"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/01/2015

Jurisprudência (69)


Decisão sobre a matéria de facto; falta de fundamentação

1. É o seguinte o sumário de RC 20/1/2015 (2996/12.0TBFIG.C1): 

"I – Se o decisor de facto da 1ª instância formou a sua convicção sobre a veracidade e a irrealidade dos factos cujo julgamento é impugnado no recurso, também na prova testemunhal, deve exigir-se aos documentos nos quais o recorrente funda a impugnação um valor probatório tal que imponha para os aqueles factos uma decisão diversa que não possa ser destruída por aquela prova pessoal. 

II - Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.

III – Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC). Assim, no caso de a decisão da matéria de facto daquele tribunal se não mostrar adequadamente fundamentada, a Relação deve – no uso de uma forma mitigada de poderes de cassação – reenviar o processo para a 1ª instância para que a fundamente (artº 662º, nº 2 do nCPC).

IV - O documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer, os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções, mas não fia a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram.

V - A proibição de produção de testemunhas para prova de quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos autênticos ou dos documentos particulares, quer essas convenções sejam anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação do documento, não exclui a possibilidade de provar por testemunhas qualquer outro elemento como o fim ou o motivo do negócio, dado que aquele fim ou este motivo não é nem contrário ao conteúdo do documento, nem constitui uma cláusula adicional à declaração.

VI - Apesar de, com a conclusão do contrato de mútuo e com a entrega do dinheiro mutuado ao mutuário, este se tornar proprietário dele, não viola este direito o mutuante que, por força de uma convenção das partes sobre a finalidade ou objectivo de contracção do mútuo ou, ao menos, por consentimento ou autorização do mutuário, afecta o dinheiro mutuado à satisfação de débitos que o último e a sua empresa tinha para consigo."

2. O acórdão trata -- aliás, bem -- de várias matérias importantes (entre outras, a admissibilidade e relevância da prova documental, a apresentação de documentos na 2.ª instância e a admissibilidade da prova testemunhal), mas tem um especial interesse quanto à solução que fornece para a falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Entende o acórdão que a falta desta fundamentação não constitui uma nulidade da sentença, isto é, não constitui, em concreto, a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), CPC.

Efectivamente, apenas a falta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito implica a nulidade da sentença. Não é o que se verifica quando os fundamentos de facto constam da sentença, mas o tribunal não especifica as razões pelos quais esses fundamentos são considerados adquiridos ou provados. Esta falta de fundamentação não gera a nulidade da sentença, antes permite a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, como se refere no acórdão, justifica que a Relação possa exigir à 1.ª instância a fundamentação dessa decisão (cf. art. 662.º, n.º 2, al. d), CPC).

MTS