1. Alguns processos especiais seguem, a partir de certo momento da sua tramitação, a forma de processo comum. É o que sucede:
-- No processo de interdição e inabilitação, se houver contestação (art. 895.º CPC) ou se, apesar de não ter havido contestação, o interrogatório e o exame do requerido não tiverem fornecido elementos suficientes para uma decisão imediata (art. 899.º, n.º 2, CPC, que, aliás, ainda se refere à "fase de instrução" do processo comum);
-- No processo de consignação em depósito, na hipótese de a eficácia liberatória do depósito ser impugnada com certos fundamentos (art. 920.º, n.º 1, CPC), de ser deduzida reconvenção pelo credor com fundamento em que é maior ou diverso o objecto da prestação devida pelo devedor (art. 921.º, n.º 1, CPC) ou ainda de não haver contestação, mas um dos credores quiser tornar certo o seu direito contra os outros (art. 922.º, n.º 3, CPC);
-- No processo de divisão de coisa comum, se o juiz entender que as questões suscitadas pela divisão não podem ser sumariamente decididas nesse processo especial (art. 926.º, n.º 3, CPC);
-- No processo de divórcio e separação sem consentimento do outro cônjuge, depois de decorrido o prazo para a apresentação da contestação (art. 932.º CPC);
-- No processo de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, depois da apresentação da contestação (art. 938.º, n.º 3, CPC);
-- No processo de prestação de contas, se houver contestação e o juiz entender que a questão não pode ser sumariamente decidida naquele processo (art. 942.º, n.º 3, CPC, que, aliás, continua a referir "os termos subsequentes do processo comum de declaração adequados ao valor da causa"), se o réu apresentar as contas e o autor as contestar (art. 945.º, n.º 1, CPC) e ainda se o tutor ou o curador apresentar espontaneamente contas e houver contestação destas (art. 948.º, al. c), CPC);
-- No processo de indemnização contra magistrados, após a citação do réu (art. 972.º, n.º 1, CPC);
-- No processo de exercício de direitos sociais, se, no âmbito de um pedido de inquérito judicial à sociedade, for requerida a dissolução desta ou for formulada uma pretensão insusceptivel de ser decida no âmbito daquele processo de jurisdição voluntária (art. 1051.º, n.º 3, CPC).
2. A competência da secção cível da instância central para os processos declarativos depende da conjugação de dois factores: o valor da causa tem de ser superior a 50.000 Euros e a forma do processo declarativo tem de ser comum (art. 117.º, n.º 1, al. a), LOSJ). Isto significa pertence à secção de competência genérica da instância local a competência para a apreciação não só de qualquer processo declarativo comum de valor igual ou inferior a 50.000 Euros, mas também de qualquer processo especial que, independentemente do seu valor, não seja da competência de um tribunal de competência territorial alargada (art. 130.º, n.º 1, al. a), LOSJ).
Esta circunstância tem suscitado a dúvida de saber se, sendo um processo especial de valor superior a 50.000 Euros da competência da secção de competência genérica da instância local e verificando-se a conversão desse processo num processo comum, se mantém a competência daquela secção genérica ou se a competência passa a pertencer à secção cível da instância central. Em termos teóricos, à questão colocada responde-se da seguinte forma: ou a translatio iudicii está especificamente prevista na lei e a competência pertence, depois da conversão da forma do processo, à secção cível da instância central ou, na falta dessa previsão, aplica-se a regra da perpetuatio fori, isto é, a regra de que a competência do tribunal se fixa no momento da propositura da acção (cf. art. 38.º LOSJ), e a competência continua a pertencer à secção de competência genérica da instância local.
Note-se que a regra de perpetuatio fori que pode resolver a questão em análise é mais ampla do que aquela que se encontra prevista no art. 38.º LOSJ, dado que a conversão de uma forma de processo numa outra forma não é nem uma alteração nos elementos de facto da acção, nem uma alteração legislativa sobre a competência do tribunal no qual a acção se encontra pendente. Aquela transformação pode, em todo o caso, ser qualificada como uma alteração de direito posterior à propositura da acção, no sentido de que é a lei que impõe uma alteração da forma do processo que, sem a regra da irelevância dessa modificação de direito e, portanto, sem a aplicação da regra da perpetuatio fori, teria influência na competência do tribunal no qual o processo se encontra pendente.
Na área dos processos civis declarativos ou executivos, a única situação de translatio iudicii prevista na LOSJ é a que se encontra regulada no seu art. 117.º, n.º 3: são remetidos à secção cível da instância central os processos pendentes nas secções da instância local em que se verifique alteração do valor susceptível de determinar a sua competência. Logo, há que concluir que, não havendo outra excepção à regra da perpetuatio fori no âmbito daqueles processos, a secção genérica da instância local não perde a sua competência pelo facto de o processo especial que nela foi proposto passar, a partir de certo momento, a seguir a forma comum.
MTS