normalmente existentes na lei de processo?
Considerando a relevância desta questão, entende-se ser pertinente destacá-la da questão que constitui objecto do recurso, decidindo-a imediatamente em acórdão interlocutório – e só se passando naturalmente à apreciação da questão de mérito se obtiver vencimento a tese de que é admissível, na situação dos autos, revista normal para o STJ: para tal contribui decisivamente a circunstância de a interpretação do referido nº7 não ser pacífica nesta própria Secção [..] e a complexidade da questão que integra o objecto do recurso, não fazendo sentido abordá-la de modo aprofundado sem estar definitivamente dirimida a questão prévia da recorribilidade.
E, por estas razões, considera-se aplicável, por analogia, o preceituado no nº4 do art. 552º do CPC para o julgamento das reclamações, considerando que a questão prévia da recorribilidade, nestas circunstâncias, aconselha decisão imediata, tomada antecipadamente ao acórdão que – se prevalecer a tese da recorribilidade para o STJ – irá apreciar a questão de fundo que constitui objecto da revista interposta.
6. [...] É certo que é subsidiariamente aplicável em sede de arbitragem necessária o regime vigente quanto à arbitragem voluntária: tal decorre do art. 1085º do CPC e é especificamente estatuído na própria Lei 62/11, ao estabelecer-se (nº8 do art. 3º) que vale aqui subsidiariamente o regime geral da arbitragem voluntária.
Ora, se é certo que na LAV as possibilidades de impugnação das decisões arbitrais para o tribunal estadual estão fortemente comprimidas, dependendo de expresso acordo das partes na própria convenção (art. 39º, nº4), afigura-se, todavia, que este regime excludente da recorribilidade tem de ser apreciado com particulares cautelas quando passamos para o domínio da arbitragem necessária.
Desde logo, não pode perder-se de vista que – mesmo na arbitragem voluntária – é necessário distinguir entre a impugnação da decisão arbitral e a impugnabilidade da decisão que – sendo possível o recurso da decisão arbitral para o tribunal estadual –por este venha a ser proferida sobre o litígio: é que a norma constante do nº8 do art. 59º da LAV estabelece que salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo, de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.
Ou seja: é necessário distinguir claramente os planos da admissibilidade de recurso da própria decisão arbitral (efectivamente restringida de modo muito intenso na LAV) e da possibilidade de recurso da decisão que o tribunal estadual competente – a Relação – vier a tomar sobre o decidido pelo tribunal arbitral, vigorando, neste caso, as possibilidades recursórias normalmente previstas na lei de processo: e, deste modo, as decisões proferidas pelos tribunais estaduais sobre decisões arbitrais terão os recursos previstos normalmente na lei de processo, salvo se tal recorribilidade se mostrar expressamente afastada.
Ora, no caso dos autos, não se afigura que à norma constante do citado nº 7 do art. 3º deva ser atribuído o sentido de excluir em absoluto todas as possibilidades impugnatórias consagradas na lei de processo, referentemente aos acórdãos proferidos pela Relação – pelo que a revista sempre caberia ainda no âmbito do citado nº8 do art. 59º da LAV, conjugado com a remissão operada pelo nº8 do art. 7º da Lei 62/11.
Acresce que as razões que conduzem à forte restrição da recorribilidade, no âmbito da arbitragem voluntária, podem não valer, do mesmo modo e com a mesma intensidade, no campo da arbitragem necessária: saliente-se que o TC, em jurisprudência recente, tem condicionado a própria admissibilidade da arbitrabilidade necessária em determinadas áreas litigiosas à condição de o regime procedimental de funcionamento do tribunal arbitral necessário contemplar ou não mecanismos que proporcionem aos tribunais estaduais, com suficiente abrangência para salvaguardar os valores constitucionais em presença, a última palavra na resolução dos litígios submetidos, em primeira linha, à jurisdição arbitral necessária, através da adequada e suficiente via do recurso. [...]
Ora – mesmo para quem considere que a referida norma, constante do nº 7 do art. 3º em análise, não deve ser interpretada em termos de conceder um amplo acesso ao STJ, relativamente às decisões proferidas pela Relação sobre decisões do tribunal arbitral necessário (que poderia decorrer da conjugação desta norma com a do art. 59º, nº 8 da LAV) - afigura-se que, no específico caso dos autos, o acesso ao STJ não poderá deixar de ter cabimento, por duas razões fundamentais:
- a primeira delas, é que o presente litígio acaba por incidir sobre a delimitação dacompetência material do próprio tribunal arbitral necessário: o que está fundamentalmente em causa é saber se a competência em razão da matéria de tal órgão jurisdicional inclui ou não a apreciação da questão da nulidade de uma patente, suscitada pelo interessado como simples excepção peremptória (ou se, pelo contrário, apenas detém competência material para apreciar tal matéria litigiosa, independentemente da forma ou modo processual como se mostre suscitada, o Tribunal da Propriedade Intelectual): ora, como é sabido, cabe sempre recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, das decisões que hajam apreciado matéria de competência absoluta do tribunal, nos termos do art. 629º, nº2, al. a) , do CPC;
- depois, porque, no caso dos autos, está sedimentada uma contradição jurisprudencial ao nível da Relação de Lisboa – Tribunal competente para apreciar os recursos das decisões do tribunal arbitral necessário – bastando pôr em confronto o acórdão recorrido com o acórdão de 13/2/14 invocado pelo recorrente, em que se decidiu - em frontal contradição com o acórdão recorrido -- que o tribunal arbitral previsto no art.º 3.º da Lei n.º 62/2011 (para dirimir litígios entre empresas de medicamentos genéricos e entre empresas de medicamentos de referência respeitantes a direitos de propriedade industrial) não tem competência para apreciar, ainda que a título de mera exceção, a invalidade de patente.
Ora, nestas circunstâncias, sedimentado, ao nível das Relações, um conflito jurisprudencial sobre matéria atinente à delimitação do âmbito da competência material do próprio tribunal arbitral necessário (questão que, aliás, não é pacífica entre os próprios juízes árbitros), é evidente que a única via possível para o solucionar, em homenagem aos valores da certeza e segurança na aplicação do direito, só pode resultar da possibilidade de interposição de revista, ao menos alicerçada neste específico fundamento. A não ser assim, poderiam eternizar-se decisões contraditórias sobre este tema de fulcral importância, não se compreendendo que a lei de processo não contemplasse nenhuma via ou remédio para solucionar este conflito jurisprudencial, que assim se poderia perpetuar indefinidamente, até que se verificasse intervenção legislativa na matéria…"
Considerando a relevância desta questão, entende-se ser pertinente destacá-la da questão que constitui objecto do recurso, decidindo-a imediatamente em acórdão interlocutório – e só se passando naturalmente à apreciação da questão de mérito se obtiver vencimento a tese de que é admissível, na situação dos autos, revista normal para o STJ: para tal contribui decisivamente a circunstância de a interpretação do referido nº7 não ser pacífica nesta própria Secção [..] e a complexidade da questão que integra o objecto do recurso, não fazendo sentido abordá-la de modo aprofundado sem estar definitivamente dirimida a questão prévia da recorribilidade.
E, por estas razões, considera-se aplicável, por analogia, o preceituado no nº4 do art. 552º do CPC para o julgamento das reclamações, considerando que a questão prévia da recorribilidade, nestas circunstâncias, aconselha decisão imediata, tomada antecipadamente ao acórdão que – se prevalecer a tese da recorribilidade para o STJ – irá apreciar a questão de fundo que constitui objecto da revista interposta.
6. [...] É certo que é subsidiariamente aplicável em sede de arbitragem necessária o regime vigente quanto à arbitragem voluntária: tal decorre do art. 1085º do CPC e é especificamente estatuído na própria Lei 62/11, ao estabelecer-se (nº8 do art. 3º) que vale aqui subsidiariamente o regime geral da arbitragem voluntária.
Ora, se é certo que na LAV as possibilidades de impugnação das decisões arbitrais para o tribunal estadual estão fortemente comprimidas, dependendo de expresso acordo das partes na própria convenção (art. 39º, nº4), afigura-se, todavia, que este regime excludente da recorribilidade tem de ser apreciado com particulares cautelas quando passamos para o domínio da arbitragem necessária.
Desde logo, não pode perder-se de vista que – mesmo na arbitragem voluntária – é necessário distinguir entre a impugnação da decisão arbitral e a impugnabilidade da decisão que – sendo possível o recurso da decisão arbitral para o tribunal estadual –por este venha a ser proferida sobre o litígio: é que a norma constante do nº8 do art. 59º da LAV estabelece que salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo, de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.
Ou seja: é necessário distinguir claramente os planos da admissibilidade de recurso da própria decisão arbitral (efectivamente restringida de modo muito intenso na LAV) e da possibilidade de recurso da decisão que o tribunal estadual competente – a Relação – vier a tomar sobre o decidido pelo tribunal arbitral, vigorando, neste caso, as possibilidades recursórias normalmente previstas na lei de processo: e, deste modo, as decisões proferidas pelos tribunais estaduais sobre decisões arbitrais terão os recursos previstos normalmente na lei de processo, salvo se tal recorribilidade se mostrar expressamente afastada.
Ora, no caso dos autos, não se afigura que à norma constante do citado nº 7 do art. 3º deva ser atribuído o sentido de excluir em absoluto todas as possibilidades impugnatórias consagradas na lei de processo, referentemente aos acórdãos proferidos pela Relação – pelo que a revista sempre caberia ainda no âmbito do citado nº8 do art. 59º da LAV, conjugado com a remissão operada pelo nº8 do art. 7º da Lei 62/11.
Acresce que as razões que conduzem à forte restrição da recorribilidade, no âmbito da arbitragem voluntária, podem não valer, do mesmo modo e com a mesma intensidade, no campo da arbitragem necessária: saliente-se que o TC, em jurisprudência recente, tem condicionado a própria admissibilidade da arbitrabilidade necessária em determinadas áreas litigiosas à condição de o regime procedimental de funcionamento do tribunal arbitral necessário contemplar ou não mecanismos que proporcionem aos tribunais estaduais, com suficiente abrangência para salvaguardar os valores constitucionais em presença, a última palavra na resolução dos litígios submetidos, em primeira linha, à jurisdição arbitral necessária, através da adequada e suficiente via do recurso. [...]
Ora – mesmo para quem considere que a referida norma, constante do nº 7 do art. 3º em análise, não deve ser interpretada em termos de conceder um amplo acesso ao STJ, relativamente às decisões proferidas pela Relação sobre decisões do tribunal arbitral necessário (que poderia decorrer da conjugação desta norma com a do art. 59º, nº 8 da LAV) - afigura-se que, no específico caso dos autos, o acesso ao STJ não poderá deixar de ter cabimento, por duas razões fundamentais:
- a primeira delas, é que o presente litígio acaba por incidir sobre a delimitação dacompetência material do próprio tribunal arbitral necessário: o que está fundamentalmente em causa é saber se a competência em razão da matéria de tal órgão jurisdicional inclui ou não a apreciação da questão da nulidade de uma patente, suscitada pelo interessado como simples excepção peremptória (ou se, pelo contrário, apenas detém competência material para apreciar tal matéria litigiosa, independentemente da forma ou modo processual como se mostre suscitada, o Tribunal da Propriedade Intelectual): ora, como é sabido, cabe sempre recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, das decisões que hajam apreciado matéria de competência absoluta do tribunal, nos termos do art. 629º, nº2, al. a) , do CPC;
- depois, porque, no caso dos autos, está sedimentada uma contradição jurisprudencial ao nível da Relação de Lisboa – Tribunal competente para apreciar os recursos das decisões do tribunal arbitral necessário – bastando pôr em confronto o acórdão recorrido com o acórdão de 13/2/14 invocado pelo recorrente, em que se decidiu - em frontal contradição com o acórdão recorrido -- que o tribunal arbitral previsto no art.º 3.º da Lei n.º 62/2011 (para dirimir litígios entre empresas de medicamentos genéricos e entre empresas de medicamentos de referência respeitantes a direitos de propriedade industrial) não tem competência para apreciar, ainda que a título de mera exceção, a invalidade de patente.
Ora, nestas circunstâncias, sedimentado, ao nível das Relações, um conflito jurisprudencial sobre matéria atinente à delimitação do âmbito da competência material do próprio tribunal arbitral necessário (questão que, aliás, não é pacífica entre os próprios juízes árbitros), é evidente que a única via possível para o solucionar, em homenagem aos valores da certeza e segurança na aplicação do direito, só pode resultar da possibilidade de interposição de revista, ao menos alicerçada neste específico fundamento. A não ser assim, poderiam eternizar-se decisões contraditórias sobre este tema de fulcral importância, não se compreendendo que a lei de processo não contemplasse nenhuma via ou remédio para solucionar este conflito jurisprudencial, que assim se poderia perpetuar indefinidamente, até que se verificasse intervenção legislativa na matéria…"
[MTS]