"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/12/2016

Jurisprudência (502)


Revista; admissibilidade;
custas processuais; condenação em multa; recorribilidade


1. O sumário de STJ 23/6/2016 (1927/11.0TBFAR-B.E1.S2) é o seguinte:

I - Estando em causa o recurso de uma decisão em que se discute a própria recorribilidade irrestrita da mesma e havendo oposição entre a solução encontrada e o decidido em acórdão do STJ relativamente à interpretação do n.º 6 do art. 27.º do RCP, a revista é admissível com base na previsão excepcional da alínea a) do artigo 671.º, n.º 2, do NCPC (2013) por valer aqui, por analogia, a razão subjacente ao disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 629.º do mesmo diploma legal, i.e., assegurar o recurso das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

II - O referido normativo – artigo 27.º, n.º 6, do RCP – ao prever que “Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso” vem suscitando dúvidas na jurisprudência, havendo quem entenda que a admissibilidade do recurso depende da verificação dos requisitos gerais de recorribilidade (valor e sucumbência) e quem, pelo contrário, defenda que o recurso é sempre admissível nas situações previstas no preceito.

III - A interpretação que, no entanto, encontra correspondência no texto legal e que melhor acolhe os critérios interpretativos enunciados no art. 9.º do CC é a de que, com tal norma, o legislador pretendeu introduzir uma regra geral de recorribilidade de decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória, de modo a colmatar o bloqueio provocado pelo factor condicionante da sucumbência e que a expressão “fora dos casos legalmente admissíveis” é delimitadora da previsão normativa no que toca aos tipos de sanções ali enunciados, visando-se ressalvar dessa previsão os casos já previstos de litigância de má fé.

IV - A interpretação contrária conduz a que só muito dificilmente seja admissível recurso por falta de verificação do pressuposto da sucumbência, uma vez que o valor máximo das multas legalmente previsto não atinge o valor correspondente a metade da alçada do tribunal de 1.ª instância (arts. 10.º e 27.º, n.º 1, do RCP), esvaziando-se, assim, de conteúdo útil a norma em questão.

V - Seguindo a interpretação descrita em III – única que dá coerência ao instituto em referência, seja quanto aos limites das multas, seja quanto ao disposto no art. 644.º, n.º 2, al. e), do NCPC – a decisão condenatória de um agente de execução na multa de 5 UC admite recurso, ainda que apenas em um grau.
 
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
 
"[...] O presente recurso tem por objecto acórdão proferido, em Conferência, pelo Tribunal da Relação de Évora, o qual, mantendo a decisão singular do Exmo. Desembargador Relator, indeferiu a reclamação deduzida ao abrigo do artigo 643º do Código de Processo Civil contra o despacho do Exmo. Juiz da 1ª instância que rejeitou a apelação interposta da condenação do agente de execução em multa com fundamento na falta dos pressupostos gerais de recorribilidade – valor e sucumbência – exigidos pelo artigo 629º nº 1 do Código de Processo Civil.

Está em causa revista interposta de acórdão da Relação que apreciou decisão interlocutória proferida pela 1ª instância relativa a questão de natureza exclusivamente processual, concretamente, a recorribilidade, ou não, da decisão da 1ª instância que aplicou a multa prevista no artigo 723º nº 2 do Código de Processo Civil ao agente de execução na sequência do indeferimento de requerimento por este apresentado.

Não tendo o acórdão recorrido conhecido de mérito nem posto termo ao processo, absolvendo da instância alguma das partes, dele não cabe recurso de revista nos termos do nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil na actual versão, introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável por força do estatuído no seu artigo 7º nº 1.

Quanto às decisões interlocutórias que versem unicamente sobre a relação processual rege o nº 2 do referido artigo 671º, segundo o qual aquelas decisões só podem ser objecto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;
 
b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
 
No caso vertente, o recurso tem por fundamento a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 16.06.2015 (proc. 1008/07.0TBFAR.D.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj), cujo trânsito a lei presume, pelo que, caberia, à primeira vista, na previsão da transcrita al. b) do nº 2 do artigo 671º.

Sucede, porém, que, embora ocorra contradição clara e frontal entre os mencionados acórdãos relativamente à mesma questão jurídica essencial em resultado da aplicação do mesmo quadro normativo, não se verificam os necessários pressupostos gerais atinentes ao valor da causa (a acção tem o valor de €12.140,90) e à sucumbência (a multa aplicada corresponde a cinco unidades de conta) para que o recurso possa admitir-se com tal base legal, pelo que cumprirá analisar se a situação dos autos – por aplicação da alínea a) do nº 2 do artigo 671º – integra alguma das previsões do nº 2 do artigo 629º, preceito que enuncia as hipóteses em que o recurso é sempre admissível.

A questão nuclear colocada no presente recurso de revista prende-se com a interpretação do disposto no nº 6 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, em vigor desde 20 de Abril de 2009, com as alterações introduzidas pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, concretamente, saber se aquele preceito consagra uma regra de recorribilidade irrestrita relativamente às decisões que profiram condenação em multa, admitindo-se o recurso mesmo quando falta a conjugação dos requisitos gerais relativos ao valor da causa e à sucumbência, e, em caso afirmativo, em que grau.

Como se observou no acórdão deste Supremo Tribunal de 26.03.2015 (proc. 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj), que se pronunciou sobre questão idêntica e cuja doutrina seguimos de perto, estaremos perante uma disposição especial relevante para efeitos de aplicação da excepção prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 671º do Código de Processo Civil, parecendo valer aqui, por analogia (artigo 10º do Código Civil), a razão subjacente ao disposto no alínea b) do nº 2 do artigo 629º, isto é, assegurar o recurso das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, independentemente do valor da causa e da sucumbência, na medida em que no caso dos autos está em causa o recurso de decisão em que se discute a própria irrecorribilidade irrestrita da mesma.

Acresce ser inequívoca e frontal a oposição entre a solução encontrada pelos acórdãos em confronto – acórdão recorrido e o identificado acórdão- fundamento deste Supremo Tribunal proferido em 16.06.2015 – relativamente à interpretação do nº 6 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais, ou seja, no tocante a idêntica questão jurídico-factual essencial apreciada no âmbito da mesma legislação e sobre a qual não recaiu jurisprudência uniformizada.

Tem-se, assim, por admissível, o presente recurso de revista com base na previsão excepcional do artigo 671º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil."
 
[MTS]