"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/01/2015

A consequência da omissão do convite ao aperfeiçoamento: um apontamento




1. Em RL 15/5/2014 (26903/13.4T2SNT.L1-2) é transcrita a opinião que defendi numa entrada publicada em 9/4/2014 neste Blog e que, no essencial, se traduz no seguinte: a omissão do dever de convite ao aperfeiçoamento de um articulado deficiente constitui uma nulidade processual (cf. art. 195.º, n.º 1, al. d), CPC); no entanto, esta nulidade processual só se torna patente no momento do proferimento da decisão que considera improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento na insuficiência da matéria de facto que não foi corrigida pela parte por não lhe ter sido solicitado o aperfeiçoamento do seu articulado, pelo que aquela decisão de improcedência é nula por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC).

Sobre esta última conclusão, entendeu a RL o seguinte:

“Verificando-se pois a correspondente nulidade processual, inquinadora da decisão recorrida – cfr. art.º 195.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil – e que, salvo o devido respeito pela opinião de Teixeira de Sousa, prejudica o equacionável de qualquer excesso de pronúncia reportada à inconcludência da causa de pedir, por ausência de alegação de facto essencial. O vício está a montante, na omissão do despacho, que não a jusante, no conhecimento do que poderia ter sido suprido caso tal omitido despacho tivesse sido proferido…e correspondido.”

Não podendo deixar de ficar sensibilizado pela circunstância de a minha posição ser considerada e avaliada pela jurisprudência, aproveito para procurar esclarecer por que motivo continuo a entender que a nulidade resultante da omissão do despacho de aperfeiçoamento não tem relevância por si mesma e que o que pode vir a verificar-se é uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia.

2. A omissão do convite ao aperfeiçoamento não gera, em si mesma, nenhuma nulidade processual. Para confirmar esta asserção, basta pensar em dois casos:

– Ainda que fosse dirigido o convite ao aperfeiçoamento e a parte correspondesse a esse convite, o pedido formulado pela parte haveria sempre de ser julgado improcedente com base numa excepção de conhecimento oficioso (como, por exemplo, a nulidade ou a caducidade) ou com base na falta de qualquer fundamento possível de procedência daquele pedido; se o tribunal vier a considerar, no despacho saneador ou na sentença final, o pedido improcedente, não há motivo para se entender que a omissão do convite ao aperfeiçoamento constitui uma nulidade processual, dado que não foi a omissão desse convite e a consequente falta de supressão das deficiências do articulado que determinaram a improcedência do pedido;

– Ainda que, num juízo objectivo, se possa considerar que o articulado é deficiente, o tribunal assim não entendeu e proferiu uma decisão de procedência sobre o pedido da parte; também neste caso não há razão para se considerar que foi cometida uma nulidade processual, dado que da omissão do despacho de aperfeiçoamento não decorreu nenhuma consequência desfavorável para a parte.

Do exposto parece poder concluir-se que a nulidade que decorre da omissão do despacho de aperfeiçoamento não é absoluta, mas apenas relativa e circunstancial: afinal, tudo depende da relevância que a deficiência não suprida pela falta daquele despacho venha a assumir na decisão do pedido. Como os exemplos acima referidos demonstram, tanto uma decisão de improcedência, como uma decisão de procedência é susceptível de justificar a conclusão de que a omissão daquele despacho não constitui nenhuma nulidade processual.

Dito de outro modo: a nulidade resultante da omissão do despacho de aperfeiçoamento só se verifica se, na apreciação do pedido da parte, for dada relevância à deficiência do articulado, ou seja, se o pedido formulado pela parte for julgado improcedente precisamente com fundamento naquela deficiência.

Se assim é, então não pode concordar-se com a afirmação de que “o vício está a montante, na omissão do despacho, que não a jusante, no conhecimento do que poderia ter sido suprido caso tal omitido despacho tivesse sido proferido…e correspondido.” Como se procurou elucidar, a omissão do despacho de aperfeiçoamento não constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do articulado for utilizado como fundamento da decisão do tribunal. É por isto que não parece desacertado concluir que a omissão do despacho de aperfeiçoamento se traduz num excesso (circunstancial) de pronúncia: sem o proferimento desse despacho, o tribunal não pode considerar improcedente o pedido da parte com base na deficiência do seu articulado (cf. RL 6/5/2014 (1978/12.7TVLSB.L1)). Em contrapartida, tendo proferido despacho de aperfeiçoamento, o tribunal está em condições de considerar improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento nas deficiências do seu articulado.

3. Em suma: a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte.

MTS