"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/02/2015

Jurisprudência (86)


Contrato de swap; pacto de jurisdição; Reg. 44/2001

1. É o seguinte o sumário de STJ 10/2/2015 (877/12.7TVLSB.L1-A.S1):

I - O princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efectuada.

II - É usual a utilização, no âmbito dos contratos de
swap, de um contrato-tipo (master agreement), contendo a definição do regime geral para as sucessivas transacções acordadas entre as partes, e que ocorram, previsivelmente, no futuro, e em que, além do mais, é consagrado um pacto de jurisdição, o qual é susceptível de, mediante instrumento particular celebrado pelas partes, integrar a relação contratual.

III - Perante uma situação jurídica plurilocalizada e transnacional, tem de se atender às regras da competência internacional e, particularmente, quando envolva Portugal e algum dos Estados-Membros da União Europeia, ao direito da competência internacional da União Europeia, constante do Regulamento (CE) n.º 44/2001, e desde 10/01/2015, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012) – cf. art. 8.º, n.º 4, da CRP.

IV - A interpretação uniforme daqueles Regulamentos está confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), pelos procedimentos ordinários de interpretação do direito comunitário – cf. art. 267.º do TFUE.

V - O Regulamento n.º 44/2001 não exige qualquer solenidade especial para a atribuição de competência judiciária e o regime do seu art. 23.º prevalece sobre as regras de forma de direito interno que fixem requisitos formais mais exigentes para os pactos de jurisdição.

VI - A noção de pacto de jurisdição vertida no Regulamento n.º 44/2001 é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros e deve ser interpretada como um conceito autónomo.
 
VII - Perante o regime do Regulamento n.º 44/2001, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado.

VIII - É à parte que quer beneficiar da aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais que compete, em concreto, alegar e provar que está perante aquela tipologia de cláusulas, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC.

IX - A validade do pacto de jurisdição, constante de uma cláusula contratual geral, integrada num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada, é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º, do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais.
 

2. O acórdão adopta, quanto à análise da validade e da aplicação do pacto de jurisdição celebrado entre as partes, a única solução possível, como, aliás, já se tinha demonstrado neste Blog (clicar aqui e aqui).

O STJ contraria alguma jurisprudência que -- certamente com a melhor das intenções -- desconsiderava a aplicação do Reg. 44/2001, mas que, por isso mesmo, era susceptível de fazer incorrer o Estado português em responsabilidade por violação do direito europeu (admitindo uma acção de indemnização contra um Estado-membro por violação do direito europeu numa sentença, cf. TJ 30/9/2003 (C-224/01, Köbler/Áustria); TJ 13/6/2006 (C-173/03, Traghetti del Mediterraneo/República Italiana)). 

MTS