"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/12/2016

Jurisprudência (520)



Documento; junção em recurso; prova plena;
confissão extrajudicial; impugnação


1. O sumário de RP 26/9/2016 (1203/14.6TBSTS.P1) é o seguinte:

I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
 
II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. 
 
III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. 
 
IV - Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. 
 
V - Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento. 
 
VI - No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.
 
VII - A escritura pública de permuta não faz prova plena de que uma das parte tenha pago à outra determinada quantia; porém, a declaração dessa parte perante o notário de já ter recebido o preço, tem este valor, porquanto implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, e que o artigo 352.º do CCivil qualifica de confissão.
 
VIII - Trata-se de uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente (artigos 355.º, n.º s 1 e 4, e 358.º, n.º 2, do CCivil).
 
IX - A parte é admitida a destruir a força da confissão de haver recebido a quantia em causa, mediante a prova da realidade do facto contrário àquele que a confissão estabeleceu, mas não pode usar da prova testemunhal, desde que não seja arguida a falsidade da escritura pública ou a nulidade ou da confissão por falta ou vícios de vontade.
 
X - Celebrado o contrato definitivo (cumprida a obrigação principal), só podem continuar a ser invocadas as cláusulas do contrato promessa que consagrem prestações conexas que assumam autonomia própria, que surjam “desvinculadas” da obrigação principal da contrapa.
 
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte: 

"Na sua alegação requerem os apelantes a junção aos autos de um documento de que apenas agora tiveram conhecimento e que, por isso mesmo, não puderam em momento anterior carrear para o processo.
 
Trata-se de um documento datado de 27 de Julho de 1992, intitulado “Aditamento ao contrato celebrado em 17.07.1990”, em que figuram como partes, de um lado, V… e D… (Autora falecida na pendência da causa) e, do outro, a sociedade Z…, Lda. (posteriormente incorporada na aqui Apelada).
 
Invocam os Autores, para sustentar a admissibilidade da junção deste documento nesta fase do processo, o disposto nos artigos 651.º n.º 1 e 425.º do Código de Processo Civil.
 
Vejamos, então, se tal admissão se mostra possível.
 
À questão da junção de documentos na fase de recurso se refere expressamente o artigo 651º, nº 1 do CPC, cujo teor ora se transcreve:
 
Artigo 651º
Junção de documentos e de pareceres
1-As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.

E dispõe o artigo 425º para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever:
 
Artigo 425º
Apresentação em momento posterior
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
 
E importará ter presente, enfim, enquanto norma contendo o “princípio geral” que referencia, na dinâmica do processo, o momento da apresentação de prova por documentos, o artigo 423º do CPC:
 
Artigo 423º
Momento da Apresentação
1-Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2-Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3-Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. 
 
Da concatenação destas normas decorre, que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excepcional) depende da caracterização (rectius, da alegação e da prova) pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; (2) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí-até ao julgamento em primeira instância-se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este. 
 
Os documentos em referência nos citados artigos são habitualmente designados de documentos supervenientes, sendo que, e a sua superveniência pode ser objectiva, nos casos em que o documento só foi produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão ou subjectiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento.
 
Neste caso invocam os Autores a superveniência subjectiva do documento, já que este, sendo datado de 27-07-1992, existia mesmo antes da data da proposição da acção (afastando-se, assim, liminarmente, a hipótese de superveniência objectiva).
 
Como se sabe, a junção de documentos na instância de recurso obedece, como não poderia deixar de ser, a regras particularmente restritivas.
 
Como supra se referiu, com as suas alegações do recurso de apelação, as partes só podem juntar documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes, isto é, cuja apresentação foi impossível até à apresentação dessas alegações ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artº 524 nºs 1 e 2 e 693-B, 1ª parte, do CPC). 
 
Todavia, esta faculdade não compreende o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia–e deveria–ter oferecido naquela instância.
 
Com efeito, quando ocorra uma dessas situações, a parte que pretenda oferecer o documento deve, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objectivo ou subjectivamente superveniente desse mesmo documento.
 
Ora, no que concerne à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, pois que, dessa forma permitir-se-ia que fossem acolhidas todas as incúrias e imprevidências das partes.
 
Portanto, a parte deve alegar e provar a impossibilidade da sua junção naquele momento e, como tal, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. 
 
Efectivamente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento, sendo que, em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se uma negligência sua, já que só desse modo o documento pode ter-se por subjectivamente superveniente [cfr. neste sentido, João Espírito Santo, O Documento Superveniente para efeito de recurso ordinário e extraordinário, pág. 47.].
 
Sopesando, não basta alegar a superveniência subjectiva do documento, sendo ainda exigível à parte a prova quer do não conhecimento tempestivo do documento, quer da inimputabilidade a uma culpa própria da ignorância da existência dele.
 
Todavia, só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento, pois que, como se refere no Ac. da RC de /11/2014[2] a “(…) a questão não é o que “não se sabe”, “porque não se sabe”-ninguém sabe aquilo que não teve acuriosidade ou o cuidado de averiguar-a questão é o que justificadamente alguém “não podia saber, mas veio a saber mais tarde” e só neste caso se fala em superveniência subjectiva.”
 
[MTS]