Com a Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ, Lei n.º 62/2013, de 26/8) foi atribuída competência às secções de instância central especializada de família e menores para preparar e julgar as seguintes matérias:
-- a) Acções e processos relativos ao estado civil das pessoas e família (art. 122.º da LOSJ);
-- b) Acções e providências relativas a menores e filhos maiores (art. 123.º da LOSJ);
-- c) Processos relativos à matéria tutelar educativa e de protecção (art. 124.º da LOSJ).
No âmbito das competências relativas ao estado civil das pessoas e da família, foi atribuída às secções de família e menores a competência para preparar e julgar os processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum (art. 122.º, n.º 1, al. b), da LOSJ).
A união de facto (reconhecida) consiste na vida entre duas pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente, em comunhão de leito, mesa e habitação como se fossem casadas e por mais de dois anos (art. 1.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2001, de 11/5), criando, desta forma, uma aparência externa de casamento em que terceiros podem confiar.
A união de facto constitui-se quando os sujeitos da relação se juntam, ou seja, quando passam a viver em comunhão de mesa, leito e habitação, sendo a partir dessa data que se conta o período de dois anos para que possa produzir eficácia em termos de atribuição de direitos (art. 3.º a 7.º da Lei n.º 7/2001).
A economia comum consubstancia-se numa situação em que duas ou mais pessoas vivem em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e estabelecem entre si uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos (art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2001, de 11/5), não se exigindo (embora possa existir) um relacionamento sexual entre os seus membros.
Este conceito pressupõe a vivência de duas ou mais pessoas numa mesma casa, desde que um deles seja maior de idade, suportando em conjunto as despesas de habitação e alimentação (micro-organização económica).
Quer na Lei n.º 6/2001 (aprovando medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum), quer na Lei n.º 7/2001 (aprovando medidas de protecção das uniões de facto), o legislador não estabeleceu qualquer procedimento judicial de jurisdição voluntária nem concretizou a regulamentação exigida por estes diplomas prevendo outros procedimentos para além daqueles que se encontram previstos (art. 8.º da Lei n.º 6/2001 e art. 9.º da Lei n.º 7/2001).
É sabido que os procedimentos de jurisdição voluntária são apenas aqueles que se encontram expressamente previstos no Título XV do Código de Processo Civil (artigos 986.º a 1081.º do CPC) ou em legislação avulsa (e.g., no art. 150.º da Organização Tutelar de Menores e no art. 100.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
Deste modo, com excepção das questões relativas à casa de morada de família dos unidos de facto ou daqueles que vivem em economia comum (art. 3.º, al. a), e 4.º, da Lei n.º 6/2001 e art. 4.º, al. d), e 5.º da Lei n.º 7/2001), o exercício de outros direitos previstos nos diplomas que regulam as medidas de protecção da união de facto e da economia em comum não se integram em nenhum dos procedimentos de jurisdição voluntária previstos no Código de Processo Civil ou noutros diplomas estabelecendo procedimentos a que sejam aplicáveis as regras do processo civil previstas para os processos de jurisdição voluntária.
Mesmo que as secções de família e menores sejam chamadas a pronunciar-se sobre a dissolução da união de facto, esta decisão apenas é da sua competência quando se destine a fazer valer direitos que dependam dela (art. 8.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 7/2001), ou seja, a secção de família e menores apenas tem competência para declarar a dissolução da união de facto quando esteja em causa a necessidade de atribuição do uso da casa de morada de família onde viviam os membros da união de facto.
Em conclusão, da conjugação do art. 122.º, n.º 1, al. b), da LOSJ, do art. 986.º, n.º 1, do CPC, dos art. 3.º, al. a), e 4.º, da Lei n.º 6/2001 e dos art. 4.º, al. d), e 5.º da Lei n.º 7/2001, as secções de família e menores apenas são competentes para preparar e julgar os procedimentos de atribuição do uso da casa de morada dos unidos de facto ou daqueles que vivam em economia comum, carecendo de competência para preparar e julgar quaisquer outros procedimentos que concretizem as demais medidas de protecção previstas na Lei n.º 6/2001 e na Lei n.º 7/2001.
António José Fialho
(Juiz de Direito)