"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



17/01/2015

Jurisprudência (60)


Admissão por acordo; declaração de nulidade ou anulação


I. O sumário de RC 17/12/2014 (5063/09.0TBLRA.C1) é o seguinte   

"1. A confissão tácita ou presumida assume força probatória plena, pelo que o respectivo facto provado não pode ser infirmado pela prova testemunhal.  

2. A confissão ficta (e a consequente força probatória) pode ser questionada ou infirmada através da nulidade ou anulabilidade da confissão, por aplicação directa ou analógica do art. 359º do CC à admissão por acordo, ou ainda por meio do art. 506º CPC (articulado superveniente), quando haja um conhecimento tardio da inexistência dos factos inimpugnados e erroneamente se haver pensado que se tinham verificado. 

3. No contrato de compra e venda (art. 879º, b) do CC) a obrigação de entrega tem natureza obrigacional, e com ela pretende-se que o vendedor realize aquilo que for necessário para que o comprador possa efectivamente exercer o direito que adquiriu pelo contrato e, nessa medida, ela é executiva do próprio contrato. 

4. A obrigação de entregar a coisa não se confunde com a obrigação de transmitir a propriedade da mesma e muito menos com a própria transmissão do direito."

II. O principal interesse do acórdão é, sob o ponto de vista processual, a afirmação, aparentemente apenas em obiter dictum, de que a admissão por acordo (ou ficta confessio) é susceptível de ser declarada nula ou anulada, tal como a confissão judicial ou extrajudicial (cf. art. 359.º CC). Apesar de a admissão por acordo -- que resulta da simples omissão da impugnação de um facto alegado pela contraparte (cf. art. 574.º, n.º 2, CPC) -- não poder ser confundida com a confissão, a orientação tem sido defendida na doutrina portuguesa e merece acolhimento.

Consequentemente, há que entender que a declaração de nulidade ou a anulação da admissão por acordo deve ser obtida no recurso de revisão interposto contra a decisão baseada na ficta confessio e proposto pela parte interessada (art. 696.º, al. d), CPC e, em especial, art. 698.º, n.º 2 a contrario, CPC). Note-se que, como é evidente, a parte não tem de aguardar o trânsito em julgado da decisão para invocar a nulidade ou anulabilidade da admissão por acordo ou da confissão: se o fundamento for conhecido pela parte ainda durante a pendência da causa, esse mesmo fundamento pode ser invocado (nomeadamente, através de um articulado superveniente) na acção pendente.

Uma nota histórica interessante: J. J. W. Planck -- pai do célebre físico M. Planck, laureado com o prémio Nobel da Física, e avô de E. Planck, executado em 1945 por ter estado envolvido numa conspiração contra Hitler --, no seu Lehrbuch des deutschen Civilprozessrechts I (1887) ainda considerava como primeira forma de confissão (Geständniss) a vontade de "não querer fazer uso da defesa através da mera impugnação" (p. 317) e, portanto, a "desistência [...] da defesa" (p. 318), acrescentando depois que "a expressão confissão (Geständniss) é [...] ainda utilizada num sentido completamente diferente, designadamente como uma declaração de ciência ou como uma transmissão da informação com o conteúdo específico de que uma circunstância desfavorável ao declarante é verdadeira" (p. 318).

III. No direito direito português, a confissão é qualificada como um meio de prova (cf. art. 352.º CC). No direito alemão, há uma longa tradição de qualificar a confissão como um meio de dispensa da prova (cf., por exemplo, Bülow, Das Geständnissrecht (1889), 1 ss.).

MTS