1. Em RL 15/5/2014 (26903/13.4T2SNT.L1-2)
é transcrita a opinião que defendi numa entrada publicada em 9/4/2014
neste Blog e que, no essencial, se traduz no seguinte: a omissão do dever de
convite ao aperfeiçoamento de um articulado deficiente constitui uma nulidade
processual (cf. art. 195.º, n.º 1, al. d), CPC); no entanto, esta nulidade
processual só se torna patente no momento do proferimento da decisão que considera
improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento na insuficiência da
matéria de facto que não foi corrigida pela parte por não lhe ter sido
solicitado o aperfeiçoamento do seu articulado, pelo que aquela decisão de
improcedência é nula por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d),
CPC).
Sobre esta última conclusão, entendeu a
RL o seguinte:
“Verificando-se
pois a correspondente nulidade processual, inquinadora da decisão recorrida –
cfr. art.º 195.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil – e que, salvo o
devido respeito pela opinião de Teixeira de Sousa, prejudica o equacionável de
qualquer excesso de pronúncia reportada à inconcludência da causa de pedir, por
ausência de alegação de facto essencial. O vício está a montante, na omissão do
despacho, que não a jusante, no conhecimento do que poderia ter sido suprido
caso tal omitido despacho tivesse sido proferido…e correspondido.”
Não podendo deixar de ficar
sensibilizado pela circunstância de a minha posição ser considerada e avaliada
pela jurisprudência, aproveito para procurar esclarecer por que motivo continuo
a entender que a nulidade resultante da omissão do despacho de aperfeiçoamento não
tem relevância por si mesma e que o que pode vir a verificar-se é uma nulidade
da decisão por excesso de pronúncia.
2. A omissão do convite ao
aperfeiçoamento não gera, em si mesma, nenhuma nulidade processual. Para
confirmar esta asserção, basta pensar em dois casos:
– Ainda que fosse dirigido o convite ao
aperfeiçoamento e a parte correspondesse a esse convite, o pedido formulado
pela parte haveria sempre de ser julgado improcedente com base numa excepção de
conhecimento oficioso (como, por exemplo, a nulidade ou a caducidade) ou com
base na falta de qualquer fundamento possível de procedência daquele pedido; se
o tribunal vier a considerar, no despacho saneador ou na sentença final, o
pedido improcedente, não há motivo para se entender que a omissão do convite ao
aperfeiçoamento constitui uma nulidade processual, dado que não foi a omissão
desse convite e a consequente falta de supressão das deficiências do articulado
que determinaram a improcedência do pedido;
– Ainda que, num juízo objectivo, se
possa considerar que o articulado é deficiente, o tribunal assim não entendeu e
proferiu uma decisão de procedência sobre o pedido da parte; também neste caso
não há razão para se considerar que foi cometida uma nulidade processual, dado
que da omissão do despacho de aperfeiçoamento não decorreu nenhuma consequência
desfavorável para a parte.
Do exposto parece poder concluir-se que
a nulidade que decorre da omissão do despacho de aperfeiçoamento não é absoluta,
mas apenas relativa e circunstancial: afinal, tudo depende da relevância que a
deficiência não suprida pela falta daquele despacho venha a assumir na decisão
do pedido. Como os exemplos acima referidos demonstram, tanto uma decisão de
improcedência, como uma decisão de procedência é susceptível de justificar a
conclusão de que a omissão daquele despacho não constitui nenhuma nulidade processual.
Dito de outro modo: a nulidade
resultante da omissão do despacho de aperfeiçoamento só se verifica se, na
apreciação do pedido da parte, for dada relevância à deficiência do articulado,
ou seja, se o pedido formulado pela parte for julgado improcedente precisamente
com fundamento naquela deficiência.
Se assim é, então não pode concordar-se
com a afirmação de que “o vício está a montante,
na omissão do despacho, que não a jusante, no conhecimento do que poderia ter
sido suprido caso tal omitido despacho tivesse sido proferido…e correspondido.”
Como se procurou elucidar, a omissão do despacho de aperfeiçoamento não
constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela
omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do
articulado for utilizado como fundamento da decisão do tribunal. É por isto que
não parece desacertado concluir que a omissão do despacho de aperfeiçoamento se
traduz num excesso (circunstancial) de pronúncia: sem o proferimento desse
despacho, o tribunal não pode considerar improcedente o pedido da parte com
base na deficiência do seu articulado (cf. RL 6/5/2014 (1978/12.7TVLSB.L1)). Em contrapartida, tendo proferido
despacho de aperfeiçoamento, o tribunal está em condições de considerar
improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento nas deficiências do
seu articulado.
3. Em suma: a omissão do
despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual,
mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado
constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o
pedido formulado pela parte.
MTS